sexta-feira, 5 de março de 2010



Incompetência Material da Justiça do Trabalho para Julgamento de Ações de Pensionamento Mensal Vitalício por Acidente do Trabalho.
Zé Geraldo


São frequentes da Justiça do Trabalho, especialmente após a Emenda Constitucional nº 45/2004, ações em que o empregado, tendo sofrido acidente do trabalho, reclama do patrão, ou do ex-patrão, danos materiais pelo que teve de despender com próteses, remédios, exames clínicos ou laboratoriais e tratamento médico, lucros cessantes, pelo que razoavelmente deixou de ganhar durante o tempo do acidente e da convalescença, danos morais pela dor íntima causada pelo acidente, danos estéticos, se do acidente restou sequela permanente que diminua a arquitetura de suas formas externas e, em especial, pensionamento mensal vitalício pela redução da capacidade laborativa, consistente na diferença entre o que ganharia se estivesse trabalhando e o que passará a receber da autarquia previdenciária pelo benefício acidentário.Até onde o meu raciocínio me leva, mesmo após o advento da EC nº 45/2004, falta ao juiz do trabalho competência material para conhecer e julgar ações em que se busca esse pensionamento mensal. Ninguém desconhece que, por força do art.7º, XXVIII da CF/88, o trabalhador vítima do infortúnio no trabalho pode exigir do empregador indenização civil pelo risco da atividade porque é seu direito constitucional desfrutar de um ambiente hígido de trabalho, mas pode, ao mesmo tempo, cumular ação acidentária na qual reclame do INSS reparação a título de pensão mensal vitalícia correspondente à redução da capacidade laborativa que lhe fica como sequela do acidente do trabalho. O valor devido pela autarquia previdenciária não pode ser deduzido do valor buscado frente ao patrão porque tem outra natureza jurídica. Enquanto o valor pedido à sociedade empresária funda-se na responsabilidade civil do empregador, objetiva nos casos do art.925 do Código Civil, e subjetiva nos demais, e decorre do contrato de trabalho, da relação de emprego ou da relação de trabalho equiparável à relação de emprego, a responsabilidade civil do INSS é sempre objetiva, daí por que a indenização acidentária não depende de aferição de culpa. Enquanto a reparação de direito comum, reclamada diretamente do patrão, tem natureza indenizatória, a reparação acidentária, reclamada diretamente do INSS, tem natureza de pensionamento pela redução compulsória da capacidade de trabalho. O caráter dessa indenização acidentária é alimentar, compensatório, pago direta e exclusivamente pelo INSS sobre um fundo compulsório formado pelas contribuições do seguro obrigatório de acidentes do trabalho, custeado tanto pelo empregado quanto pelo patrão. As causas e os sujeitos passivos das obrigações de pagar são distintos. Ao dispor sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, o art.129 da L.nº 8.213/91 fixou a competência da Justiça Estadual para as lides acidentárias que decorrem do seguro infortunístico. Ainda que conexas ao contrato de trabalho, essas lides não têm a sociedade empresária como rés, pois são aforadas pelo segurado em face da Previdência Social . É o que está na doutrina, desta forma: "A competência acidentária, agora, está dividida entre a Justiça Ordinária e a Justiça do Trabalho. É da Justiça do Trabalho quando o pleito de indenização material (art.7º,XXVIII/CF) ou por dano moral(art.5º,X) for dirigido ao empregador, que tenha, por dolo ou culpa sido o responsável pelo evento — culpa subjetiva.É da Justiça Comum Estadual, quando os pedidos de indenização, auxílio-doença, auxílio-acidentário, aposentadoria por invalidez e outros benefícios legais forem dirigidos ao órgão previdenciário — culpa objetiva”. Não tendo, pois, o juiz do trabalho competência material para decidir lide acidentária, o pedido deduzido com essa natureza é juridicamente impossível. O juiz do trabalho deve extinguir o processo, quanto a esse ponto, sem resolução do mérito. Quanto aos demais pedidos, não há dúvida sobre a competência material e o processo pode seguir o seu curso.
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1.O autor é Juiz do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ, da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista de Niterói, Presidente do Conselho Consultivo da Escola de Capacitação de Funcionários do TRT do Rio de Janeiro, Especialista em Processo Civil pela PUC/SP e mestrando em Direito Processual Civil pela UFF/Ematra, autor de livros jurídicos e de dezenas de artigos publicados no Brasil e na Itália(http://www.diritto.it/).
2.Os fundamentos jurídicos deste artigo estão em:

  • Cód.Civil, art.927, parágrafo único.

  • CF/88, arts.7º e 225.

  • Súmula nº 229 do STF.

  • OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. Ed. LTr,Rio de Janeiro,2006, 2ª edição, p.77.

  • AMORIM,Sebastião Luiz; OLIVEIRA, José de. Responsabilidade Civil:Acidente do Trabalho: indenização acidentária do Direito Comum; Comentários, Jurisprudência, Casuística; Interpretação Jurisprudencial.São Paulo: Saraiva, 2001, p.434.

  • SAAD, Teresinha Lorena Pohlman. Responsabilidade Civil da Empresa nos Acidentes do Trabalho.LTr, São Paulo, 3ª edição,p.241.
  • CPC, art.267,VI.


Trabalho Voluntário,Piedoso e Religioso e “Venire Contra Factum Proprium”.
zé geraldo



A expressão latina "nemo potest venire contra factum proprium" significa, grosso modo, que ninguém pode vir contra o próprio fato, isto é, contrariar,empenhar o compromisso de agir de determinada forma, gerar na contraparte expectativa legítima e,sem razão relevante, desdizer-se, frustrando a boa-fé objetiva do outro contratante. Essa regra ética, própria do comércio jurídico, se aplica, às inteiras, ao contrato de trabalho, desde o momento de seu ajuste até a sua efetiva terminação.



Conceito de "trabalho voluntário".

São comuns no foro trabalhista ações pretendendo o reconhecimento jurídico do vínculo de emprego de voluntários ou de pessoas ligadas a entidades filantrópicas, beneficentes, religiosas ou assistenciais por vínculo social ou religioso. O trabalho voluntário refoge ao âmbito do direito do trabalho. Entende-se por voluntário todo trabalho não remunerado prestado por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada sem fins lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social. Já que ausente a onerosidade(remuneração), a lei não estipula se no trabalho voluntário deve ou não haver subordinação jurídica. O trabalho voluntário é prestado às políticas públicas ou sociais em atenção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, assim como a pessoas portadoras de necessidades especiais, à criança e ao adolescente carentes e aos programas de assistência educacional ou de saúde gratuitos. Não gera vínculo de emprego nem acarreta qualquer obrigação de natureza trabalhista, tributária ou previdenciária ao tomador desses serviços. As despesas que o prestador do serviço voluntário comprovadamente tiver contraído no desempenho do serviço voluntário devem ser ressarcidas, o que evidentemente não tem natureza jurídica de salário. Como é um tipo de relação jurídica que permite espaço para a fraude, é preciso não esquecer os fundamentos do direito do trabalho. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito, ou expresso,que corresponde à relação de emprego. Sendo expresso, pode ser escrito ou verbal. Se tácito, as partes efetivamente não combinam o contrato, mas comportam-se de tal modo na execução de suas cláusulas espontâneas que a lei, a priori, diz que aquele comportamento deve ser interpretado como um autêntico contrato de trabalho. Depura-se o conceito de contrato de trabalho do exame dos conceitos de empregador e de empregado. Empregador é a empresa(atividade), individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços. Empregado é a pessoa física que presta serviços salariados e não eventuais juridicamente subordinados a outra pessoa física, formal ou jurídica.

Requisitos do "trabalho voluntário".

Para que o trabalho voluntário não abra portas à fraude, a lei exige assinatura de um termo de adesão entre a entidade pública ou privada e o prestador do serviço voluntário. Esse termo não configura contrato de trabalho. Abstraídas as hipóteses de engodo, o trabalho tipicamente voluntário não se iguala à prestação de serviços subordinados porque é gratuito, não exige subordinação jurídica e é sempre a prazo certo.O prestador do serviço voluntário sabe, desde o início, que a prestação do serviço voluntário não gera vínculo de emprego porque isso consta da própria lei do serviço voluntário, já que as condições em que é prestado em nada se assemelham àquelas de um empregado em sentido estrito. A despeito disso, ações trabalhistas pretendendo o reconhecimento de vínculo na hipótese de trabalho voluntário são comuns. É sobremodo evidente que o sedizente empregado, ao residir em juízo reclamando vínculo de emprego e indenização do “contrato”, pela CLT, contraria o fato próprio(“venire contra factum proprium”), pois quebra a confiança legítima da entidade contratante de que, tendo se comportado na assinatura do termo de adesão de trabalho voluntário com absoluta transparência, poderia razoavelmente esperar que o prestador do serviço voluntário não a demandasse posteriormente, pondo sob suspeição justamente todas aquelas certezas jurídicas que, com correttezza, deu ao tomador do trabalho voluntário no momento da adesão. Dito de outra forma, a conduta inicial do ente tomador do trabalho voluntário em nenhum momento transcendeu à pessoa da entidade contratante para despertar no prestador do trabalho voluntário qualquer expectativa legítima que não fosse a de prestar um trabalho voluntário, inteiramente gratuito, benemerente, de relevante importância social, de prazo certo e sem qualquer subordinação jurídica. Por mais que a conduta do tomador se revestisse de certo poder de ingerência nas atividades do prestador, o trabalhador voluntário não poderia, validamente, supor que estivesse sendo contratado como empregado.

