sábado, 27 de fevereiro de 2010



Empresa, Empresário, Estabelecimento.
zé geraldo

Conceito de empresa

O conceito de empresa parece ser para o direito um desses mistérios de esfinge. Por mais que soe herético aos puristas do direito empresarial, tenho para mim que esse conceito é absolutamente desimportante. Nisso, estou ao abrigo de BRUNETTI e FRANCESCO FERRARA, este professor de Florença. Em boa companhia, portanto. Empresa não tem personalidade jurídica nem é sujeito de direito, mas objeto dele. O conceito de empresa não é jurídico, mas econômico. A ciência jurídica jamais elaborará um conceito jurídico de empresa que seja melhor ou mais exato que o econômico, ou que não se apoie inteiramente nele, e seja, portanto, desnecessário. BRUNETTI dizia que a empresa, como entidade jurídica, é uma abstração, e os “efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita”. Ao que disse, se, do lado político-econômico a empresa é uma realidade, “do jurídico é un’astrazione, porque, reconhecendo-se como organização de trabalho formada das pessoas e dos bens componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata, devendo-se na verdade ligar à pessoa do titular”. Esse sujeito titular é o empresário. A explicação é simples: o empresário reúne capital, matéria prima, tecnologia e trabalho aliciado a outrem. Organiza, pois, sua atividade voltada ao mercado. Até aí, essa organização é um simples complexo de bens e pessoas, mas não tem vida própria. Quando o empresário atua sobre essa organização e inicia a atividade que alcançará a produção desejada, a empresa propriamente dita nasce para o mundo dos fatos e para o mundo jurídico. Disso se conclui que empresa é uma atividade organizada dos meios de produção posta em ação por vontade do empresário. O empresário atua a empresa e empresa é, no frigir dos ovos, exercício de atividade produtiva. Desse exercício mais não se tem senão uma ideia abstrata. Desde o século XIX já se intuía existirem na sociedade organizações econômicas destinadas à produção. À testa dessas organizações existiam pessoas que reuniam e adaptavam recursos sociais às necessidades sociais, remunerando aqueles que emprestavam seu esforço pessoal à consecução daqueles objetivos. A essa organização dos fatores de produção a economia deu o nome de empresa. Àquele que estava no comando dessa empresa, deu-se o nome de empresário. Empresa é, pois, a atividade organizada para produzir alguma coisa para o mercado. Empresário é o sujeito que comanda essa atividade. Como dito, esses conceitos são econômicos, mas jurista algum conseguiu ou conseguirá elaborar um conceito jurídico de atividade organizada ou de empresário que não seja, rigorosamente, o mesmo que a economia já definiu para essas duas entidades. Tudo o que se fizer daí por diante será dizer a mesma coisa com outras palavras. É melhor desistir. Essa é, por sinal, a advertência de Asquini. A primeira ideia de empresa surgiu no art.632 do Código francês de 1807. Ao enumerar atos de comércio, o Código francês incluiu todas as “empresas de manufatura” e as “empresas de fornecimento”. Como o conceito de empresa era fundado na ideia de que empresa era a organização que praticava atos de comércio, o conceito de comerciante passou a ser, por derivação, o daquele que fazia da prática dos atos de comércio sua profissão habitual. Só depois o conceito de comerciante evoluiu para o de empresário, na medida em que se consolidou o entendimento de que empresário é aquele que organiza e toca a empresa, mas a empresa continuou sendo aquilo que os economistas idealizaram no século XIX, isto é, organização econômica destinada à produção para o mercado. A Vivante, pelo menos, se deve a honestidade de semelhar o conceito jurídico de empresa ao econômico. É dele a lição de que empresa é um organismo econômico que, sob risco próprio, põe em atividade os elementos necessários à obtenção de um produto destinado à troca. Numa palavra: empresa é organização econômica destinada à produção. A mesma dificuldade que se abateu no estrangeiro na definição de empresa alcançou os estudos brasileiros de direito comercial. Ao enumerar os atos de comércio, o art. 19 do Regulamento nº 737, de 1850, incluiu as empresas. A partir daí, a doutrina pátria debate-se, sem nenhum êxito, na sua conceituação. Segundo REQUIÃO, ao incluir as empresas entre os atos de comércio, o Regulamento 737 deu ao conceito de empresa a ideia de repetição de atos de comércio, praticados profissionalmente, exatamente como estava no direito francês, como já observado por JEAN ESCARRA e expressamente anotado por INGLEZ DE SOUZA. O sentido que emprestam ao termo “empresa” o direito do trabalho e o empresarial é sabidamente colidente, em especial quando se trata de sucessão de empregadores, falência, recuperação judicial ou extrajudicial ou da desconsideração da pessoa jurídica para fins de responsabilização dos sócios por obrigações civis, trabalhistas, previdenciárias, fiscais ou tributárias,de pagar ou de fazer. Para os civilistas, “empresa” é a atividade econômica organizada, exercida pelo empresário, pessoa física ou jurídica, que, com intuito de lucro, reúne insumos, capital, tecnologia e trabalho para a produção de bens ou serviços para o mercado. Para o direito do trabalho, o “empregador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Bem se vê que, enquanto o direito econômico funda o conceito de empresa na atividade negocial, o trabalhista mistura “atividade” com “tipos de empresário”(“empresa individual ou coletiva”) e, em outros artigos, com estabelecimento, fundo de comércio e outros elementos de empresa. Empresa é uma realidade econômica, centro de decisão capaz de adotar estratégia voltada à produção de bens e serviços , uma combinação de fatores de produção — terra, capital,trabalho — ou unidade de produção que trabalha para o mercado. O fim da empresa resulta da atuação de três fatores: dissociação entre propriedade e controle, interferência