terça-feira, 9 de fevereiro de 2010




Será o fim da roubalheira?
zé geraldo


O Governo enviou ao Congresso projeto de lei que pretende acabar com um dos piores males da administração pública brasileira: a corrupção. O Brasil é signatário de três convenções internacionais contra a corrupção, uma da ONU, outra da OEA e outra da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico — OCDE—. O projeto responsabiliza civil e administrativamente as pessoas jurídicas que praticam atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, entre esses a corrupção, a fraude a licitações, a maquiagem de produtos ou serviços e o pagamento de propinas a servidores públicos. Além das multas, que poderão variar de 1% a 30% do faturamento bruto, o texto prevê a proibição de a empresa obter benefícios fiscais, suspensão parcial ou total das suas atividades e, nos casos mais graves, até mesmo a sua extinção compulsória. Confira o texto preliminar do projeto de lei:

PROJETO DE LEI

Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.


O CONGRESSO NACIONAL decreta:

CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa e civilmente pelos atos praticados por qualquer agente ou órgão que as represente, em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não, contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Parágrafo único. Aplica-se esta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, co-autora ou partícipe do ato ilícito.
§ 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput.
§ 2º A pessoa jurídica responderá objetivamente pelos atos ilícitos praticados em seu benefício ou interesse por qualquer de seus agentes, ainda que tenham agido sem poderes de representação ou sem autorização superior, mesmo que o ato praticado não proporcione a ela vantagem efetiva ou que eventual vantagem não a beneficie direta ou exclusivamente.
Art. 4º Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.
Art. 5º Serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, as entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, as sociedades controladas ou controladoras, as coligadas e, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas.

CAPÍTULO II
DOS ATOS LESIVOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, NACIONAL OU ESTRANGEIRA

Art. 6º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles, praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 2º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório público;
III - impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
IV - afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
V - fraudar licitação pública instaurada ou contrato dela decorrente:
a) elevando arbitrariamente os preços;
b) vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;
c) entregando uma mercadoria por outra ou prestando serviço diverso do contratado;
d) alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida ou do serviço prestado; ou
f) tornando indevidamente mais onerosa a proposta ou a execução do contrato;
VI - criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
VII - financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
VIII - utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IX - obter vantagem ou benefício indevidos de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais;
X - manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; ou
XI - deixar de pagar encargos trabalhistas ou previdenciários, decorrentes da execução de contrato celebrado com a administração pública.
§ 1º Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as empresas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro.
§ 2º Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais.
§ 3º Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em empresas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.

CAPÍTULO III
DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA


Art. 7º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos ilícitos previstos nesta Lei as seguintes sanções:
I - multa, no valor de um a trinta por cento do faturamento bruto do último exercício da pessoa jurídica, excluídos os tributos;
II - declaração de inidoneidade;
III - reparação integral do dano causado;
IV - publicação extraordinária da decisão condenatória;
V - proibição de contratar, receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público;
VI - revogação de delegação, autorização ou permissão, cassação de licença ou rescisão de contrato celebrado com a administração pública.
§ 1º As sanções serão aplicadas fundamentadamente pela autoridade competente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações.
§ 2º Na hipótese do inciso I, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais).
§ 3º Na fixação do valor da multa, deverá ser considerado o poder econômico da pessoa jurídica, seu faturamento bruto, excluídos os tributos, e a gravidade do fato.
§ 4º A declaração de inidoneidade implicará a proibição de participar de licitação, contratar e manter contratos com a administração pública pelo prazo mínimo de dois e máximo de dez anos, e valerá em âmbito nacional, aplicável aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo.
§ 5º A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da empresa ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de trinta dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.
§ 6º A proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos do Poder Público deverá ser aplicada pelo prazo mínimo de dois e máximo de dez anos.
Art. 8º A decisão que determinar a aplicação das sanções previstas nos incisos II ou V do caput do art. 7º deverá ser comunicada à Controladoria-Geral da União, para inclusão do nome da pessoa jurídica em cadastro nacional de empresas punidas pela administração pública pelo prazo previsto na condenação.
Parágrafo único. Decorrido o prazo previsto na condenação e cumpridas as demais penalidades eventualmente impostas, a pessoa jurídica poderá requerer à Controladoria-Geral da União sua retirada do cadastro nacional de empresas punidas pela administração pública.
Art. 9º Levar-se-ão em consideração na aplicação das sanções:
I - a gravidade da infração;
II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;
III - a consumação ou não da infração;
IV - o grau de lesão, ou perigo de lesão;
V - o efeito negativo produzido pela infração;
VI - a situação econômica do infrator;
VII - a cooperação na apuração das infrações, por meio de práticas como a comunicação do ato ilegal às autoridades públicas competentes antes da instauração do processo e a celeridade na prestação de informações no curso das investigações; e
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.
Art. 10. A pessoa jurídica constituída pelos administradores ou sócios de outra anteriormente condenada pela prática de atos previstos nesta Lei fica impedida de participar de licitações e de contratar com a administração pública durante o prazo de cumprimento da sanção.