Padres, ministros religiosos e professadores de fé.


Da mesma forma, contradizem o fato próprio aquelas ações trabalhistas em que ministros religiosos e outros professadores de fé recorrem ao judiciário pretendendo transmudar o vínculo de fé em de emprego, e, com isso, embolsar vultosas quantias à custa das igrejas a que pertenceram e das quais se afastaram pelo esmorecimento da fé ou por questões internas, quase sempre de foro íntimo. Para o direito, igrejas são pessoas jurídicas de direito privado. Vistas em si mesmas, são comunidades morais sem fins lucrativos, estruturadas sobre normas de conduta religiosa de origem divina, que supõem regular a relação entre os homens e Deus. A natureza jurídica da atividade religiosa é de estado eclesiástico. O vínculo que liga o ministro religioso e sua congregação é de ordem moral e espiritual. Se a atividade desenvolvida pelo religioso for essencialmente espiritual, desenvolvida dentro ou fora da congregação, mas sempre imbuídas do espírito de fé, a regulação desse trabalho se faz pelo direito canônico, e não pelo direito do trabalho, porque essa atividade decorre do espírito de seita ou de voto, e não de subordinação jurídica. Esse vínculo dirige-se à assistência espiritual e moral para a divulgação da fé. Não pode ser apreçado, ainda que o religioso receba com habitualidade certos valores mensais. Tais valores destinam-se à sua assistência e subsistência e, também, para livrá-lo das inquietações mortais para que melhor possa se dedicar à sua profissão de fé. Não têm a natureza retributiva e sinalagmática do salário, em sentido estrito. O trabalhador laico, que não tem vínculo moral com a congregação, como por exemplo o sacristão, o zelador, o carpinteiro, os faxineiros, organistas, decoradores, campanários etc, e que não presta serviços em caráter devotionis causa, pode celebrar contrato de trabalho com a igreja se satisfizer os pressupostos dos arts.2º e 3º da CLT. Sacerdotes, freiras, diáconos e ministros religiosos que, a par das suas funções evanglélicas, prestem serviços em condições especiais como professores, enfermeiros, instrutores de educação física, de culinária,de encadernação e de ilustração, técnicos em informática, revisores e redatores, entre outras, poderão vir a ter seus vínculos de emprego reconhecidos se provarem que essas atividades não guardam qualquer relação com a vida monástica ou religiosa.Configura óbvia quebra da confiança legítima da igreja a ação trabalhista em que o religioso, deslembrado dos votos de fé, pede o reconhecimento jurídico do vínculo de emprego. Ao professar o voto, o religioso sabe, desde o início, que se liga à sua comunidade moral por um vínculo de fé, e não de emprego. A igreja, quando o aceita entre os seus, não se comporta de modo a despertar na confiança desse membro a impressão de que está sendo aceito como empregado, ainda que dentre as suas funções correlatas à de professar a fé sejam incluídos a divulgação e o comércio de assinaturas de revistas, anúncios de publicidade e venda de porta em porta de revistas e outros artigos religiosos.
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1.O autor é Juiz do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ, Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense — UFF — e Escola da Magistratura do Trabalho do Rio de Janeiro — EMATRA—, Membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, Presidente do Conselho Consultivo da Escola de Capacitação de Funcionários do TRT/ RJ — ESACS —, membro do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista de Niterói — ESAT —, professor universitário e de cursos preparatórios para concursos públicos, membro de bancas examinadoras de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, autor de livros jurídicos, autor de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália(http://www.diritto.i/).

2.O artigo "Trabalho Voluntário, Piedoso e Religioso e “Venire contra Factum Proprium” foi publicado originariamente na Itália e localiza-se em FONSECA, José Geraldo, Trabalho Voluntário, Piedoso e Religioso e “Venire contra Factum Proprium!, Diritto &Diritti — Rivista elettronica, publicata su internet all’indirizzo http://www.diritto.it, ISSN 11278579,gennaio 2010, disponibile in http://www.diritto.it/materiali/straniero/dir_brasiliano/index.html, acesso em 13/1/2010.2.

3. Foto do autor em arquivo pessoal by Rafaela.
4.As ilustrações do texto acham-se em http://tinypic.com/view.php?pic=29q1mkz&s ehttp://biaemariogama.sites.uol.com.br/anjinhos/anjinho3.gife
5. Os fundamentos jurídicos em que o artigo se fia leem-se em:
  • CLT,arts.442 e 443.
  • Disciplinado pela L.nº 9.608, de 18/2/98.
  • CC/2002,art.44,IV.
  • BARROS, Alice Monteiro de.Curso de Direito do Trabalho.Ed.RT,São Paulo,2ª ed.,2006,p.438 e 441.
  • GALANTINO,Luísa. Diritto del Lavoro. Torino: Giappiachelli Editore, 2000,p.14.



Xixi com hora marcada...
zé geraldo



Ao julgar recurso de revista em que era parte uma empresa de telemarketing, a 7ª Turma do TST decidiu, em acórdão relatado pela juíza convocada Maria Doralice Novaes, que a limitação das saídas dos empregados para irem ao banheiro não configura, por si, dano moral. O empregado provou no primeiro grau que os operadores tinham de pedir autorização à chefia para irem ao banheiro, que isso o constrangia perante os colegas e que era advertido se demorasse a retomar o posto de trabalho. Mesmo assim, a juíza entendeu que essa política interna visava impedir que um grande número de empregados deixasse os postos de trabalho ao mesmo tempo e comprometesse a atividade normal da sociedade empresária. Para a juíza, não havia controle das necessidades fisiológicas, mas simples exigência de que a ida ao banheiro fosse precedida de um pedido de autorização. Essa decisão está na contramão do entendimento de várias Turmas do próprio TST e da maioria dos Tribunais Regionais do Trabalho, especialmente o do Rio de Janeiro. Francesco Carnelutti disse que “quando o Direito se esquece da sociedade, a sociedade se esquece do Direito”. Talvez esse seja um caso clássico em que em nome do formalismo do direito o direito se tenha esquecido de que o corpo humano infelizmente ainda não pode ser reduzido a uma equação matemática nem possa ser estipulado que as necessidades fisiológicas do trabalhador devam ser satisfeitas das sete às quatro, com uma hora de intervalo. Admitir que necessidades fisiológicas possam ser satisfeitas em horas marcadas pela chefia é tão inútil quanto discutir a importância do ar no vácuo ou tão exato quanto admitir que a água ferve a cem graus centígrados, exatamente como um ângulo reto...Isso me lembra uma música do Legião Urbana(Geração Coca-cola), cantada pelo finado Renato Russo, que diz assim:

"Quando nascemos fomos programados
a receber o que vocês
nos empurraram com os enlatados
dos U.S.A., de nove às seis.
Desde pequenos nós comemos lixo
comercial e industrial.
Mas agora chegou nossa vez,
vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês!
Somos os filhos da revolução,
somos burgueses sem religião,
somos o futuro da nação,
geração Coca-Cola.
Depois de 20 anos na escola
não é difícil aprender
todas as manhas do seu jogo sujo,
não é assim que tem que ser!
Vamos fazer nosso dever de casa
e aí então vocês vão ver
suas crianças derrubando reis,
fazer comédia no cinema com as suas leis...
Somos os filhos da revolução.
Somos burgueses sem religião.
Somos o futuro da nação,
geração Coca-Cola
geração Coca-Cola
geração Coca-Cola".