sindical e intervencionismo estatal. A dissociação entre a propriedade e controle da empresa moderna gerou o que GALBRAITH chamou de tecnoestrutura , isto é, controle e administração da empresa por técnicos, longe das mãos dos “donos”. A intervenção dos sindicatos também altera a face legal da empresa porque pulveriza o poder do empresário, já que os delegados sindicais, de pessoal, de empresa, as comissões internas e os representantes dos trabalhadores participam, de uma ou de outra forma, dos órgãos de administração, da divisão de lucros, dos desígnios do negócio. Por último, como a atividade econômica é exercida sob a forma de empresa (atividade), é sobre ela que recai a gula intervencionista estatal, seja impondo restrições à própria forma de atividade, à característica dos produtos ou serviços ou às garantias do consumidor, seja estipulando um estatuto mínimo de direitos sociais dos empregados, abaixo do qual não se pode transigir. Para os direitos do trabalho, empresarial, tributário e econômico, empresa é categoria jurídica O caráter tuitivo do direito do trabalho empresta à noção de empresa outro formato, tanto que a CLT ora se refere a ela como a atividade do empresário, ora como estabelecimento, ora como grupo econômico. Quando o legislador celetista diz que “empregador é a empresa”, empresta ao conceito a funcionalidade que esse ramo especializado do direito reclama, na medida em que acentua a importância do fenômeno da despersonalização da figura do empregador de modo a antecipar que nenhuma modificação da estrutura da empresa ou a alteração do seu titular será relevante para os direitos do empregado e para a sorte do contrato de trabalho, premissas, aliás, ditas, com todas as letras, nos arts.10 e 448 da CLT.Para o direito do trabalho, empresa é sociedade hierarquizada não dotada de personalidade, e que tem por objetivo realizar o bem comum da comunidade em que se insere. É essa ideia de sociedade hierarquizada que legitima, na pessoa do empresário, o direito potestativo sobre o contrato de trabalho e os poderes disciplinar e diretivo. No direito tributário, o sujeito passivo do débito é a pessoa física ou jurídica, mas de costume se desconsidera essa premissa em favor da empresa porque os princípios do direito fiscal visam legitimar o erário na coleta de dinheiro. Para os direitos empresarial e econômico, empresa é a atividade que dela deflui. Sendo uma realidade econômica, é natural que a empresa possa ser vista de vários modos, daí a lição tantas vezes lida de Asquini, para quem a empresa deve ser vista sob os perfis subjetivo, funcional, objetivo(ou patrimonial) e corporativo(ou institucional). Sob o perfil subjetivo, a empresa identifica-se com o empresário. Dizer que a empresa tem perfil subjetivo é fazer uso de metonímia para explicar o fato de que o empresário se insere na empresa. É sua cabeça e alma. A expressão presta-se, também, para explicar a subjetivação do patrimônio do empresário , ou como teoria tendente a superar a dissociação entre empresa e empresário. Sob o perfil funcional, a empresa se identifica à atividade empresarial e representaria um conjunto de atos tendentes a organizar os fatores da produção para a distribuição ou produção de certos bens ou serviços. A empresa seria aquela “particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo”, isto é, a atividade desenvolvida profissionalmente e organizada para a produção de bens e serviços. A empresa não é mero conjunto de atos, mas pressupõe continuidade, duração e orientação destinada à produção para o mercado. Sob o perfil objetivo ou patrimonial, a empresa se identificaria ao conjunto de bens destinado ao exercício da atividade empresarial, isto é, seria um patrimônio afetado a uma finalidade específica. Nessa óptica, o empresário opera um conjunto de bens que lhe serve de instrumento para alcançar o objetivo empresarial (produção de bens ou serviços para o mercado, com intuito de lucro). Esses bens são o objeto de sua atividade, mas não se confundem com os bens que integram seu patrimônio pessoal. Sob a óptica do estabelecimento, a empresa pertence à categoria dos objetos. Por fim, pelo perfil corporativo ou institucional, a empresa seria a instituição que reúne o empresário e seus colaboradores, “...aquela especial organização de pessoas que é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviço, seus colaboradores (...) um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum”. Isto é: “...o empresário e seus colaboradores dirigentes, empregados e operários não são apenas uma pluralidade de pessoas vinculadas entre elas por uma soma de relações individuais de trabalho, com fins individuais; formam, ao contrário, um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundam os fins individuais do empresário e de cada colaborador considerado individualmente: a consecução do melhor resultado econômico da produção”. A ideia de empresa como instituição não é isenta de críticas. Opõe-se a ela a objeção de que o conceito de empresa como instituição pressupõe unidade de propósito e objetivos comuns, quando a prática mostra que, em regra, há permanente conflito de interesses entre dirigentes e trabalhadores. A essa restrição opõe-se MAGANO, remarcando que posições potencialmente conflitantes das individualidades que compõem a comunidade empresarial não obstam que, num processo dialético de superação, a empresa persiga e alcance objetivos próprios, que não se confundem com os objetivos dos diversos grupos em conflito. Em suma: o fato de existirem na empresa interesses particulares ocasionalmente em conflito não retira a evidência de que a empresa tem interesse unitário, diverso dos interesses fragmentários que compõem o seu universo de diretores, empregados e colaboradores. Qualquer que seja o conceito que se adote, a empresa, como uma realidade econômica, é sujeito de direitos e obrigações, e essa evidência não pode escapar à preocupação do direito.

