sexta-feira, 8 de janeiro de 2010



Direito Empresarial — Penhora de estabelecimento.
zé geraldo


No REsp.nº 1.114.767/RS, relatado pelo ministro Luiz Fux, a Corte Especial do STJ decidiu que, excepcionalmente, é possível a penhora do imóvel em que se localiza o estabelecimento de empresa, se não existirem outros bens livres e desembargados que possam garantir a execução, e desde que esse imóvel que integra o estabelecimento de empresa não seja, ao mesmo tempo, residência da família.O relator lembrou que o art. 649, V do CPC, com a redação da L. nº 11.382/2006, torna absolutamente impenhoráveis os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos e outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão. Segundo o ministro, uma leitura teleológica desse artigo — em atenção aos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa inscritos no art. 1º, III e IV da CF/1988 e da função social da propriedade, inscrita no art. 5º, XXII e XXIII da CF/1988 — permite concluir que o imóvel profissional é instrumento necessário ou útil ao desenvolvimento da atividade empresarial, especialmente quando se trata de pequenas empresas, empresas de pequeno porte ou firma individual. O estabelecimento de empresa, definido no art. 1.142 do Código Civil, é o conjunto de bens tangíveis (materiais) e intangíveis (imateriais) necessários ao atendimento do objetivo econômico da empresa (atividade empresarial), entre os quais se insere o imóvel onde se realiza a atividade empresarial. O art.11, §1º da L. nº 6.830/80 admite que, excepcionalmente, a penhora recaia sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola. Trata-se de regra especial aplicável à execução fiscal, cuja constitucionalidade se presume porque não foi, até o momento, questionada. Em princípio, portanto — e à falta de outros bens —, admite-se a penhora de imóvel que constitui parcela do estabelecimento industrial. Fiando-se nesse raciocínio, o ministro entendeu válida a penhora que, em execução fiscal, se abateu sobre bem de propriedade do executado onde funciona a sede da empresa individual, e que não servia, ao mesmo tempo, de morada da família.

Doutrina


Para o direito empresarial, estabelecimento é o complexo de bens, organizado para o exercício da empresa. Empresa é a atividade do empresário. “Estabelecimento empresarial” é, portanto, o conjunto de bens, organizado pelo empresário ou pela sociedade empresária, para o exercício de sua atividade. Por “bens”, entendem-se coisas (imóveis utilizados na atividade empresarial, máquinas, mercadorias, estoques etc) e direitos (marcas,patentes, contratos etc). A noção de “estabelecimento de empresa” é jurídica, isto é, por “estabelecimento” entende-se não um punhado de coisas (bens materiais ou tangíveis) e direitos (bens imateriais ou intangíveis), mas um complexo de bens e direitos organizado para o fim essencial da empresa. Visto pelo lado físico, o estabelecimento de empresa é apenas esse conjunto inerme de bens (materiais e imateriais), mas não é só isso: esse rol de coisas e direitos precisa estar organizado, harmonizado, precisa formar um conjunto voltado ao fim da empresa para que tenha a proteção do direito. Essa organização, que dá formato legal ao estabelecimento, vai além do mero somatório de coisas e bens, e não raro é negociada por preço muito superior ao que se obteria se cada bem nela contida fosse vendido separadamente, mas pode ocorrer que a organização desse estabelecimento seja de tal modo precária que o estabelecimento de empresa, no sentido jurídico, valha muito menos do que o valor de cada um dos seus componentes materiais ou imateriais, individualmente considerado. O estabelecimento de empresa, como objeto unitário para o direito, pode ser vendido, doado, alienado, penhorado, hipotecado. Confusões entre os termos “empresa” (atividade empresarial) e “estabelecimento”(complexo organizado de bens e direitos voltado para o fim da empresa)são comuns. Numa empresa familiar, pequena, de singela organização, é bem possível que toda a ”empresa”(atividade) esteja alocada num único estabelecimento.Numa empresa(atividade) complexa, pode haver um ou mais estabelecimentos(um ou mais complexos de bens materiais e imateriais organizados para o fim da mesma empresa). O que é preciso ficar claro é que o estabelecimento não é, necessariamente, o total dos bens do empresário ou da sociedade empresária, mas apenas aqueles afetados, organizados de modo a permitir que a empresa (atividade) alcance o seu fim social.

Trespasse


Em direito empresarial, a venda do estabelecimento chama-se trespasse. Aquele que aliena o estabelecimento, seja o empresário, seja a sociedade empresária, chama-se alienante ou trespassante; aquele que compra, chama-se adquirente ou trespassatário. No trespasse, há alienação de parte do patrimônio da sociedade e, em tese, diminuição do ativo e, por consequência, “empobrecimento” da sociedade, o que pode vir a diminuir a garantia dos credores, já que o devedor responde por suas obrigações, presentes e futuras, com todo o seu patrimônio. Bem por isso, o Código Civil diz que se ao trespassante(alienante) não restarem bens suficientes para o pagamento do passivo, a alienação somente será válida se todos os credores tiverem sido pagos antes da alienação, ou deles o alienante tiver obtido anuência expressa ou tácita para o trespasse, nos trinta dias seguintes à sua(dos credores) notificação. O Código Civil também prevê que o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos regularmente contabilizados, anteriormente à transferência, e que o alienante continua solidariamente obrigado pelos créditos vencidos, até um ano após a publicação; quanto aos demais, a partir da data de cada vencimento. Como regra, no trespasse, o adquirente sucede o alienante nas obrigações decorrentes de todos os contratos, com exceção daqueles de caráter pessoal, isto é, os que tenham sido ajustados levando-se em consideração não propriamente o estabelecimento de empresa, mas a pessoa do trespassante. O código proíbe, ainda — e desde que as partes não tenham disposto de modo contrário —, que o alienante concorra com o adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência do estabelecimento, mas esse prazo pode ser encurtado ou razoavelmente elastecido entre quem compra e quem vende.
___________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2. As ilustrações estão em http://desgovernando.files.wordpress.com/2009/03/dinheiro.jpg e http://images.google.com/imgres?imgurl=http://img210.imageshack.us/img210/4251/placa1822ey2.jpg