Bem, depois, quando “fizerem comédia no cinema com as nossas leis”, não se esqueçam de que eu, como juiz do trabalho, fui o primeiro a espernear. Li não sei onde que não é a vida que tem de se amoldar ao Direito; é o Direito que tem de se formatar à vida.Pensando bem, acho que li tudo errado...
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1.O autor é Juiz do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ, Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense — UFF — e Escola da Magistratura do Trabalho do Rio de Janeiro — EMATRA—, Membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, Presidente do Conselho Consultivo da Escola de Capacitação de Funcionários do TRT/ RJ — ESACS —, membro do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista de Niterói — ESAT —, professor universitário e de cursos preparatórios para concursos públicos, membro de bancas examinadoras de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, autor de livros jurídicos, autor de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália (www.diritto.it), conferencista, palestrante, redator de propaganda, fotógrafo e poeta.
2.A ilustração do texto está em http://www.escudosonline.com/america_sul/Brasil/rio_janeiro/mascote_botafogo.jpg




Contrato de trabalho com Deus...
zé geraldo



Etimologicamente, “agnóstico” vem do inglês “agnostic”, que deriva do adjetivo grego “ágnõstos”, que significa “ignorante, incognoscível”, e deriva do verbo “agnoeîn”, “não saber, “ignorar”. O termo “agnostic” foi cunhado por Thomas Huxley, nos Collete essays. Huxley foi um biólogo inglês que viveu entre 1825 e 1895. Claro, até aqui, que agnóstico é aquele que desconhece, que não sabe certas coisas, como os mistérios de Deus, do Universo e da Vida, ad esempio. Não é um herege, um excomungado.Por princípio, sou agnóstico e laico. Vou de logo explicando por que me declaro “agnóstico” e “laico” antes que algum engraçadinho encabece um movimento para me assar numa fogueira em praça pública, como se estivéssemos nos tempos da Santa Inquisição ou na Idade Média, ou comece no Congresso Nacional uma Comissão Parlamentar de Inquérito que, como todos sabem, acabará sempre em pizza, com a agravante de que, neste caso, eu serei o carvão desse forno “democrático” e quase sempre inútil, porque alinhavado na calada da noite e sempre com o óbvio intuito de proteger o acusado, porque os “acusadores” são tão culpados quanto aqueles que pretendem assar. Na roça, a gente conhece isso como “boi-de-piranha”. “Boi-de-piranha” é aquela rês magricela, raquítica, tão doente e desnutrida que fatalmente não conseguirá chegar ao fim da viagem. Tendo a boiada de atravessar um rio que não se sabe se está infestado de piranha, os vaqueiros empurram a coitadinha pra atravessar primeiro. Se chegar na outra margem, sã e salva, então a tropa toda pode atravessar sem medo que ninguém corre perigo. Se a pobrezinha for devorada pelas piranhas, então o melhor é seguir adiante e escolher outro trecho do rio. Assim é a CPI. Os caras escolhem o sujeito que já está todo manchado de lama e arrumam pra ele um artigo qualquer do regimento interno que exige CPI. O infeliz é lançado ao rio de lama e, se conseguir escapar, arquiva-se a CPI e não se fala mais nisso. Vamos a uma pizzaria comemorar mais essa importante demonstração de democracia e civilidade. A boiada pode atravessar o lago Paranoá e se bamburrar do dinheiro público...

Laico” é aquele que não pertence ao clero nem a uma ordem religiosa. É um leigo, hostil à influência ou ao controle de qualquer igreja e do clero na vida intelectual e moral das instituições e dos serviços públicos. Numa palavra: o que é independente em relação ao clero e a igreja e, em sentido amplo, a toda influência religiosa, qualquer que seja a sua orientação.

Embora não sejam frequentes, de quando em quando me deparo com ações trabalhistas em que essas pessoas físicas, ligadas às suas entidades morais por vínculos de fé, querem transmudar esses laços sagrados em vínculos de emprego, e embolsar vultosas quantias à custa das igrejas a que pertenceram, e das quais se afastaram pelo esmorecimento da fé ou por questões internas, quase sempre de foro íntimo. Para o direito, igrejas são pessoas jurídicas de direito privado. Vistas em si mesmas, são comunidades morais sem fins lucrativos, estruturadas sobre normas de conduta religiosa de origem divina que supõem regular a relação entre os homens e Deus. A natureza jurídica da atividade religiosa é de estado eclesiástico. O vínculo que liga o ministro religioso e sua congregação é de ordem moral e espiritual. Se a atividade desenvolvida pelo religioso for essencialmente espiritual, desenvolvida dentro ou fora da congregação, mas sempre imbuídas do espírito de fé, a regulação desse trabalho se faz pelo direito canônico, e não pelo direito do trabalho, porque essa atividade decorre do espírito de seita ou de voto, e não de subordinação jurídica. Esse vínculo dirige-se à assistência espiritual e moral para a divulgação da fé. Não pode ser apreçado, ainda que o religioso receba com habitualidade certos valores mensais. Tais valores destinam-se à sua assistência e subsistência e, também, para livrá-lo das inquietações mortais para que melhor possa se dedicar à sua profissão de fé. Não têm a natureza retributiva e sinalagmática do salário, em sentido estrito.

O trabalhador laico, que não tem vínculo moral com a congregação,como por exemplo o sacristão, o zelador, o carpinteiro, os faxineiros, organistas, decoradores, campanários etc, e que não presta serviços em caráter devotionis causa, pode celebrar contrato de trabalho com a igreja se satisfizer os pressupostos dos arts.2º e 3º da CLT. Sacerdotes, freiras, diáconos e ministros religiosos que, a par das suas funções evanglélicas, prestem serviços em condições especiais como professores, enfermeiros, instrutores de educação física, de culinária,de encadernação e de ilustração, técnicos em informática, revisores e redatores, entre outras, poderão vir a ter seus vínculos de emprego reconhecidos se provarem que essas atividades não guardam qualquer relação com a vida monástica ou religiosa.

Configura óbvia quebra da confiança legítima da igreja("venire contra factum proprium")a ação trabalhista em que o religioso, deslembrado dos votos de fé, pede o reconhecimento jurídico do vínculo de emprego. Ao professar o voto, o religioso sabe, desde o início, que se liga à sua comunidade moral por um vínculo de fé, e não de emprego. A igreja, quando o aceita entre os seus, não se comporta de modo a despertar na confiança desse membro a impressão de que está sendo aceito como empregado, ainda que dentre as suas funções correlatas à de professar a fé sejam incluídos a divulgação e o comércio de assinaturas de revistas, anúncios de publicidade e venda de porta em porta de revistas e outros artigos religiosos. Trocando em miúdos, esses professadores de fé querem, na verdade, que o juiz declare, por sentença, que firmaram “contrato de trabalho com Deus”.Como Deus — pelo menos nas audiências a que presidi —, foi revel(ou melhor, estava presente porque é onipresente, mas não se manifestou a ponto de me motivar a decidir de modo diferente), e eu não pude colher dEle o indispensável depoimento pessoal, julguei o pedido juridicamente impossível e extingui o processo, sem resolução do mérito. Não sei se acertei ou errei. Ainda não fui chamado a me explicar, nem pela Corregedoria nem pelo Nazareno. E, pra ser sincero, tenho mais medo da Corregedoria.Com o Salvador, acho que o meu balanço é favorável...
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1. O autor é Juiz do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ, Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense — UFF — e Escola da Magistratura do Trabalho do Rio de Janeiro — EMATRA—, Membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, Presidente do Conselho Consultivo da Escola de Capacitação de Funcionários do TRT/ RJ — ESACS —, membro do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista de Niterói — ESAT —, professor universitário e de cursos preparatórios para concursos públicos, membro de bancas examinadoras de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, autor de livros jurídicos, autor de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália(www.diritto.i),palestrante, conferencista, redator de propaganda, fotógrafo e poeta.
2. A ilustração do texto está em http://fabianapaula.files.wordpress.com/2009/09/padre-pio-lendo.jpg





E=mc² ou de como a Bocarra do Fisco se parece com um Buraco Negro ou de Como o STJ Acabou com a Farra Tributária e Entupiu o Buraco.
Zé Geraldo