Conceito de empresário

Segundo o art.966 do Código Civil, empresário é quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a criação ou circulação de bens ou serviços. O art.966 do Código Civil refere-se à pessoa física do empresário, isto é, a pessoa natural que organiza os meios de sua empresa (sua atividade). Já, no art.982, o Código cuida da figura da pessoa jurídica empresária. Da regra do art.966 do Código Civil extrai-se que o empresário:

• Exerce atividade em nome próprio
• Exerce essa atividade com profissionalidade, isto é, de modo habitual
• Essa atividade por ele organizada é econômica
• É o empresário quem organiza a atividade
• O fim da empresa (atividade) é a criação, oferta ou circulação de bens ou serviços ao mercado
• Para ser empresário a pessoa física precisa ser capaz e não ter qualquer impedimento de ordem civil.

Sócio de uma sociedade empresária e empresário são coisas distintas. O empresário organiza a atividade e a exerce em nome próprio. O sócio pode ser um investidor, um empreendedor, mero emprestador de capital. O empresário individual, embora regularmente registrado na Junta Comercial, não é pessoa jurídica. O registro apenas regulariza o exercício da sua atividade, mas não altera sua personalidade, de pessoa natural para jurídica. O empresário individual pode falir, mas que quebra, nessa hipótese, não é a pessoa jurídica, em rigor inexistente, mas a própria pessoa física do empresário individual. O art.972 do Código Civil exige que o empresário, para ser reconhecido como tal, não esteja impedido de exercitar a empresa, isto é, que tenha plena capacidade civil. Ainda que, legalmente, não possa exercer a atividade de empresário, o sujeito pode ser sócio ou acionista de outras sociedades empresárias. O que não pode é exercer a empresa, isto é, organizar e comandar a atividade empresarial. Para iniciar (organizar)a empresa, a lei exige plena capacidade civil, mas pode acontecer de um incapaz herdar uma empresa, e continuar empresário, ou continuar empresário de uma empresa da qual já era titular, antes do advento da sua incapacidade civil. Nessas hipóteses, deverá ser representado, ou assistido, mas não poderá exercer a empresa(isto é, a atividade negocial), diretamente. Fique claro que nem todos os que sejam civilmente capazes podem empresariar. Se, mesmo impedido de empresariar, o sujeito empresaria, responde por todas as suas obrigações. O §1º do art.1.011 do Código Civil diz que não podem ser empresários:

• Os que tiverem sido criminalmente condenados a penas que vedem, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos.
• Os condenados por crimes falimentares.
• Os condenados por crime de prevaricação, isto é, os agentes públicos que não praticaram o ato público que lhes competia praticar, ou retardaram imotivadamente a sua prática, ou praticaram de forma contrário ao que a lei dispunha.
• Os condenados por suborno(ou “peita”, como está no Código), isto é, corrupção ativa.
• Os condenados por crime de concussão, isto é, exigência, pelo agente público, de vantagem indevida, para si ou para outrem, para praticar ou deixar de praticar um ato a que estava por lei obrigado.
• Os condenados por peculato, isto é, apropriação de dinheiro, valores ou bens públicos, por funcionário público, de que tenha posse ou guarda, em razão do cargo, ou desviá-los em proveito próprio.
• Os condenados por crime contra a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de defesa da concorrência, contra as relações de consumo, contra a fé pública ou a propriedade.
• Os magistrados
• Os membros do Ministério Público
• Os servidores públicos
• Os militares da ativa
• O falido, enquanto não estiverem extintas as suas obrigações
• Os estrangeiros com visto temporário no país .

Menor emancipado

Parte da doutrina entende que o menor de 18 anos, emancipado, não pode ser empresário individual porque não está sujeito à responsabilidade penal por crime falimentar. Admitir que o menor emancipado seja empresário individual abriria espaço para a fraude porque, não respondendo por crime falimentar, poderia provocar dolosamente o prejuízo, locupletar-se e sair ileso. Para essa corrente, a emancipação não altera a menoridade, que diz respeito a uma característica civil. A emancipação faz cessar a incapacidade civil, mas não faz do menor emancipado, maior. O Enunciado nº 197 do Conselho da Justiça Federal não diz isso. Para os autores desse enunciado, “a pessoa natural, maior de 16 anos e menor de 18 anos, é reputada empresário regular se satisfizer os requisitos dos arts.966 e 967”. Outra parte da doutrina entende que o menor emancipado pode cometer crime falimentar e ser apenado por isso com base nas medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Há doutrinadores que se opõem a isso afirmando que essas medidas se destinam a punir e reprimir violações genéricas dos deveres estipulados na ordem jurídica(não matar, não roubar etc), o que não se aplicaria aos casos de crimes falimentares, que se constituem de violações a deveres decorrentes das atividades profissionais. Para essa corrente, o menor infrator é uma pessoa em desenvolvimento, por isso que as medidas socioeducativas são excepcionais e breves, o que não ocorreria com o menor nos casos dos efeitos da decretação da falência sobre a sua vida pessoal.