CAPÍTULO IV
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO


Art. 11. A instauração e julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabe à autoridade máxima de cada órgão ou entidade da administração pública dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.
§ 1º A competência para a instauração do processo administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica poderá ser delegada.
§ 2º No âmbito do Poder Executivo Federal, a Controladoria-Geral da União terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas, bem como poderá avocar os processos instaurados por órgãos e entidades com fundamento nesta Lei, para corrigir-lhes o andamento.
Art. 12. Competem à Controladoria-Geral da União a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos previstos nesta Lei praticados contra a administração pública estrangeira, observado o disposto no art. 4º da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000.
Art. 13. O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por dois ou mais servidores estáveis.
§ 1º A comissão poderá, sempre que necessário, formular pedido judicial de busca e apreensão de livros e documentos da pessoa jurídica investigada, bem como quaisquer outras medidas judiciais cabíveis no interesse das investigações e do processamento das infrações.
§ 2º A comissão poderá, cautelarmente, propor à autoridade instauradora que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação.
§ 3º A comissão deverá concluir o processo no prazo de cento e oitenta dias, contados da data da publicação do ato que a instituir, e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas.
§ 4º O prazo previsto no § 3º poderá ser prorrogado, mediante ato fundamentado da autoridade instauradora.
Art. 14. No processo administrativo para apuração de responsabilidade, será concedido à pessoa jurídica prazo de quinze dias, para defesa, contados a partir da intimação.
Art. 15. O processo administrativo, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade instauradora, na forma do art. 11, para julgamento.
Art. 16. Após o julgamento, caso seja aplicada a sanção de reparação integral do dano, a autoridade competente, conforme o art. 11, determinará a instauração de processo específico para sua quantificação, de forma que as demais sanções poderão ser imediatamente aplicadas.
§ 1º Concluído o processo e não havendo o pagamento das multas ou a reparação do dano, a autoridade competente de cada órgão ou entidade promoverá a inscrição do nome da pessoa jurídica no Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal - CADIN, na forma da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002.
§ 2º A decisão definitiva do processo específico para quantificação do dano constituirá título executivo extrajudicial.
Art. 17. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração.



CAPÍTULO V
DA RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL


Art. 18. Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial.
Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 6o desta Lei, o Ministério Público e as pessoas jurídicas de direito público interessadas poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III - dissolução compulsória da pessoa jurídica.
§ 1º A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:
I - ter sido a personalidade jurídica utilizada para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou
II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
§ 2º As sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa.
Art. 20. Nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, poderão ser aplicadas as sanções previstas no art. 7o, sem prejuízo daquelas previstas neste Capítulo, desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa.


CAPÍTULO VI
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 21. A multa e o perdimento de bens, direitos ou valores aplicados com fundamento nesta Lei serão destinados às entidades públicas lesadas.
Art. 22. Ressalvada a imprescritibilidade da reparação do dano, nos termos do § 5º do art. 37 da Constituição, prescrevem em dez anos as infrações previstas nesta Lei, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
Parágrafo único. Interrompe a prescrição qualquer ato administrativo ou judicial que tenha por objeto a apuração da infração.
Art. 23. A pessoa jurídica será representada por seus diretores ou administradores, salvo previsão de designação constante do estatuto ou contrato social.
§ 1º As sociedades sem personalidade jurídica serão representadas pela pessoa a quem couber a administração de seus bens.
§ 2º A pessoa jurídica estrangeira será representada pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil.
Art. 24. A autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações previstas nesta Lei, não adotar providências para a apuração dos fatos, será responsabilizada penal, civil e administrativamente nos termos da legislação específica aplicável.
Art. 25. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Este post baseia-se na informação do Boletim Eletrônico "Migalhas" de 9/2/2010.
3.Ilustração:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQJJf8gcv5flESxKWoXNP3q4f1zQ1cVIHvX7skkaSFXPitLTvNQ6YxDcTvr-ZwSYVHq9CCYPfd1TYwKWLiHozVTKUKFmTp2nA8I4mHQYiyP_H3vQnkXRUoFPXYdO-NdxEFwQsN23fKbMOL/s320/irmaosmetralha.jpg





Data venia!