A expressão "buraco negro" foi cunhada em 1968 pelo físico americano John Archibald Wheeler, em artigo científico chamado The Known and the Unknown, publicado no American Scholar e no American Scientist. Na astrofísica, a expressão “buraco negro” indica um objeto com campo gravitacional tão intenso que a velocidade de escape excede a velocidade da luz, isto é, 299.792,458 km/segundo, equivalente a 1.079.252.848,8 km/hora. Nem mesmo a luz pode escapar do seu interior, por isso o termo "negro", que é a cor de um objeto que não emite nem reflete luz, aparentando invisibilidade. Em tese, um "buraco negro" pode ter qualquer tamanho, microscópico ou astronômico, e com três características:massa, movimento angular(também chamado “spin”) e carga elétrica. "Buraco negro" é um lugar de onde nem mesmo a luz pode escapar. A fronteira de um buraco negro é chamado de horizonte do evento (Efeito Hawking). O buraco negro é um fenômeno do universo que suga qualquer luz, planeta, estrela, cometa ou meteoro que chegue ao seu alcance. Ele aumenta de tamanho graças à energia desses objetos porque anéis de átomos giram em torno do seu núcleo. Como todos esses objetos, inclusive a luz, são constituídos de átomos, graças à descomunal pressão no interior de seu núcelo o buraco negro “espreme” esses objetos e faz com que os átomos se juntem. Com a massa de corpos celestes compactada em seu "estômago", os anéis do buraco negro girarão mais rapidamente, gerando energia interna que aumenta a sua força de sucção.Aumentando a sua força de sucção, o buraco aumenta de tamanho e, com mais força, pode sugar mais astros ao seu redor, e se tornar ainda maior e mais forte e, com isso, sugar astros ainda maiores, numa escala assustadora que nunca terá fim.
Conheço um monte de pessoas que se parecem muito com os tais "buracos negros". Com não têm luz própria, sugam a luz dos outros até definhá-las por completo, e enguli-las. Com a alma do sujeito espremida no interior do seu estômago, essas pessoas adquirem mais energia, ficam mais fortes e podem, assim, engulir mais pessoas, algumas até mais distantes, ampliando, com isso, o seu círculo de devastação moral, numa escala assustadora e inquietante. Essas pessoas são clinicamente definidas pela OMS como sociopatas, isto é, "doentes sociais". Não chegam a ser psicopatas, mas estão bem próximas disso. Segundo as estatísticas, quatro entre dez pessoas são sociopatas. É possível que você seja uma, ou esteja sentada ao lado de uma no trabalho, no metrô, na escola. Na sua própria mesa de jantar. Lamento dizer-lhe isto: segundo os médicos, o sociopata não tem cura. Nasceu assim, vai morrer assim. Exatamente como o Fisco que, quanto mais engole e devora os nossos combalidos bolsos, mais faminto fica, e mais aumenta de tamanho para, em seguida, engolir mais gente, mais classes sociais, mas fortunas e mais dinheiro, numa escala assustadora que nunca terá fim. Assim como é possível que, em tese, o buraco negro aumente tanto de tamanho que possa engulir uma galáxia inteira, o Fisco pode engordar tanto, sugando tanto os bolsos alheios que a vida civil será por ele totalmente engolida, e a existência humano-contribuinte será impossível na face desta degradada terra brasilis...

Mas há ainda uma pífia esperança. Decidindo um recurso repetitivo em que se discutia o direito a diferenças de alíquota do ICMS para a construção civil, a 1ª Turma do STJ, por voto do ministro  Luix Fux(foto)  pacificou o entendimento de que as sociedades empresárias de construção civil que adiquirem, em outros Estados da Federação, material de construção civil a ser utilizado exclusivamente em seus empreendimentos executados em outros Estados, onde a alíquota do ICMS é maior do que a aquela cobrada nos Estados onde a mercadoria foi adquirida, não são obrigadas a pagar a diferença de alíquota de ICMS entre aquela cobrada no Estado de onde a mercadoria se originou e esta, cobrada pelo Estado onde a mercadoria será utilizada em construção. A tese do ministro de que as empresas de construção civil não estão obrigadas a recolher a tal diferença de ICMS porque já recolhem o ISQN(Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), que é da competência exclusiva dos município, e nisso já estaria quitada eventual diferença de tributo, é rigorosamente exata. Agora, pergunto ao Fisco: e se fosse o contrário? Isto é: e se a empresa de construção civil comprasse cimento, areia, argila, ferro, cal, madeira, prego e tintas num Estado onde a alíquota do ICMS fosse maior do que aquela cobrada pelo Estado onde a mercadoria seria utilizada? O Fisco, justo como diz que é, devolveria ao empresário a diferença entre as duas taxas de ICMS, isto é, o que ele pagou a mais, no Estado de origem? Não! Não me respondam. Detesto gente óbvia!
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1. O autor é juiz do trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ e não entende patavina de Astronáutica, Astrofísica ou Física Quântica.Por sinal, detesta tudo isso.
2. Os termos ténicos e os conceitos científicos constantes do texto foram buscados em Wikipédia, a encliclopédia virtual gratuita disponível na Web.
3. Uma leitura séria dos “buracos negros” pode ser feita em:

  • Karas,V.;Vokrouhlicky,D.;Relativistic precession of the orbit or a star near a supermassive black hole; Astrophysical Journal, Part 1 (ISSN 0004-637X), vol. 422, no. 1, p. 208-218 - adsabs.harvard.edu.

  • K. J. Orford; Evidence for the free precession of a neutron star; Astrophysics and Space Science; Volume 129, Number 1 / January, 1987; DOI 10.1007/BF00717868.

  • Black hole physics: basic concepts and new developments, de Valeriĭ Pavlovich Frolov,Igorʹ Dmitrievich Novikov.

  • Modeling black hole evaporation, de Alessandro Fabbri,José Navarro-Salas.

  • Black holes: theory and observation: proceedings of the 179th W.E. Heraeus, de Friedrich W. Hehl,Claus Kiefer,Ralph J. K. Metzler.

  • An introduction to black holes, information and the string theory revolution, de Leonard Susskind,James Lindesay.

  • Stephen Hawkin, Uma breve história do Tempo.

  • Albert Einstein, Espaço e Tempo.
ilustrações
(Fux):http://images.google.com/imgres?imgurl=http://www.stj.jus.br/internet_docs/ministros/fotos/luiz_fux.jpg
(Einstein): http://viverepensar.files.wordpress.com/2008/09/einstein_lingua.jpg
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(Foto do autor):Arquivo pessoal by Rafaela.





Salário é impenhorável.
zé geraldo


O boletim eletrônico “Migalhas” de hoje diz que o juiz federal da 1ª Vara de Jaú, São Paulo, declarou inconstitucional o art.649,IV, do CPC, no ponto em que diz que o salário é impenhorável. Trocando em miúdos, ao dizer que o artigo que protege o salário é inconstitucional, o magistrado disse, por via transversa, que o salário não tem mais proteção legal e pode ser penhorado. Não li a sentença, nem o boletim a transcreve, mas se o juiz disse o que o boletim disse que disse, errou duas vezes. O salário é impenhorável, e continuará sendo mesmo a contragosto do juiz. O que não é é intangível, isto é, não pode ser penhorado mas pode ser alcançado e diminuído em várias situações expressamente definidas em lei. O art.649 do CPC diz que são absolutamente impenhoráveis

  • (I)os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

  • (II) os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

  • (III)os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

  • (IV) os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;

  • (V) os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;

  • (VI)o seguro de vida;

  • (VII) os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

  • (VIII) a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

  • (IX) os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

  • (X) até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança e;

  • (XI) os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.
Por sua vez, o art.650 diz que podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia. Fique claro, até aqui, que a menos que o STF declare a inconstitucionalidade do art.649, IV, do CPC (mas não o fez, nem o fará), o salário continua impenhorável.

Conceito de salário

Salário vem de salarium, sal, em latim. Em batalha, os legionários romanos eram pagos com sal. Além de sua inegável utilidade como condimento, o sal tem a propriedade de conservar os alimentos por mais tempo, daí a sua necessidade nos campos de batalha e o prestígio que desfrutava entre os soldados, a ponto de ser transformado em moeda. O salário, ao lado da subordinação jurídica, é essencial para a configuração do vínculo de emprego. Nenhum trabalho piedoso, benemérito, assistencial ou religioso configurará vínculo de emprego exatamente pela ausência de salário, isto é, onerosidade. O art. 457 da CLT diz que salário é a contraprestação devida e paga pelo empregador ao empregado, pelos serviços que lhe são prestados. Sabe-se que o contrato de trabalho, entre outras características, é comutativo. Essa comutatividade não é absoluta, isto é, nem sempre ao feixe de obrigações de uma parte corresponde um feixe de iguais obrigações da outra. Na execução do contrato de trabalho pode haver ônus maiores para uma parte em relação à outra e, com isso, se desmancha a necessidade de uma troca absoluta de obrigações entre o empregado e o patrão. Isso é da essência do contrato de trabalho, que resume uma obrigação de trato continuado, ou sucessivo. Esse conceito legal de salário comporta observações importantíssimas. Em primeiro lugar, o art.457 da CLT diz que salário é a contraprestação dos serviços prestados pelo empregado. Não diz que salário é a contraprestação dos serviços efetivamente prestados pelo empregado. Com isso, deixa implícito que pode haver salário sem trabalho. A regra é a de que só haja salário se houver trabalho, mas, como a comutatividade do contrato de trabalho não é absoluta, e sim ideal, pode haver situações expressamente definidas em lei em que, mesmo não havendo contraprestação do trabalho, poderá haver exigência de pagamento de salário. Assim, por exemplo, há pagamento de salário em férias, nos descansos semanais remunerados, no afastamento do empregado por doença nos primeiros 15 dias de inação, nas faltas abonadas por atestado médico, nas licenças e afastamentos definidos em lei etc. Se houvesse comutatividade absoluta no contrato de trabalho, só poderia haver exigência de pagamento de salário se tivesse havido contraprestação do trabalho. Em suma: a comutatividade própria do contrato de trabalho se afere em função da relação de emprego. O empregado pode estar prestando serviços ao empregado mesmo sem estar efetivamente trabalhando. Presta serviços ao empregado sem estar efetivamente trabalhando, por exemplo, quando tenha sido posto de sobreaviso, à disposição do patrão, aguardando ordens. A segunda observação importante que se extrai do conceito de salário do art.457 consolidado é que se o salário é a contraprestação devida e paga pelo empregador ao empregado pelos serviços que lhe (ao empregador) são prestados, só é salário aquela quantia paga diretamente pelo patrão. Os ganhos indiretos, como gorjetas dadas espontaneamente pela clientela, não são salários, na acepção do art.457 da CLT, embora componham a remuneração do empregado.