Conceito de estabelecimento

No REsp.nº 1.114.767/RS, relatado pelo ministro Luiz Fux, a Corte Especial do STJ decidiu que, excepcionalmente, é possível a penhora do imóvel em que se localiza o estabelecimento de empresa, se não existirem outros bens livres e desembargados que possam garantir a execução, e desde que esse imóvel que integra o estabelecimento de empresa não seja, ao mesmo tempo, residência da família.O relator lembrou que o art. 649, V do CPC, com a redação da L. nº 11.382/2006, torna absolutamente impenhoráveis os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos e outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão. Segundo o ministro, uma leitura teleológica desse artigo — em atenção aos princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa inscritos no art. 1º, III e IV da CF/1988 e da função social da propriedade, inscrita no art. 5º, XXII e XXIII da CF/1988 — permite concluir que o imóvel profissional é instrumento necessário ou útil ao desenvolvimento da atividade empresarial, especialmente quando se trata de pequenas empresas, empresas de pequeno porte ou firma individual. O estabelecimento de empresa, definido no art. 1.142 do Código Civil, é o conjunto de bens tangíveis (materiais) e intangíveis (imateriais) necessários ao atendimento do objetivo econômico da empresa (atividade empresarial), entre os quais se insere o imóvel onde se realiza a atividade empresarial. O art.11, §1º da L. nº 6.830/80 admite que, excepcionalmente, a penhora recaia sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola. Trata-se de regra especial aplicável à execução fiscal, cuja constitucionalidade se presume porque não foi, até o momento, questionada. Em princípio, portanto — e à falta de outros bens —, admite-se a penhora de imóvel que constitui parcela do estabelecimento industrial. Fiando-se nesse raciocínio, o ministro entendeu válida a penhora que, em execução fiscal, se abateu sobre bem de propriedade do executado onde funciona a sede da empresa individual, e que não servia, ao mesmo tempo, de morada da família. Para o direito empresarial, estabelecimento é o complexo de bens, organizado para o exercício da empresa. Empresa é a atividade do empresário. “Estabelecimento empresarial” é, portanto, o conjunto de bens, organizado pelo empresário ou pela sociedade empresária, para o exercício de sua atividade. Por “bens”, entendem-se coisas (imóveis utilizados na atividade empresarial, máquinas, mercadorias, estoques etc) e direitos (marcas,patentes, contratos etc). A noção de “estabelecimento de empresa” é jurídica, isto é, por “estabelecimento” entende-se não um punhado de coisas (bens materiais ou tangíveis) e direitos (bens imateriais ou intangíveis), mas um complexo de bens e direitos organizado para o fim essencial da empresa. Visto pelo lado físico, o estabelecimento de empresa é apenas esse conjunto inerme de bens (materiais e imateriais), mas não é só isso: esse rol de coisas e direitos precisa estar organizado, harmonizado, precisa formar um conjunto voltado ao fim da empresa para que tenha a proteção do direito. Essa organização, que dá formato legal ao estabelecimento, vai além do mero somatório de coisas e bens, e não raro é negociada por preço muito superior ao que se obteria se cada bem nela contida fosse vendido separadamente, mas pode ocorrer que a organização desse estabelecimento seja de tal modo precária que o estabelecimento de empresa, no sentido jurídico, valha muito menos do que o valor de cada um dos seus componentes materiais ou imateriais, individualmente considerado. O estabelecimento de empresa, como objeto unitário para o direito, pode ser vendido, doado, alienado, penhorado, hipotecado. Confusões entre os termos “empresa” (atividade empresarial) e “estabelecimento”(complexo organizado de bens e direitos voltado para o fim da empresa)são comuns. Numa empresa familiar, pequena, de singela organização, é bem possível que toda a ”empresa”(atividade) esteja alocada num único estabelecimento.Numa empresa(atividade) complexa, pode haver um ou mais estabelecimentos(um ou mais complexos de bens materiais e imateriais organizados para o fim da mesma empresa). O que é preciso ficar claro é que o estabelecimento não é, necessariamente, o total dos bens do empresário ou da sociedade empresária, mas apenas aqueles afetados, organizados de modo a permitir que a empresa (atividade) alcance o seu fim social.

