sábado, 16 de janeiro de 2010



Desta vez não vou aplaudir.

zé geraldo


O finado Carlos Imperial dizia que “sem liberdade para espinafrar, nenhum elogio é válido!”. É claro que não vou espinafrar, mas exercer o meu direito de crítica. Não me canso de elogiar neste blog e nos meus julgados diários as excelentes decisões da ministra Nancy Andrighi. Desta vez, contudo, não vou aplaudi-la. Explico: no Resp nº 930.469, relatado por ela, a Terceira Turma do STJ decidiu que a competência para decidir sobre dano moral causado por uma sócia ao empregado é da justiça comum, e não da Justiça do Trabalho. Segundo ela, o empregado é empregado da empresa, isto é, da sociedade empresária, e não da sócia. Logo, se a sócia lesionou a honra do empregado, é ela quem responde, e não a sociedade. Se não há relação de emprego entre a sócia ofensora e o empregado ofendido, a competência para esse julgamento é da justiça comum estadual, e não da Justiça do Trabalho. Data venia, não é bem assim! Se a sócia não coobriga a sociedade por seus atos, gostaria que me explicassem como a empresa, isto é, a sociedade empresária, que é pessoa jurídica, poderia ofender a honra de alguém? Pelo que está no Boletim Informativo do STJ de 14/12/2009, no final de 2001, as sócias de um laboratório viram que acabara entre elas a affectio societatis, isto é, a afeição(vontade) de se associar. Assim como um casamento quando o amor acaba. Era hora de ir cada um pro seu lado. Ajuizaram ação de dissolução de sociedade e, a partir daí, seguiu-se um barraco, com ofensas públicas, registros de ocorrências policiais, guerra de liminares. Em janeiro de 2002, um empregado e outro prestador de serviço foram chamados pela sócia gerente dessa sociedade empresária para retirar de um hospital do Rio de Janeiro certos equipamentos de propriedade da empresa. A outra sócia cotista e seu advogado souberam do fato e foram ao local para impedir a ação dos empregados. Como não tiveram êxito, passaram a ofendê-los e, por fim, esse advogado, a pedido da tal sócia, registrou notícia-crime de roubo dos tais equipamentos contra esses empregados na 34ª DP de Bangu. Contra essa falsa denúncia de roubo, o empregado e o prestador de serviço ajuizaram ação de reparação por danos morais. Venceram a lide em primeira instância: a sócia e seu advogado foram condenados a pagar R$30 mil a cada um dos ofendidos. Os vencidos apelaram. O TJ do Rio de Janeiro rejeitou a preliminar de incompetência por entender que o fundamento do pedido de dano moral era o crime de falsa imputação de roubo, mas, no mérito, reduziu o valor dos danos morais. Ainda insatisfeitos, o advogado e a sócia recorreram ao STJ alegando que entre ela e o empregado há uma relação de emprego, o que afastaria a possibilidade do litisconsórcio diante da diversidade de natureza das relações jurídicas postas em conjunto na ação de julgamento e firmaria a competência da Justiça do Trabalho. A ministra Andrighi disse que entre a sócia cotista e o empregado do laboratório não havia relação de emprego, afastando, com esse argumento, a arguição de incompetência. Não teria havido, segundo disse, dano moral decorrente da relação de trabalho, já que a relação de emprego se dava entre o empregado e a sociedade empresária, pessoa jurídica distinta da de seus sócios. Ainda segundo a relatora, o fato de a agressão ter partido de uma sócia cotista é desimportante para a fixação da competência porque, naquele momento, a sócia não atuava como representante da pessoa jurídica empregadora do ofendido.