Elementos do salário

Há, na CLT, dois artigos específicos sobre os elementos integrantes do salário. O art.457 diz que se “compreendem na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber“. Ao dizer que as gorjetas se compreendem na remuneração do empregado a CLT já diz que gorjeta não é salário, mas um dos itens da remuneração. Ao dizer que se compreendem na remuneração do empregado, além do salário, também as gorjetas, a CLT está dizendo que salário é diferente de remuneração, tanto que as gorjetas integram a remuneração, além do salário que é pago diretamente pelo patrão. O art. 458 diz que além do pagamento em dinheiro se compreendem no salário, para todos os efeitos de lei, a alimentação, a habitação, o vestuário ou as utilidades (prestações in natura) que a empresa fornecer habitualmente ao empregado, por força do costume ou do contrato. Em resumo:

  • salário é a parte da remuneração devida ao empregado e paga diretamente pelo patrão, como contraprestação dos serviços.

  • não são salários as retribuições feitas por terceiros, ainda que decorrentes dos serviços prestados pelos empregados na constância da execução do contrato de trabalho (por exemplo, gorjetas).

  • comissões, gratificações ajustadas, diárias de viagem que ultrapassem a metade do salário-dia do empregado, percentagens e abonos pagos pelo empregador integram o salário do empregado.

  • não são salários e, pois, a ele (ao salário) não se integram as ajudas de custo e as diárias (exceto se estas NÃO excederem a 50% do salário-dia do empregado), o salário-família (a sua natureza é previdenciária) e o vale-transporte.

  • são salário a alimentação, a habitação, os vestuários e qualquer outra prestação in natura que o empregador fornecer, de modo habitual e gratuito, por força da lei, contrato, convenção ou costume. Se a empresa integra o PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador (L.nº 6.321/76), a alimentação que fornecer ao empregado não será considerada salário-utilidade. Da mesma forma, NÃO SERÃO salário-utilidade os vestuários, os equipamentos, o imóvel, o automóvel e qualquer outra comodidade ou benefício que o patrão fornecer ao empregado PARA o trabalho, isto é, para permitir ou facilitar a prestação do trabalho. Se o benefício for fornecido PELO trabalho, isto é, como uma forma de distinção, de gratificação pela excelência, presteza, complexidade ou qualidade do trabalho, poderão vir a ser considerados utilidades. Também NÃO SÃO salários os valores pagos pelo empregador, ao empregado, como forma de custeio de educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros (matrícula, mensalidade, livros e outros materiais didáticos), o transporte destinado ao deslocamento casa-trabalho em percurso não servido por transporte público, a assistência médico-hospitalar e odontológica prestada diretamente ou por meio de seguro-saúde, os valores pagos a título de seguro de vida e de acidentes pessoais e os valores pagos a título de previdência privada.

Tipos de salário

Salário mínimo

Embora o conceito de salário mínimo varie de legislação para legislação atendendo a circunstâncias culturais, sociais, geográficas, econômicas e religiosas, o seu sentido é universal: salário mínimo é a contraprestação mínima paga obrigatoriamente pelo empregador ao empregado. Ainda que seja fixado impositivamente pela lei, ou negociado entre os partícipes da relação de emprego, salário mínimo será, sempre, um limite abaixo do qual o contrato não pode dispor. Segundo SUSSEKIND, o salário mínimo pode ser fixado para os trabalhadores em geral (neste caso, será salário mínimo, propriamente dito, ou salário-suficiência) ou para os trabalhadores de certa profissão, função ou categoria profissional (neste caso, será salário profissional). Na construção do conceito de salário mínimo e, claro, na estipulação, por lei, do seu valor em dinheiro, deve ser levado em conta que o salário mínimo, sendo a menor quantia que determinado trabalhador deve receber para prover ao seu sustento, e ao dos seus, deve ser suficiente para permitir ao trabalhador custear, para si a para a sua família, às necessidades materiais e espirituais básicas. Segundo o art.6º da L.nº 8.542/92 e art.43 da L.nº 8.880/94, “salário mínimo é a contraprestação mínima devida e paga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, por jornada normal de trabalho, capaz de satisfazer, em qualquer região do País, às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social“.


Salário básico

Salário básico é, sempre, o salário fixo ajustado para ser pago por unidade de tempo ou de obra. Não se confunde com outros componentes da massa salarial do trabalhador. Se o empregado recebe salário misto, isto é, parte fixa e parte variável em função do volume de comissões sobre as vendas, embora a sua remuneração seja composta do salário (parte fixa) + comissões sobre vendas (parte variável), salário básico será, sempre, a parte fixa do ganho. As outras parcelas, embora tenham evidente natureza salarial (§1º do art.457 da CLT), não compõem o salário fixo (básico ou normal), mas a remuneração, gama remuneratória ou massa salarial.

Salário fixo

Salário fixo ou salário garantido  é a parte devida e paga diretamente pelo empregador. Embora se fale em salário fixo, o valor desse salário pode variar para mais ou para menos, segundo o volume do serviço produzido. O que se diz fixo não é a quantidade de salário, mas a obrigação de seu pagamento. O que se diz fixa é a obrigação do empregador de pagar ao empregado o salário fixamente combinado, ainda que esse salário fixo seja composto de uma parte realmente fixa (inalterável ao sabor das alterações no volume de vendas) e outra modificável em função do volume da produção. Quando se fala em salário fixo, embora o seu volume possa variar mês por mês em função da maior ou menor produtividade do empregado, a lei assegura ao empregado, sempre, o salário mínimo legal caso a sua produção não lhe permita auferir sequer esse patamar. O salário fixo pode ser pago apenas em dinheiro ou em dinheiro + utilidades. Se for pago em dinheiro e utilidades a parte em dinheiro não poderá ser inferior a 30%.

Salário complessivo

Salário complessivo ou completivo é aquele que se paga numa quantia fixa, determinada, com a intenção de quitar dois ou mais títulos que deveriam ser pagos de modo individualizado. A doutrina diz que o salário complessivo é uma “retribuição fixada à forfait para atender, englobadamente, ao pagamento do salário e outras prestações devidas pelo empregador ao empregado“. Segundo AMAURI MASCARO NASCIMENTO, referido por ARNALDO SUSSKIND, “é um salário a priori, para evitar o cálculo a posteriori do que deve ser realmente pago por vários títulos, especialmente adicionais“. Salário complessivo é diferente de salário à forfait. No salário complessivo, o patrão fixa e paga ao empregado, antecipadamente, um valor certo, por meio do qual pretende dar por quitado um ou vários títulos decorrentes da prestação do serviço que, em regra, deveriam ser pagos um a um. A lei trabalhista proíbe expressamente esse tipo de salário. Já salário à forfait é a estipulação de uma comissão calculada em quantia fixa para pagamento dos serviços prestados pelo empregado e outra para o repouso remunerado e adicionais correspondentes. Neste caso, o salário à forfait é válido desde que a quantia fixa estipulada antecipadamente para cobrir este ou aquele direito do empregado efetivamente corresponda, no mínimo, ao que o empregado ganharia se fosse remunerado de outra forma, a posteriori, isto é, depois de prestado o serviço, segundo a regra de direito aplicável ao pagamento daquele tipo de salário. Exemplo típico de salário à forfait válido é o praticado por empresas de transporte rodoviário. Em regra, o trabalho externo não comporta pagamento de horas extraordinárias porque não há controle por parte do patrão e não se pode prever, exatamente, quando o empregado está à disposição da empresa e quando não está. Nesses casos, é costume a empresa atender a reivindicações das entidades sindicais, em convenções ou acordos coletivos, substituindo a remuneração das horas extras, se fossem apuradas, por um percentual fixo sobre o salário da categoria, calculado por quilômetro rodado. Não há qualquer irregularidade nesse tipo de pacto, desde que o valor pago por quilômetro rodado seja igual ou superior ao que esse mesmo empregado ganharia se, em vez de comissão por quilômetro rodado, recebesse o equivalente em horas extras. Não é possível saber, de antemão, se um determinado tipo de pagamento é ou não complessivo. Somente elaborando os dois cálculos, em cada caso concreto, se pode chegar a uma conclusão sobre se o critério de salário à forfait foi ou não prejudicial ao trabalhador.