Conceito de “trespasse”

Em direito empresarial, a venda do estabelecimento chama-se trespasse. Aquele que aliena o estabelecimento, seja o empresário, seja a sociedade empresária, chama-se alienante ou trespassante; aquele que compra, chama-se adquirente ou trespassatário. No trespasse, há alienação de parte do patrimônio da sociedade e, em tese, diminuição do ativo e, por consequência, “empobrecimento” da sociedade, o que pode vir a diminuir a garantia dos credores, já que o devedor responde por suas obrigações, presentes e futuras, com todo o seu patrimônio. Bem por isso, o Código Civil diz que se ao trespassante(alienante) não restarem bens suficientes para o pagamento do passivo, a alienação somente será válida se todos os credores tiverem sido pagos antes da alienação, ou deles o alienante tiver obtido anuência expressa ou tácita para o trespasse, nos trinta dias seguintes à sua(dos credores) notificação. O Código Civil também prevê que o adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos regularmente contabilizados, anteriormente à transferência, e que o alienante continua solidariamente obrigado pelos créditos vencidos, até um ano após a publicação; quanto aos demais, a partir da data de cada vencimento. Como regra, no trespasse, o adquirente sucede o alienante nas obrigações decorrentes de todos os contratos, com exceção daqueles de caráter pessoal, isto é, os que tenham sido ajustados levando-se em consideração não propriamente o estabelecimento de empresa, mas a pessoa do trespassante. O código proíbe, ainda — e desde que as partes não tenham disposto de modo contrário —, que o alienante concorra com o adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência do estabelecimento, mas esse prazo pode ser encurtado ou razoavelmente elastecido entre quem compra e quem vende.
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1.O autor é Juiz Federal do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.O conceito de empresa está mais bem explicado na monografia do autor "Dano Moral da Pessoa Jurídica", publicada no Brasil(Revistas LTr e Justiça & Cidadania) e na Itália( Rivista Diritto & Diritti, disponível em http://www.diritto.it/), registrada junto ao Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.




Ações;Dividendos;Art.475-J do CPC.
zé geraldo


Natureza Jurídica das Ações de Capital Social.


A 2ª Turma do STJ decidiu no REsp.nº 1.136.370/RS, relatado em 18/2/2010 pelo ministro Massami Uyeda(foto), que o acionista investidor tem direito aos dividendos correspondentes aos lucros do empreendimento na proporção das ações que detiver na sociedade e a partir do momento em que integraliza o capital, exatamente como se dá com os demais acionistas, já que suas ações são de mesma natureza e geram os mesmos direitos e as mesmas obrigações. Para a doutrina majoritária, ação é uma espécie de valor mobiliário, uma fração ideal do capital subscrito na sociedade, que investe o seu titular de certos direitos e de certas obrigações. Para outros, é um título de participação que investe o titular, ou possuidor, da qualidade de acionista e, por conta disso, da condição de titular de alguns direitos pessoais e patrimoniais, como o de votar e ser votado e de auferir dividendos em caso de sucesso do empreendimento. Tavares Borba, por exemplo, filia-se à corrente que entende tratar-se a ação de um título de crédito impróprio, um tipo de bem móvel. Seria título de crédito impróprio por não possuir todas as características dos títulos de crédito, como a cartularidade( o título se materializa por um documento), a literalidade (o valor do título é o que nele se contém)e a autonomia (constitui ele próprio uma obrigação legalmente exigível). As ações, explica, não dependem de cartularidade para existir, tanto que as nominativas nem mesmo precisam de um documento para existir validamente e as escriturais nem certificação reclamam. As ações não teriam, ainda, literalidade, pois os direitos de seu titular têm raiz no estatuto da sociedade emissora das ações e nas decisões assembleares que fixam a forma de sua distribuição ao mercado e os preços originais. Por fim, ações não seriam títulos de crédito porque lhes falta autonomia, já que são meramente instrumentos representativos de um direito de crédito contra a sociedade, mas não são elas que criam esses direitos, propriamente.A participação do acionista nas decisões da sociedade é medida pela totalidade das ações que possui.Toda ação tem um valor nominal, que é a quantia expressa em dinheiro. O valor nominal da ação é, em regra — mas não necessariamente —, fixado pelo estatuto da sociedade empresária, e corresponde ao preço mínimo a ser pago pelo adquirente, ou subscritor. Uma ação não deixa de ter valor nominal apenas porque esse preço mínimo não está fixado no estatuto. O valor nominal de uma ação é o preço mínimo obtido com a divisão do total do capital social pelo número de ações disponíveis. Não se confunde com preço de emissão. Uma ação pode ter um valor nominal(preço mínimo) e ser negociada por outro mais substancioso(preço de emissão). O art.13 da Lei das Sociedades por Ações proíbe emissão de ações por valor abaixo do preço mínimo, se esse valor foi fixado no estatuto social. A quebra dessa regra nulifica a emissão das ações e acarreta responsabilidade civil e penal aos emitentes, seja por crime de dano(Fábio Ulhoa Coelho), seja por fraude(Modesto Carvalhosa). O ministro decidiu que é devido ao novo acionista o valor distribuído aos demais com ações da mesma natureza, proporcionalmente à quantidade delas em seu nome. O termo inicial ou a obrigação do pagamento é o mesmo dos demais acionistas. Ainda segundo o ministro, a jurisprudência uniforme da Corte é no sentido de que o valor patrimonial da ação (VPA) deve ser apurado com base no balancete do mês da respectiva integralização, mas, no caso que se julgava, a decisão transitou em julgado determinando que o VPA deve ser aquele aprovado na assembleia geral ordinária imediatamente anterior ao dia do pagamento dos dividendos, não sendo possível modificar a coisa julgada.

