domingo, 28 de março de 2010





Fecha a mesa 4!
zé geraldo


Disseram que era juiz. Mais nada. Se era mesmo, ninguém sabe. Chegava do nada, saía do nada. Sempre assim. Às sextas, por volta das três. Não dizia ai. A casa mudou de cor, de garçon, de nome, de dono. E aquele sujeito cumpria o seu ritual, feito um mantra. Sempre ali. Terno escuro, alinhado.O cabelo branco cada dia mais raro, o tempo avisando que dali a pouco viria acertar umas contas. Nunca abriu a boca. Achavam até que era mudo. Chegava, sentava-se sempre à mesma mesa, fitava nos olhos o primeiro garçon que passasse e fazia um gesto no ar, com as duas mãos, a indicar o tamanho de uma garrafa. Entendiam. Traziam uma cerveja, dois copos. Decerto esperava alguém. Ficava ali, quieto, imexível, perdido em lembranças, o pensamento vagando pelas distâncias. Tinha um olhar fugidio, displicente, pregado na calçada e nos paralelepípedos da rua, como se remoesse saudades ou esperasse alguém que, como ele, surgisse do nada, invadisse a soleira do bar, viesse sentar-se ao seu lado.Ninguém sabe. Esse alguém nunca apareceu. Talvez relembrasse as suas falências, os planos que ficaram pelo caminho, o que não deu certo. Tinha filhos? Teve mulher? Pra onde ia quando saía daqui? Quem sabe? Tomava a bebida, fazia ao garçon um gesto com a mão, como se estivesse escrevendo alguma coisa no ar. Fecha a mesa 4!, gritavam. Deixava o dinheiro embaixo de um dos copos. Saía. Dobrava a esquina. Evaporava. Assim. Pufff! Talvez nem fosse deste mundo. Cruz credo! Desaparecia no bulício da tarde. Pelo menos até a próxima sexta, por volta das três. Foi sempre assim. A casa mudou de cor, de garçon, de nome, de dono. E aquele sujeito ali. Terno escuro, alinhado. O cabelo branco cada dia mais raro. Os garçons estranhavam aquela solidão. O que leva um homem a viver assim? Sozinho...Gente besta! Não estava só. Nunca esteve. Durante aqueles anos todos esses bisbilhoteiros não perceberam que o homem da mesa 4 nunca esteve só. Não mesmo. Tinha companhia. Era um homem e sua dor...
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma). Como é costume escrever ao fim de uma obra de ficção, pra evitar processo, "qualquer semelhança com nomes, pessoas ou coisas é mera coincidência". Será mesmo?
2.Ilustração:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiom-kAIRUpTEk2ucZYSeYewa3inKsXRu9iRYcRGsyZFYXpyuDgu7X-3iTrlltgByBpDRLE9_Yhabwh0FSRrOXOzlUrdbiw-vzum9EZm3FZhE1tn0hBNputXjFUrZWh3c-R4h556xI1AlCw/s400/solidao.jpg