Salário-utilidade

A alimentação consta, expressamente, do art.458 da CLT como um dos itens que, em regra, constituem salário-utilidade, seja fornecida diretamente pelo patrão, seja custeado pela empresa por meio de tíquete-refeição ou convênios similares. Bebidas alcoólicas, drogas nocivas e cigarro jamais podem ser considerados utilidades. Melhor diria que se trata de inutilidades... É importante lembrar que a refeição só será considerada salário-utilidade se fornecida de modo gratuito e habitual e desde que a empresa não integre o PAT. Por fim, também a habitação poderá a vir configurar salário-utilidade (CLT,art.458) se fornecida pelo patrão como parcela do salário ajustado. Da mesma forma que a refeição, a habituação só será salário-utilidade se fornecida a título oneroso, como parte efetiva do salário global do empregado. A moradia cedida a título gratuito não tipifica utilidade e é considerada instrumento de trabalho (para o trabalho e não pelo trabalho). O art.47,II da Lei nº 8.245/91(que regula, apenas, a locação urbana)prevê que o empregador poderá retomar o imóvel cedido ao empregado a título de moradia, na extinção do contrato de trabalho.Se o uso do imóvel é parte do contrato de trabalho, como parcela do salário, findo o contrato finda, também, o direito do empregado ao uso do imóvel. Se o empregado tiver de cumprir aviso prévio, poderá usar e fruir do imóvel durante esse prazo. Se o empregador ajuizar ação de despejo, a sentença que julgar favoravelmente o pedido fixará prazo de 30 dias para que o ex-empregado deixe a casa (L.nº 8.245/91, art.53,§5º). A apelação (recurso interposto da sentença que julgar procedentes os pedidos da empresa) não tem efeito suspensivo(L.nº 8.245/91,art.42). A retomada do imóvel no meio rural é regulada pela L.nº 5.889/73.O prazo de desocupação da residência, pelo empregado rural, é, também, de 30 dias, contados do fim do contrato de trabalho. Duas regras devem ser observadas para a caracterização da utilidade como salário: 

  • a utilidade deve ser fornecida de modo habitual;

  • a utilidade deve ser oferecida sem qualquer custo para o empregado.
Em regra, salário deve ser pago em dinheiro. Mas a lei brasileira permite que parte do salário também seja paga em dinheiro e parte em utilidades, desde que a parte paga em utilidade não seja superior, em cada caso, aos percentuais das parcelas componentes do salário mínimo . Ou seja: a parte paga em dinheiro NÃO PODE ser inferior a 30% do valor do salário mínimo (CLT,art.82). Esses componentes estão expressamente definidos nos arts.81 e 82 da CLT. O art. 458 da CLT diz que além do pagamento em dinheiro, compreendem-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações “in natura “que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas.Os valores atribuídos às prestações “in natura “deverão ser justos e razoáveis, não podendo exceder, em cada caso, os dos percentuais das parcelas componentes do salário mínimo (arts.81 e 82).Não serão considerados salários os vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local de trabalho, para a prestação dos respectivos serviços. A habitação e alimentação fornecidas como salário-utilidade deverão atender aos fins a que se destinam e não poderão exceder, respectivamente, a 25% e 20% do salário contratual (L.nº 8.860/94).Tratando-se de habitação coletiva, o valor do salário-utilidade a ela correspondente será obtido mediante a divisão do justo valor da habitação pelo número de co-ocupantes, vedada, em qualquer hipótese, a utilização da mesma unidade residencial por mais de uma família. O salário-utilidade pode decorrer de imposição legal, contratual, normativa ou costumeira. O salário-utilidade decorre de imposição legal quando a própria lei, independentemente da vontade das partes, define, antecipadamente, em quê circunstâncias determinada utilidade paga ao empregado constitui salário. A utilidade também pode ter natureza de salário se o contrato de trabalho ajustado entre o empregado e o empregador assim o diz, ou se, por força desse contrato, a utilidade é fornecida habitualmente, e sem custo para o empregado, tipificando-se salário-utilidade só por essas características (fornecido habitualmente,por força do contrato, e sem ônus para o empregado). A utilidade será salário se os acordos e as convenções coletivos lhe emprestarem essa natureza. Por costume, a utilidade torna-se salário se sempre é fornecida com essa característica, isto é, se, atendendo a peculiaridades do contrato de trabalho, ou da região onde a empresa se estabelece, a utilidade fornecida tiver essa qualidade. É nula, e reputa-se não-escrita, toda e qualquer cláusula ou convenção do empregador imposta unilateralmente ou contratada com o empregado que retire ou tente retirar, a priori, a natureza salarial de determinada prestação in natura. Há diferença entre a utilidade fornecida pelo trabalho e para o trabalho. Só é salário a utilidade fornecida ao empregado pelo trabalho, isto é, pelas qualidades intrínsecas ou especiais do empregado ou do tipo de atividade que exerce na empresa. A utilidade fornecida para o trabalho não é considerada salário porque não se destina a oferecer um plus ao empregado, mas a permitir que o trabalho possa ser desenvolvido.Ou seja: a lei (CLT,art.458,§2º) só considera salário a utilidade fornecida ao empregado para consumo fora do local de trabalho. Qualquer utilidade fornecida no local de trabalho será instrumento de trabalho, isto é, meio fornecido pelo patrão ao empregado para tornar o trabalho possível. Não será salário-utilidade. São casos mais comuns de salário-utilidade o vestuário, o transporte, a alimentação e a habitação. Para que o vestuário seja considerado salário-utilidade é preciso que tenha sido fornecido ao empregado como contraprestação do trabalho, isto é, que tenha tido a clara intenção de substituir parte do salário do empregado. Se o vestuário é fornecido para a execução do trabalho, como, por exemplo, em lojas de griffe, para promover a qualidade dos produtos da loja, não será salário. Neste caso, serão considerados uniformes, ou instrumentos de trabalho, ainda que se trate de griffe. O transporte não é salário se o empregado é transportado em veículo de propriedade da empresa (CLT,art.458). Neste caso, é considerado benefício dado para o trabalho, ou seja, para que o trabalho possa ser realizado a contento. Será, no entanto, salário, se o veículo é de uso exclusivo do empregado e de sua família, especialmente fora do ambiente de trabalho ( fins de semana, férias, viagens etc).  O vale-transporte não tem natureza salarial. É um direito de qualquer empregado(L.nº7.418/85,art.1º e D.95.247/87,art.2º),seja aquele de que fala o art.3º da CLT ou o doméstico,o temporário,o empregado em domicílio,o empregado do subempreiteiro em relação a ele e ao empreiteiro principal, o atleta profissional e o servidor público da União, dos Estados e das suas autarquias, qualquer que seja o regime jurídico. Não se incorpora à remuneração para nenhum efeito e não constitui base de incidência de contribuição previdenciária, do imposto de renda ou do FGTS(L.nº7.418,de 16/12/85,art.2º).Sua dação tipifica uma obrigação de fazer, de caráter fungível, que se resolve em perdas e danos em prol do trabalhador(novo Código Civil, arts.249 e 389 e CPC,art.633),apurando-se o quantum na forma do art.4º,parágrafo único da L.nº7.418/85.É ilegal substituí-lo por dinheiro ou por qualquer outra forma de pagamento(D.95.247,de 17/11/87,art.5º),mas se a empresa o faz, tal não gera direito ao empregado à repetição do indébito, presumindo-se quitado o benefício desde que, efetivamente, o valor antecipado em dinheiro cubra o custo do transporte de que se serve o empregado. Trata-se de um benefício antecipado pelo patrão ao empregado para ser utilizado em todas as formas de transporte coletivo público urbano ou intermunicipal e interestadual semelhante ao urbano, operado pelo poder público ou por particulares, mediante delegação. Não é devido ao empregado que se serve de veículos seletivos ou especiais(D.nº95.247/87,art.3º,parágrafo único) ou que disponha de condução própria, nem se o empregador fornece meios adequados ao empregado para deslocamento casa/trabalho, ou, ainda, se os 6% do salário básico do empregado forem iguais ou superiores ao total gasto em passagens(D.nº95.247/87,art.9º,I e II). O custeio do vale-transporte é despesa operacional dedutível do imposto de renda pela pessoa jurídica(L.nº7.418/85,art.3º). Detendo, o empregador, sobre o contrato de trabalho, poderes diretivo e disciplinar, cabe a ele exigir do empregado no curso do contrato,por escrito, declaração de que o vale-transporte não é necessário ao seu traslado casa/trabalho(D.nº95.247,de 17/11/87, art.7º,I e II,§§1º e 2º),até por que a declaração falsa ou o uso indevido do vale-transporte constituem falta grave para a rescisão do contrato de trabalho(§3º do art.7º do D.nº95.247/85). A tese de que o vale-transporte não foi pago porque o empregado não o requereu na constância do contrato de trabalho apenas confirma a culpa in diligendo do patrão no trato de suas obrigações com os seus empregados e não tem nenhuma serventia processual. O art.7º,I e II do D.nº95.247/87 estipula como pressuposto do direito ao vale-transporte a declaração escrita do empregado de seu endereço residencial(art.7º,I) e dos serviços e meios de transporte mais adequados ao seu deslocamento casa/trabalho e vice-versa(art.7º,II). Por sua vez, o §1º exige atualização periódica e anual desses dados, sob pena de suspensão do benefício, o §2º exige do empregado declaração escrita de que se utilizará do vale-transporte exclusivamente para o seu efetivo deslocamento casa/trabalho e trabalho/casa e o §3º antecipa que a declaração falsa ou o uso indevido do vale-transporte constituem falta grave, ensejando rescisão contratual(CLT,art.482).Se, por lei, a empresa detém a guarda dos documentos relativos aos contratos do trabalho, exigir do empregado que prove, em juízo, ter declarado ao patrão, por escrito, a necessidade do uso do vale-transporte, é o mesmo que lhe impor o ônus da produção de prova negativa, que o Direito repudia, ou decretar a inversão equivocada do ônus da prova, denegando-lhe um direito. Aplicam-se, ao caso, os arts. 475, 476 e 477 do novo Código Civil. O patrão responde por todo o gasto do empregado com transporte que exceder a 6% do seu salário básico(sem qualquer adicional),mês a mês, com juros e correção. Se o empregado foi admitido no correr do mês, o vale-transporte deve ser calculado proporcionalmente aos dias efetivamente trabalhados. Da mesma forma, como o benefício é antecipado ao empregado para custeio de futuras despesas de traslado, o patrão pode deduzir das quantias rescisórias o valor do vale-transporte antecipado ao empregado se houver rescisão do contrato antes de utilizado o total de vales entregues ao trabalhador.