Cumprimento de Sentença(Art.475-J do CPC).

 Em relação ao cumprimento de sentença advindo com a L. nº 11.232/2005, que instituiu o processo sincrético no CPC, o STJ firmou o entendimento de que não há necessidade de se intimar o devedor para iniciar a contagem dos 15 dias para o pagamento de que trata o art.475-J do CPC porque o devedor foi regularmente intimado da sentença e sabe, desde aí, que tem prazo para pagar, sponte propria, sob pena de acréscimo de multa de 10% sobre o valor da condenação, já que se trata de valor certo que não demanda liquidação de sentença, perícia ou outro trabalho técnico de elevada complexidade. Por último, o relator também entendeu plenamente cabível a condenação em honorários de advogado, mesmo no cumprimento de sentença, nos casos em que o devedor optou por aguardar a citação e o início da execução forçada, em vez de apresentar-se voluntariamente para a quitação do débito. O acórdão apoiou-se nos seguintes Precedentes:AgRg no Ag 1.210.428-RS, DJe 25/11/2009; AgRg no REsp 1.134.345-RS, DJe 9/11/2009; AgRg no Ag 1.108.238-RS, DJe 30/6/2009, e AgRg no Ag 1.174.877-RS, DJe 6/11/2009.

Doutrina

Não há consenso entre os juízes trabalhistas sobre a aplicabilidade do art.475-J do CPC ao processo do trabalho. Em artigo doutrinário que publiquei na Itália(Rivista Diritto & Diritti), disse:

Introdução

Anda em moda dizer-se que o direito processual civil alcançou a sua maioridade e é, agora, entre outras modernices, um “processo sincrético”. Querem com isso dizer que já não há mais um processo híbrido, composto de uma exaustiva fase cognitiva e outra executiva, permeadas por um hiato de dois anos no curso do qual o vencedor tinha, necessariamente, de propor ação para executar a sentença, sob pena de nenhum proveito tirar da condenação que lhe foi favorável. Isso, que anunciam como produto do gênio criativo do legislador processual civil, é posse mansa e pacífica no direito do trabalho há quase setenta anos. De fato, a execução de sentença nunca foi fase autônoma em relação ao conhecimento no processo do trabalho, tanto que ali nunca se aplicou a prescrição intercorrente. Exatamente porque o próprio juiz do trabalho pode provocar de ofício o início da execução, o TST chegou a editar súmula proibindo a aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho. Na omissão do juiz, contudo, não havia e não há prazo peremptório para que as partes liquidem o julgado.A L.nº 11.232/2005 acrescentou a letra “j” ao art.475 do CPC e, agora, depois de transitada em julgado a sentença condenatória, o vencido deve, em quinze dias, apresentar-se sponte propria para pagar o débito. Se não o fizer, e preferir aguardar o início da execução, por requerimento do credor, responderá pelo débito com acréscimo de 10%(dez por cento). De agora em diante, portanto, ou o devedor se apresenta espontaneamente para o cumprimento da sentença, pagando o que deve, ou aguarda o modo clássico de execução, pela iniciativa do credor, já então com acréscimo de dez por cento sobre o débito original.Alguns juízes do trabalho têm adotado a nova disciplina, mas a iniciativa nem sempre é vista com bons olhos. O TST, por algumas de suas Turmas, já se posicionou contra. A doutrina é incipiente e a jurisprudência ainda não sossegou entendimento sobre o ponto.

“Sincretismo” e Cumprimento de sentença.