Em artigo doutrinário que publiquei na Itália(Rivista Elettronica Diritto & Diritti) e no Brasil(LTR e Revista Justiça e Cidadania), eu já disse que o conceito de empresa parece ser para o direito um desses mistérios de esfinge. Empresa não tem personalidade jurídica nem é sujeito de direito, mas objeto dele. O conceito de empresa não é jurídico, mas econômico. A ciência jurídica jamais elaborará um conceito jurídico de empresa que seja melhor ou mais exato que o econômico, ou que não se apoie inteiramente nele, e seja, portanto, desnecessário. BRUNETTI dizia que a empresa, como entidade jurídica, é uma abstração, e os “efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita”. Ao que disse, se, do lado político-econômico a empresa é uma realidade, “do jurídico é un’astrazione, porque, reconhecendo-se como organização de trabalho formada das pessoas e dos bens componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata, devendo-se na verdade ligar à pessoa do titular,o empresário”, que reúne capital, matéria prima, tecnologia e trabalho aliciado a outrem e organiza essa atividade, voltada para o mercado. Até aí, essa organização é simples complexo de bens e pessoas, mas não tem vida própria. Quando o empresário atua sobre ela e inicia a atividade que alcançará a produção desejada, a empresa propriamente dita nasce para o mundo dos fatos e para o mundo jurídico. Disso se conclui que empresa é uma atividade organizada dos meios de produção posta em ação por vontade do empresário. Desse exercício mais não se tem senão uma ideia abstrata. Desde o século XIX se intuía existirem na sociedade organizações econômicas destinadas à produção e, à frente delas, pessoas que reuniam e adaptavam recursos sociais às necessidades sociais, remunerando aqueles que emprestavam seu esforço pessoal à consecução dos seus objetivos. A essa organização dos fatores de produção a economia deu o nome de empresa, e a quem estava no seu comando, o de empresário. Esses conceitos são econômicos e jurista algum conseguiu ou conseguirá elaborar conceito jurídico de atividade organizada ou de empresário que não seja, rigorosamente, o mesmo que a economia já definiu para essas duas entidades. O que se fizer daí por diante será dizer a mesma coisa com outras palavras. Melhor desistir, como o disse Asquini. A primeira ideia de empresa surgiu no art.632 do Código francês de 1807. Ao enumerar atos de comércio, o Código francês incluiu todas as “empresas de manufatura” e as “empresas de fornecimento”. Como o conceito de empresa fiava-se na ideia de que empresa era a organização que praticava atos de comércio, o conceito de comerciante passou a ser, por derivação, o daquele que fazia da prática dos atos de comércio sua profissão habitual. Só depois o conceito de comerciante evoluiu para o de empresário e se consolidou o entendimento de que empresário é aquele que organiza e toca a empresa. Mas a empresa propriamente dita continuou sendo aquilo que os economistas idealizaram no século XIX, isto é, organização econômica destinada à produção para o mercado. A Vivante, pelo menos, se deve a honestidade de semelhar o conceito jurídico de empresa ao econômico. É dele a lição de que empresa é um organismo econômico que, sob risco próprio, põe em atividade os elementos necessários à obtenção de um produto destinado à troca . A mesma dificuldade conceitual que se abateu no estrangeiro na definição de empresa alcançou os estudos brasileiros de direito comercial. Ao enumerar os atos de comércio, o art. 19 do Regulamento nº 737, de 1850 incluiu as empresas. A partir daí, a doutrina pátria debate-se, sem êxito, na sua conceituação. REQUIÃO ensina que ao incluir as empresas entre os atos de comércio o Regulamento 737 deu ao conceito de empresa a ideia de repetição de atos de comércio, praticados profissionalmente, exatamente como estava no direito francês. O sentido que os direitos do trabalho e empresarial emprestam ao termo “empresa” é colidente, em especial quando se trata de sucessão de empregadores, falência, recuperação judicial ou extrajudicial ou da desconsideração da pessoa jurídica para fins de responsabilização dos sócios por obrigações civis, trabalhistas, previdenciárias, fiscais ou tributárias. Para os civilistas, “empresa” é a atividade econômica organizada, exercida pelo empresário, pessoa física ou jurídica, que, com intuito de lucro, reúne insumos, capital, tecnologia e trabalho para a produção de bens ou serviços para o mercado. Para o direito do trabalho, o “empregador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Enquanto o direito econômico funda o conceito de empresa na atividade negocial, o trabalhista mistura “atividade” com “tipos de empresário”(“empresa individual ou coletiva”)e, em alguns artigos, com estabelecimento, fundo de comércio e outros elementos de empresa. Para os direitos do trabalho, empresarial, tributário e econômico, empresa é categoria jurídica. O caráter tuitivo do direito do trabalho empresta à noção de empresa outro formato, tanto que a CLT ora se refere a ela como a atividade do empresário, ora como estabelecimento, ora como grupo econômico. Quando o legislador celetista diz que “empregador é a empresa”, empresta ao conceito a funcionalidade que esse ramo especializado do direito reclama, na medida em que acentua a importância do fenômeno da despersonalização da figura do empregador de modo a antecipar que nenhuma modificação da estrutura da empresa ou a alteração do seu titular será relevante para os direitos do empregado e para a sorte do contrato de trabalho, premissas, aliás, ditas, com todas as letras, nos arts.10 e 448 da CLT. Para o direito do trabalho, empresa é sociedade hierarquizada não dotada de personalidade, e que tem por objetivo realizar o bem comum da comunidade em que se insere. É essa ideia de sociedade hierarquizada que legitima, na pessoa do empresário, o