 
Auxílio-refeição

É espécie do gênero utilidade. Não configura salário se fornecida de modo inabitual (ocasional), oneroso (se o empregado contribui com o pagamento de parte do custo da refeição, não será salário-utilidade), ou por empresa integrante do PAT - Programa de Alimentação do Trabalhador (L.nº6.321/76). É preciso ver, em cada caso em concreto, se o pagamento feito pelo empregado é, de fato, compatível com o custo global da refeição fornecida. Não raras vezes ocorre, no processo, verificar-se que a empresa, para descaracterizar pelo pagamento o salário-utilidade, cobra ao empregado uma quantia ínfima, desproporcional ao custo total da refeição, apenas para justificar que não se trata de refeição cedida inteiramente de graça.

Salário-família

A natureza jurídica do salário-família é de benefício previdenciário(CF/88,art.7º,XII c/c L.8.213,de 24/7/91, art.65).Não integra a remuneração e não se sujeita ao imposto de renda. O empregador antecipa o pagamento ao empregado mas se ressarce compensando o valor despendido das outras obrigações sociais que deve ao INSS.É devido mensalmente a todo trabalhador(exceto o doméstico), segurado obrigatório da previdência social que prove mediante certidão de nascimento e caderneta de vacinação(L.nº4.266,de 3/10/63,art.4º,§2º c/c L.8.213/91,art.67 e Circular nº 745/78 do IAPAS)possuir filho de até 14 anos ou a ele equiparado,ou inválido, de qualquer idade, desde que receba rendimentos brutos de até R$360,00 por mês(E. C. nº 20,de 15/12/98).Conquanto o nomen juris seja salário, em nenhuma hipótese se aplica a regra do art.467/CLT.Empregados admitidos ou dispensados no curso do mês, exceto os avulsos, recebem salário-família proporcional aos dias efetivamente trabalhados(1/30 da quota mensal, por dia de contrato).Se os pais trabalham, e são segurados obrigatórios, ambos devem receber o salário-família. Da mesma forma, se o empregado segurado tem dois o mais empregos, recebe o salário-família em cada um deles. As empresas costumam alegar em defesas judiciais que não pagaram o benefício porque o empregado não apresentou prova da existência de filhos em condições de recebê-lo. Essas alegações não têm qualquer serventia processual e apenas atestam a culpa in diligendo do patrão. Como obrigação de fazer, de caráter fungível, incumbe à empresa a prova da não-exibição pelo empregado da documentação hábil a permitir o recebimento do benefício na constância do contrato de trabalho (CPC,art.333,II c/c CLT,arts.787 e 818 e art.4º,§2º da L. 4.266,de 3/10/63).Aplica-se, ao caso, a regra do art.1.092 do Código Civil.A jurisprudência entende que se o vínculo de emprego é reconhecido pela empresa o salário-família é devido a partir do ajuizamento da ação ou a partir do dia em que o empregado provar ter entregue ao patrão os documentos comprobatórios da existência de prole. Se o vínculo de emprego não é admitido, mas reconhecido por sentença, o salário-família é devido desde o início da relação de emprego porque, nesse caso, o empregado não tinha sequer a obrigação de apresentar ao empregador os documentos que autorizam o recebimento do benefício. A meu ver, essa distinção jurisprudencial é equívoca e desnecessária. O salário-família é devido desde o 1º mês da relação de emprego, seja ela admitida pela empresa ou reconhecida por sentença. Até 24/7/91,o salário-família correspondia a 5% do salário mínimo(L.nº4.266/63).Com o DL.nº2.351,de 7/8/87,passou a calcular-se sobre o salário mínimo de referência(DL.nº2.351/87,art.2º,§1º).O salário mínimo de referência foi extinto pelo art.5º da L.nº7.789,de 3/7/89.O art.2º da L.nº7.843,de 18/10/89, determinou que os valores expressos em salários mínimos de referência ou a ele vinculados passariam a ser calculados em BTN-Bônus do Tesouro Nacional,à base de 40 BTN para cada salário mínimo de referência. A L.nº8.177,de 1º/3/91, extinguiu o BTN a partir de 1º/2/91,com o valor de Cr$126.862.Por fim, o art.66 da L.nº8.213,de 24/7/91 declarou que o valor da cota do salário-família por filho ou equiparado, de qualquer condição, até 14 anos, ou inválido de qualquer idade, seria de Cr$1.360,00 para o segurado com remuneração mensal não superior a Cr$51.000,00(inciso I) e de Cr$170,00 para segurado com remuneração superior a Cr$51.000,00(inciso II).O art.19 da L.nº8.222,de 5/9/91, reajustou o salário-família fixado nas L.nºs.8.212 e 8.213/91(art.66,I e II c/c D. nº 611/92, art.81,“a“ e “b“)em 147,06% e,a partir daí, o salário-família passou a ser vinculado ao valor da remuneração mensal do empregado e reajustado mensalmente pela Previdência Social, na mesma proporção dos benefícios previdenciários (L. nº 8.213/91,art.134).Tratando-se de benefício previdenciário, a prescrição do direito de reclamar o salário-família é quinquenal e não bienal.(CLPS,art.109).O direito ao salário-família cessa pela morte do filho ou equiparado, a contar do mês seguinte ao do óbito e, também, quando o filho ou o equiparado completa 14 anos de idade(salvo se inválido),pela recuperação da capacidade do filho ou do equiparado inválido e pelo desemprego(D.611/92,art.86,I,II,III e IV).