Sincretismo”, do latim synkretismus, é um termo dúbio, introduzido na filosofia por Brucker, para significar “conciliação mal feita de doutrinas filosóficas completamente diferentes”. Por ele designa-se, amiúde, toda conciliação mal feita, ou pontos de vista de conciliação indesejável. Também pode significar sobreposição ou fusão de crenças religiosas de origens diversas. No sentido que emprestam às reformas do direito processual civil, “sincretismo” significa a fusão de dois ou mais momentos ou etapas do processo, com a intenção deliberada de enxugar o mecanismo de entrega da jurisdição para torná-la mais ágil, efetiva, simples e econômica. O “sincretismo” do processo civil começou com a antecipação de tutela inscrita no art.273 do CPC (antecipação do provimento do mérito diante de prova inequívoca e verossimilhança da alegação) e com a sentença mandamental executiva (tutela específica da obrigação ou providência judicial que assegure o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação), constantes do art.461, ambas tratadas na L. nº 8.952, de 13/12/94, prosseguiu, em 2002, com a obrigação de entrega de coisa certa, prevista no art.461-A do CPC, e alcançou o apogeu com a L.nº 11.232, em 2005,quando unificou as fases cognitivas e executória para permitir a execução da sentença nos próprios autos da cognição, sem que se possa falar, a partir daí, na necessidade de uma nova ação para executar a obrigação de pagar contida na sentença. No plano teórico, a possibilidade de executar a sentença na mesma relação originária provocou a revisão do conceito de sentença, que deixa de ser, como estava no §1º do art.162 do CPC, “ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”, para ler-se, agora, “ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269”. Quis-se, com isso, dizer que sentença é ato do juiz que se caracteriza pelo seu conteúdo, e não apenas que tenha aptidão para por fim ao processo, por isso a remissão aos arts. 267 e 269 do CPC, que tratam, respectivamente, da extinção do processo, com ou sem resolução do mérito.A execução da sentença, no processo do trabalho, sempre foi vista como mero desdobramento da fase de conhecimento. Nada mais natural. Só dizer o direito não basta. É preciso torná-lo efetivo, e isso, antes de ser do interesse do credor, ou da conveniência do devedor, é obrigação do juiz. Por isso o art.878 da CLT diz que a execução pode ser promovida por qualquer interessado, ou de ofício, pelo próprio juiz. Embora assim o diga, a CLT não estipula prazo para que se liquide a sentença, e se as partes agirem com relapsia, ou o juiz fizer ouvidos moucos ao que está na lei, é possível que o processo durma por anos a fio numa prateleira empoeirada, a prejuízo de todos; da máquina estatal, que terá de manter sob vigilante custódia esse morto-vivo; do empregado, que não recebe o que a sentença lhe deu, e em especial do próprio devedor, que terá de suportar os juros e a correção monetária dessa inércia inadmissível, para a qual ele também concorreu.Os que se opõem à aplicação do art.475-J do CPC ao processo do trabalho argumentam, como regra, que a legislação processual civil comum, e a extravagante, somente se aplicam ao processo do trabalho na omissão da CLT e, mesmo assim, se forem compatíveis com os princípios que a norteiam, e esses princípios são claramente tuitivos. Para esses opositores, a CLT não é omissa sobre cumprimento de sentença, e isso por si seria suficiente para arredar o art.475-J do CPC. Dizem, ainda, que as disposições desse artigo são incompatíveis com a celeridade desejada no processo do trabalho, e com isso pensam ter enterrado a esperança de que a norma civilista fizesse algum sucesso por aqui. Afirmam, também — e isso é verdade —, que o processo de execução trabalhista é regido pela L. nº 6.830/80, que regula o executivo fiscal, e essa lei não prevê multa por não cumprimento voluntário da sentença. E, por remate, insinuam que a aplicação do art.475-J do CPC criaria situações jurídicas intransponíveis no processo do trabalho.

A “mens legis” do art.475-J do CPC.

Como dito, até a edição da L. nº 11.232/2005, o credor no processo civil tinha de propor uma ação dentro da outra para haver o que era seu. Passada em julgado a decisão condenatória, tinha até dois anos para cobrar o crédito, por meio de uma outra ação, proposta nos próprios autos, sob pena de decair do direito. No processo do trabalho, viu-se, isso nunca foi necessário porque a execução não era e não é considerada fase apartada da cognição, e até mesmo o juiz pode iniciá-la, à revelia das partes. O propósito do art.475-J do CPC é provocar o pagamento voluntário da obrigação contida na sentença, ao mesmo tempo em que procura desestimular a mora do devedor e encurtar o tempo de duração do processo, como corolário de uma garantia constitucional. O art.769 da CLT diz que, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com suas normas. O processo judiciário na CLT é completamente omisso sobre cumprimento de sentença. O art.882 da CLT diz que o executado que não pagar a quantia reclamada poderá garantir a execução nomeando bens ou depositando a quantia reclamada, atualizada e acrescida das despesas processuais. O art.475-J funciona como desestimulador da mora patronal e garantia do direito constitucional à razoável duração do processo, um dos desdobramentos do devido processo legal.Outro argumento que tenho ouvido a favor dessa aparente incompatibilidade entre o art.475-J do CPC e o art.880 da CLT diz com o prazo do devedor para pagar o débito ou discutir a execução. O art.880 da CLT diz que, requerida a execução, o juiz mandará citar o réu para que pague em 48h, ou garanta a execução, sob pena de penhora. O art.475-J do CPC diz que se o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, ou já fixada em liquidação, não o fizer em quinze dias do trânsito em julgado, pagará o débito com acréscimo de dez por cento. Ou seja: enquanto o art.880 da CLT fixa prazo de 48h, o art.475-J do CPC fala em quinze dias. Em tese, essa regra, por franquear ao devedor prazo de quinze dias para pagamento, contra as quarenta e oito horas da CLT, seria menos benéfica para o credor trabalhista, e inaplicável ao processo do trabalho, portanto.O que os críticos desprezam, é a evidência de que o art.880 da CLT dá ao executado prazo de 48h para garantia do juízo, pelo depósito ou pela penhora, como forma de discutir a execução. Não se trata de prazo para pagamento da obrigação contida na sentença. O art.475-J do CPC diz que o devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação deve efetuar o pagamento em quinze dias, sob pena de sofrer acréscimo de 10%. Há uma diferença fundamental: o prazo exíguo de 48h de que trata o art.880 da CLT é para a garantia de uma execução que pode se eternizar porque pode ser atacada por embargos do devedor, embargos de terceiro, embargos de declaração, agravo de petição e por agravo de instrumento e, na hipótese de erro de procedimento, por reclamação correicional e, em hipóteses excepcionais, até mesmo por mandado de segurança. O prazo do art.475-J do CPC é para que o devedor se apresente e pague o débito, solva a obrigação contida na sentença e ponha fim ao processo. O benefício direto do credor trabalhista é muito maior quando aguarda o cumprimento voluntário da sentença, em quinze dias, com a possibilidade de acréscimo de dez por cento, na relutância do devedor, que quando opta pela execução na forma do art.880 da CLT, com todos os percalços de todos muito conhecidos. O fato de o art.880 da CLT não prever o acréscimo de dez por cento de que trata o art.475-J do CPC apenas mostra a omissão da CLT sobre o ponto, e não a sua opção por um outro critério coercitivo que baste para afastar a nova regra processual.Argumenta-se, ainda, que a aplicação do art.475-J do CPC violaria o art.882 da CLT, que permite ao devedor discutir a execução oferecendo bens à penhora ou garantindo o juízo depositando a quantia atualizada do débito, além dos juros e demais despesas processuais. Trata-se de uma falsa premissa, pois a indicação de bens, atualmente, é prerrogativa do credor, e não mais do devedor.Os críticos dizem, por fim, que a L. nº 6.830/80, que regula o executivo fiscal e rege o processo de execução trabalhista, não prevê qualquer multa para o caso de o devedor não cumprir voluntariamente a sentença. Têm razão. Mas o fato de não haver tal previsão não significa que o art.475-J não deva ser aplicado, mesmo por que a própria CLT já diz que o direito comum é fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo em que ela se omitir e no que for com ela compatível. A lei do executivo fiscal é de 1980; o art.475-J do CPC veio com a L. nº 11.232, de 2005. Obviamente, a L. nº 6.830/80 não poderia ter previsto uma regra que só ingressou no sistema vinte e cinco anos depois. Por outro lado, a evidência de que a L. nº 6.830/80 não prevê multa e, portanto, não poderia se aplicar ao processo do trabalho apenas reforça o argumento de que o art.475-J do CPC se aplica ao processo do trabalho porque a CLT é omissa e não há nenhuma incompatibilidade, já que estimula o cumprimento voluntário da obrigação e concorre, na sua medida, para a desejada celeridade processual. A L. nº 6.830/80 também não contém várias inovações trazidas pela reforma processual, mas são usualmente aplicadas à execução trabalhista sem que contra isso se levante a mesma crítica.