direito potestativo sobre o contrato de trabalho e os poderes disciplinar e diretivo. No direito tributário, o sujeito passivo do débito é a pessoa física ou jurídica, mas de costume se desconsidera essa premissa em favor da empresa porque os princípios do direito fiscal visam legitimar o erário na coleta de dinheiro. Para os direitos empresarial e econômico, empresa é a atividade que dela deflui. Empresa é uma realidade econômica, centro de decisão capaz de adotar estratégia voltada à produção de bens e serviços, uma combinação de fatores de produção — terra, capital,trabalho — ou unidade de produção que trabalha para o mercado. O fim da empresa resulta da atuação de três fatores: dissociação entre propriedade e controle, interferência sindical e intervencionismo estatal. A dissociação entre a propriedade e controle da empresa moderna gerou o que GALBRAITH chamou de tecnoestrutura, isto é, controle e administração da empresa por técnicos, longe das mãos dos “donos”. A intervenção dos sindicatos também altera a face da empresa porque pulveriza o poder do empresário, já que os delegados, sindicais, de empresa e de pessoal, as comissões internas e os representantes dos trabalhadores participam, de uma ou de outra forma, dos órgãos de administração, da divisão de lucros, dos desígnios do negócio. Por último, como a atividade econômica é exercida sob a forma de empresa(atividade), é nela que recai a gula intervencionista estatal, impondo restrições à forma de atividade, à característica dos produtos ou serviços ou às garantias do consumidor, ou estipulando um estatuto mínimo de direitos sociais dos empregados, abaixo do qual não se pode transigir. Sendo uma realidade econômica, é natural que a empresa possa ser vista de vários modos, daí a lição tantas vezes lida de Asquini, para quem a empresa deve ser vista sob os perfis subjetivo, funcional, objetivo(ou patrimonial) e corporativo(ou institucional). Sob o perfil subjetivo, a empresa identifica-se com o empresário. Dizer que a empresa tem perfil subjetivo é fazer uso de metonímia para explicar o fato de que o empresário se insere na empresa. É sua cabeça e alma. A expressão presta-se, também, para explicar a subjetivação do patrimônio do empresário, ou como teoria tendente a superar a dissociação entre empresa e empresário. Sob o perfil funcional, a empresa se identifica à atividade empresarial e representaria um conjunto de atos tendentes a organizar os fatores da produção para a distribuição ou produção de certos bens ou serviços. A empresa seria aquela “particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo”, isto é, a atividade desenvolvida profissionalmente e organizada para a produção de bens e serviços. A empresa não é mero conjunto de atos, mas pressupõe continuidade, duração e orientação destinada à produção para o mercado. Sob o perfil objetivo ou patrimonial, a empresa se identificaria ao conjunto de bens destinado ao exercício da atividade empresarial, isto é, seria um patrimônio afetado a uma finalidade específica. Nessa óptica, o empresário opera um conjunto de bens que lhe serve de instrumento para alcançar o objetivo empresarial (produção de bens ou serviços para o mercado, com intuito de lucro). Esses bens são o objeto de sua atividade, mas não se confundem com os bens que integram seu patrimônio pessoal. Sob a óptica do estabelecimento, a empresa pertence à categoria dos objetos. Por fim, pelo perfil corporativo ou institucional, a empresa seria a instituição que reúne o empresário e seus colaboradores, “...aquela especial organização de pessoas que é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviço, seus colaboradores(...) um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum”. Isto é: “...o empresário e seus colaboradores dirigentes, empregados e operários não são apenas uma pluralidade de pessoas vinculadas entre elas por uma soma de relações individuais de trabalho, com fins individuais; formam, ao contrário, um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundam os fins individuais do empresário e de cada colaborador considerado individualmente: a consecução do melhor resultado econômico da produção”. A ideia de empresa como instituição não é pacífica. Opõe-se a ela a objeção de que o conceito de empresa como instituição pressupõe unidade de propósito e objetivos comuns, quando a prática mostra que, em regra, há permanente conflito de interesses entre dirigentes e trabalhadores. MAGANO diz que posições potencialmente conflitantes das individualidades que compõem a comunidade empresarial não obstam que, num processo dialético de superação, a empresa persiga e alcance objetivos próprios, que não se confundem com os objetivos dos diversos grupos em conflito. Em suma: o fato de existirem na empresa interesses particulares ocasionalmente em conflito não retira a evidência de que a empresa tem interesse unitário, diverso dos interesses fragmentários que compõem o seu universo de diretores, empregados e colaboradores. Por isso, entendo que, em primeiro, o TJ do Rio errou quando afastou a competência material da Justiça do Trabalho, pelo menos na questão do dano moral em relação aos empregados. Podia ter desmembrado a ação e deixado por lá apenas a ação em face do advogado. Por fim, errou, a meu ver, o STJ, quando confirmou a decisão do TJ do Rio. Enfim, é como dizem:manda quem pode, obedece quem tem juízo.Mas que é um pecado, ah, isso é!
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
ilustração
http://3.bp.blogspot.com/_84CjiblZwfw/



Dano Moral na Justiça do Trabalho


O ministro do TST Lelio Bentes Corrêa(foto)explica num vídeo o que se entende por dano moral,como se prova a agressão, qual o valor da reparação e onde reclamar a punição pela lesão.

veja o vídeo:






                                       foto
http://www.anpt.org.br/_imagens/galpres_clip_image002_0002.jpg