Data venia”, expressão surrada em Direito, quer dizer “com a sua licença”, “com a sua devida permissão”, e somente se usa quando alguém, em posição inferior, quer discordar da opinião de alguém que, por um motivo qualquer, tem ou está em posição superior. Por isso eu comecei este post com a expressão latina para pedir licença para discordar do voto do ministro carioca Aloysio Correia da Veiga, a quem aqui tantas vezes rendi homenagens pela qualidade e consistência dos acórdãos. O caso é interessante, e foi julgado esta semana no TST. Omito o nome do empregado para não aprofundar a sua dor moral. Depois de ter cumprido três anos de cadeia pelo assassinato de sua mulher, grávida de oito meses, o sujeito foi condenado a mais um ano de prisão por ocultação de cadáver. Finda a pena, retornou ao emprego, na Petrobrás, e foi dispensado por justa causa, com base no art.482, “d” da CLT. O relator, ministro Maurício Godinho Delgado, entendeu que o trabalhador condenado criminalmente não pode ser dispensado por justa causa se já houver cumprido a pena de prisão quando da sua dispensa pela sociedade empresária. Respeito a divergência do ministro Aloysio, como sempre, mas me parece que a razão estava mesmo com Godinho Delgado. Segundo o ministro Aloysio, “a questão é uma regra legal que diz o seguinte: é justa causa a sentença criminal condenatória transitada em julgado em que não haja suspensão da pena”, e o fato de se dizer “que o trabalhador já cumpriu a pena não retira o conteúdo da decisão criminal”.

A única razão para que o art.482, “d” da CLT eleja a condenação criminal como justa causa para a dispensa não está no crime em si, mas na parte final da regra, que diz, “caso não tenha havido suspensão da execução da pena”. O motivo é óbvio: se o empregado é condenado no crime, e não há suspensão da pena, terá de encarcerar-se para cumprir a condenação criminal. Recolhendo-se ao presídio por mais de trinta dias, caracterizará abandono de emprego(CLT,art.482, “i”). É só por isso que a regra celetista impõe como causa para a terminação motivada do contrato a condenação criminal sem suspensão da execução da pena. Qualquer que seja o crime, se a execução da pena foi suspensa, o trabalhador pode retomar o emprego normalmente. Por outro lado, se o empregado for condenado à pena de prisão e permanecer na cadeia por até trinta dias, nem por isso a condenação criminal provocará automaticamente a rescisão do contrato, a menos, é claro, que a gravidade do crime possa enquadrá-lo em alguma outra penalidade descrita no art.482 da CLT. O finado Valentin Carrion, tantas vezes citado mas apenas treslido, diz, por exemplo, que "a rescisão se impõe por absoluta impossibilidade de cumprimento das obrigações contratuais"(Comentários à CLT.Saraiva:São Paulo,2006,31ª ed.,p.382). Adiante, completa, apoiando-se em GOMES-GOTTSCHALK, Curso e em SUSSEKIND e MARANHÃO, Instituições):"se não houver privação de liberdade, não há causa; se a privação for igual ou inferior a 30 dias, a finalidade da lei desaconselha a rescisão".

E para que não sobre dúvida, remata:"A mesma conclusão se se tratar do benefício de prisão-albergue, onde se permite ao sentenciado a saída durante o dia para trabalhar, recolhendo-se à prisão à noite; outra não pode ser a solução, à vista da necessidade de integração do sentenciado na sociedade".

Concordo inteiramente com o ministro Aloysio quando diz que o fato de o empregado haver cumprido a pena "não retira o conteúdo da condenação criminal". Não retira mesmo. O que o cumprimento da pena retira da pessoa do condenado é o débito moral para com a sociedade, é o próprio crime, pois o condenado já pagou com a privação da sua liberdade o preço de sua afronta à lei penal e às regras de civilidade. Mas a condenação criminal, como exercício legítimo do poder repressivo do Estado, fica. Isso não significa dizer que a condenação e o cumprimento da pena sejam, só por isso, motivos para a dispensa por justa causa. A meu ver, a sociedade empresária deveria, assim que tivesse notícia do encarceramento do empregado, por mais de trinta dias, e sem suspensão da execução da pena, ter ajuizado ação própria, na Justiça do Trabalho, e obtido, por sentença, a resilição do contrato, por justa causa. O que não podia é fazer o que fez: esperar o empregado cumprir a pena e dispensá-lo por justa causa. Nesse momento, de reingresso tormentoso no meio social, tudo o que não poderia acontecer com esse trabalhador é o que acabou acontecendo: primeiro, o homem delinque e deixa na cadeia metade da sua dignidade; quando é posto em liberdade, o patrão, que até mesmo por um dever fiduciário deveria apoiá-lo, o dispensa por justa causa. Na prisão, morreu um pouco da pessoa humana. Com o ato retaliatório da sociedade empresária matou-se o que sobrou dele. Se é que sobrou. Lembrem-se, senhores: a morte social é mil vezes pior que a morte física!
_________________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Ilustração:http://images.google.com/imgres?//fre.eti.br/devel/algemado.jpg.