Compatibilização entre o art.475-J do CPC e o art.880 da CLT.

Argumenta-se, de último, que a aplicação do art.475-J do CPC criaria “dificuldades intransponíveis” no processo do trabalho. Não vejo quais. O art.475-J fala em “devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou fixada em liquidação”. Se se fala em “devedor condenado”, é intuitivo que há trânsito em julgado. Se a quantia foi fixada na própria sentença, como no caso dos procedimentos sumaríssimos, ou na liquidação, após o trânsito em julgado, não há dúvida de quem seja o devedor, o que deve (an debeatur) e de quanto deve (quantum debeatur). Conquanto o artigo fale em aplicação da multa “a requerimento do credor”, penso que possa ser aplicada de ofício, com base no próprio art.880 da CLT, no ponto em que diz que o juiz mandará expedir mandado pelo modo e com as cominações (por ele) estabelecidas. O momento da sua fixação — se na sentença ou na fase de execução — não é, até onde entendo, uma dificuldade. A cominação de pagamento espontâneo, após o trânsito, sob pena de pagar com multa, deve constar da decisão porque é cláusula penal e compõe, no dizer de Dinamarco, um dos capítulos da sentença, mas pode ser estipulada a qualquer tempo pelo juiz, ainda que apenas na fase de execução.Penso que não seja possível exigir a multa do art.475-J do CPC na execução provisória, porque se exige trânsito em julgado. Será sempre cabível no procedimento sumaríssimo porque a condenação é líquida e o devedor sabe, desde o trânsito em julgado da decisão condenatória, o valor do débito.O termo a quo para a exigência da multa é o trânsito em julgado. Não há necessidade de intimação expressa do executado para que pague sponte sua, sob pena de multa, porque isso já está na lei. A intimação, quando necessária, poderá ser feita na pessoa do advogado, especialmente se detém poderes especiais. Na justiça do trabalho não se pede citação in faciem (pessoal) do devedor.
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1. O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil pela UFF/Escola Judicial do TRT/RJ, Membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista de Niterói, Presidente do Conselho Consultivo da Escola de Capacitação de Funcionários do TRT/RJ, professor, examinador de concursos da Magistratura do Trabalho,autor de livros e artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália(http://www.diritto.it/).
2.Os fundamentos doutrinários e legais do texto leem-se em:
  • CLT, arts.769,841,§1º;878
  • E. nº 114/TST.
  • CARRION,Valentin.Comentários à CLT, Saraiva, São Paulo, 31ª ed.,2006, p.84.
  • CPC, art.475-J.
  • ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes,São Paulo,2003,4ª ed,p.903.
  • CF/88, art.5º,XXVIII.
  • L. nº 9.957/2000.
  • DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. Malheiros Editores, 2007.