Salário-maternidade

Salário-maternidade(ou licença-maternidade)é um benefício previdenciário equivalente a 180 dias (CF/88,art.7º,XVIII) de salário que o empregador antecipa à gestante e deduz dos encargos sociais devidos ao INSS .Esse benefício não depende do estado civil da mulher. Se a segurada tiver mais de um emprego, fará jus ao salário-maternidade relativo a cada emprego (D.nº611/92,art.96).Fonte de custeio do salário-maternidade são as contribuições das empresas sobre a folha de pagamento. A segurada avulsa e a empregada doméstica recebem o benefício diretamente do INSS (L.nº8.213/91,arts.71 a 73 e D.nº2.172/97).Na constância da licença-maternidade a mulher recebe salário integral e, se vencer remuneração variável, de acordo com a média dos 6 últimos meses(CLT,art.393).O FGTS é devido no período correspondente à licença-maternidade (D.nº99.684/90,art.28). Apoiada em atestado médico, a mulher grávida pode romper qualquer contrato cuja atividade prejudique a gestação(CLT,art.394).Gestante não tem estabilidade, mas garantia de emprego, da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto(ADCT da CF/88,art.10,II,”b” e E.244/TST), ainda que se trate de parto antecipado(CLT,art.392,§3º).Em consequência, não tem direito a reintegração no emprego, mas a indenização do lapso que decorre da dispensa ao termo da proteção legal. No aborto não-criminoso a licença-maternidade é reduzida a duas semanas (CLT,art.395 e D.nº611/92,art.91,§3º).Não há estabilidade nem garantia de emprego em contratos de prazo determinado, inclusive o de experiência(E.nº260/TST). Por “confirmação da gravidez”se deve entender o momento da prenhez segundo declaração médica apoiada em exames laboratoriais e laudos ultrassonográficos, e não aquele em que a mulher se dá conta da gravidez ou comunica ao patrão o seu estado gravídico (CLT,arts.375 e 391,§1º).O art.168/CLT torna obrigatório o exame médico, a expensas do empregador, na admissão, no curso do contrato de trabalho e na dispensa do empregado. Logo, se a empresa não submeteu a empregada a exame médico demissional, será de nenhuma valia jurídica afirmar no processo que não fora comunicada da sua gravidez ou que a desconhecia inteiramente. Tipifica-se, nesse caso, culpa in diligendo do patrão. A ciência do empregador sobre a prenhez da empregada é totalmente desimportante .Importa, o fato natural - a gravidez- ,que desfecha consequências jurígenas sobre o contrato de trabalho. A responsabilidade da empresa em relação à gravidez é sempre objetiva. Os benefícios do salário-maternidade e da garantia de emprego não são cumulativos. Se a empregada grávida é dispensada antes de cumprido o lapso pós-parto da licença-maternidade, fatalmente esse período se confundirá com aquele do art.10,II,”b”do ADCT da CF/88. Embora se fale em salário-maternidade, não se aplica a regra do art.467/CLT, pois a sua natureza jurídica é de benefício previdenciário. O empregador antecipa o pagamento à empregada e se ressarce compensando o valor correspondente dos demais encargos devidos à previdência. A L.nº9.029,de 13/4/95, proíbe qualquer discriminação no acesso ou na manutenção do emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade(art.1º).Constitui crime exigir do candidato a emprego que se submeta a testes, exames, perícias e laudos, ou que apresente atestado, declaração ou outro procedimento relativo à sua esterilização ou estado gravídico(art.2º).Também configura prática discriminatória e, portanto, criminosa, a adoção, pelo empregador, de medidas que estimulem ou induzam à esterilização ou ao controle de natalidade(art.2º,II,”a”e “b”). Muita vez, nem mesmo a mulher tem certeza da sua prenhez. As empresas, em regra, não cuidam de submeter empregadas a exames médicos demissionais. Para evitar a chicana, isto é, que a gestante, sabedora da proibição de sua dispensa, deixe escoar o lapso de garantia de emprego (da confirmação da gravidez até cinco meses após o parto)para ajuizar ação quando já se avizinha o seu termo e,assim, abocanhar salário sem trabalho, CARRION recomenda que “...a sentença deve deferir os salários a partir do ajuizamento da ação;perde os salários anteriores quem os pleiteia tardiamente; a lei quer a manutenção do emprego com trabalho e salários, mas não pode proteger a malícia”. A L.nº 11.770/2008 aumentou de 120 para 180 dias o prazo da licença-maternidade.

Princípios de proteção ao salário

Salário tem caráter alimentar. Por isso, deve ser protegido em face do próprio empregado, do empregador e de terceiros. É impenhorável mas não é intangível, isto é, não pode ser penhorado mas pode ser diminuído por descontos legais, contratuais, convencionais ou autorizados. A Convenção nº 95 da OIT protege expressamente o salário do trabalhador. Foi ratificada pelo Brasil. Salário tem de ser pago em dinheiro. É proibido o pagamento por meio de bônus, cupons, vales ou outra forma que não permita ao próprio trabalhador dele dispor com bem lhe aprouver ou necessitar. Pode ser pago por meio de cheque ou vale postal. A lei proíbe o truck-system, isto é, um tipo de pagamento em que o empregado é obrigado a gastar o dinheiro comprando nos armazéns ou mercados da própria empresa. Na falência ou recuperação de empresas o empregado é credor privilegiado em até 150 salários mínimos. O que exceder disso entra na falência ou na recuperação como crédito quirografário. O pagamento deve ser feito até o 5º dia útil do mês subsequente ao vencido. Deve ser sempre feito em dia útil. Retenção dolosa de salário é crime. Salário não pode ser pago totalmente em utilidades, nem em drogas nocivas, cigarro ou bebidas. O salário tem de ser pago diretamente ao empregado, e apenas em casos excepcionais pode ser pago a alguém autorizado por ele. Isso está na CLT e na Convenção nº 95 da OIT. O menor de 18 anos pode assinar recibo, mas a doutrina e a lei entendem que o recibo de quitação final na rescisão do contrato de trabalho só pode ser assinado por ele com assistência dos pais. Todo pagamento deve ser feito mediante recibo. Em regra, não se admite prova de pagamento de salário por meio de testemunhas. Depósito de salário em conta corrente tem a mesma força de recibo. A falta de pagamento de salário na rescisão do contrato impõe a sua dobra. Dobram-se, apenas, os salários, e não as parcelas que integram a remuneração, como horas extras, adicionais, prêmios etc.

Descontos legais

Como dito, o salário é impenhorável, mas não intangível. A lei permite descontos aos salários. O empregado pode ser descontado por danos causados intencionalmente ao empregador. Desconta-se o dano causado por dolo, isto é, intenção de prejudicar e, mesmo assim, se houver previsão no contrato de trabalho. Danos decorrentes da execução do serviço são riscos do empreendimento e devem ser suportados pela empresa. “Vales” são simples adiantamentos de salário e podem, obviamente, ser descontados quando do pagamento do salário mensal. A doutrina não aceita que se descontem ao salário dívidas civis ou comerciais, isto é, aquela dívida contraída pelo patrão em nome do empregado, como por exemplo quando o patrão abre, em nome próprio, mas em favor do empregado, um crediário para compra de eletrodomésticos, carros, computadores etc. Nesse caso, enquanto o contrato de trabalho estiver em vigor os descontos são naturalmente feitos pelas partes dentro da fidúcia que envolve o negócio, mas se o empregado deixa a empresa antes de quitar a dívida, o saldo devedor é considerado “dívida civil” e não pode ser reclamado na defesa do patrão. Para isso, a doutrina recomenda ação própria, na jurisdição comum. Os descontos legais permitidos ao salário são a contribuição sindical, a prestação alimentícia devida por sentença transita em julgado, ou acordo, a pena pecuniária fixada em sentença criminal, as custas judiciais de sucumbência, as dívidas do sistema financeiro habitacional, o desconto do aviso prévio quando o empregado se demite e não quer cumprir o pré-aviso, a mensalidade sindical,a multa relativa ao atleta profissional de futebol, a contribuição previdenciária, o imposto de renda, o vale-transporte(até 6%), os descontos previstos em norma coletiva, as prestações in natura, os planos de saúde ou convênios médicos, desde que autorizados pelo empregado e por ele expressamente contratados, mensalidades de grêmios, seguro de vida, colônias de férias ou clubes de recreação, cooperativas de crédito ou alimentos,desde que expressamente autorizados.
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1.O autor é juiz do trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ.
2.Os fundamentos jurídicos em que o texto se fia leem-se em:
  • CLT,art.140.
  • L.nº 605/49.
  • L.nº 3.807/60, art.25.
  • CLT,art.4º.
  • L.nº 7.418/85, art.3º.
  • SUSSEKIND, Instituições,Vol.1, 2ª edição, Ed.LTR,p.346.
  • Art.202 da CF/88, pela redação da EC nº 20/2000 e art.458,§2º, com a alteração da L.nº 10.243, de 19/6/2001.
  • CF/88, art.7º , VII.
  • CLT,art.458.
  • E.nº 91/TST.
  • Precedente normativo nº 29 da SDI do TST.
  • CLT, arts. 81,82 e 458 e Convenção nº 95/1949,art.4º.
  • Ver, também, a L.nº 10.234/2001, que alterou a redação do §2º do art.458 da CLT e excluiu, expressamente, educação, transporte ,assistência médica , hospitalar e odontológica, seguro-saúde, seguro de vida e de acidentes pessoais e previdência privada do conceito de salário-utilidade.
  • Orientação Jurisprudencial nº 246 da SEDI do TST.
  • L.nº 7.418/85 e L.nº 7.619/87.
  • VALENTIN CARRION. Comentários à CLT.Ed.RT.,16ª edição,1.993,p.80.
  • Cód.Civil,art.476.
  • E.254/TST.
  • L.n.11.770/2008.
  • E244/TST.
  • CLT,arts.439, 464, 462,§1º, 582, 487,§2º, 545 e 548.
  • L.nº 6.354/76, art.15,§1º.
  • L.nº 8.212/91.
  • D.nº 95.247/67.