segunda-feira, 22 de março de 2010






Basta!
zé geraldo

O
meu amor dá pra nós dois
não gasta! —,
e
de tão sobrado abriu-se em dois.
E basta!
Se
o seu amor chegou depois do meu,
mais bonito,
o meu é como sempre foi seu,
amalucado e aflito;
mas,
se viver só como saudade,
não
viverá muito tempo só em um
porque o que vive em um não vive de verdade;
amor
que vive em um, não basta;
amor só cabe em dois,
não na metade,
e
na verdade
nem meio amor existe
se um chega e o outro se afasta,
se um tira do outro o riso e a graça,
e deixa no lugar só o que é triste
e
a angústia de viver enquanto a vida passa.
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1.O autor não é poeta. É um simples escrevedor de versos. Poesia é coisa séria.
2.Ilustração: http://neidematsumoto.zip.net/images/maos22.jpg


O Acrópole.
zé geraldo




O "Acrópole" não existe mais. Acabou. Vi a casa ir caindo aos pedaços, aos poucos, o sinal de abandono estampado naquele ar de tristeza que antecede o fim de toda construção. Pensei que iriam construir ali um templo da igreja universal, um estacionamento. Mas não. No lugar funciona agora uma pizzaria chamada Forno à Lenha. Que fim triste para uma construção que tinha nobreza até no nome! A tal pizzaria é um prédio feio, sem graça, pintado de marrom na parte de cima, envidraçado embaixo, e um entra e sai de motoqueiros entregando as massas. Não se fala de amor naquelas mesinhas toscas, envoltas em fumaça regada a chopp barato, torcedores de futebol, risos fora de hora e gente oca de sentido. Tudo ali é provisório, ocasional. Naquele tempo, o Acrópole tinha uma uisqueria num canto afastado da entrada e um cybercafé à esquerda de quem vinha da rua. Do lado direito, uma escadinha levava ao andar de cima, onde se ouvia uma música doce, baixinha, quatro ou cinco mesinhas cobertas com delicadas toalhas brancas tendo ao centro um vasinho com flores naturais. Um promoter muito bem vestido recebia a gente ao pé dessa escadinha e perguntava, educadamente, se vínhamos apenas para um uísque ou iríamos jantar. Se a segunda opção fosse a escolhida, éramos conduzidos ao andar de cima. Os garçons eram discretos, silenciosos, flutuavam pela saleta com naturalidade. Pareciam gueixas. Fingiam não prestar atenção em nada, mas sabiam exatamente a hora de encher o copo, recolher um talher, puxar devagarzinho o espaldar da cadeira se a moça ameaçava erguer-se para qualquer coisa. Foi assim que uma outra vida foi convidada a enroscar-se à minha, e aceitou. Pois foi ali, numa dessas mesinhas, que ela me disse que me amava. Era mentira, mas eu acreditei.  A nossa vida inteira foi repleta das suas mentiras, uma mais desconectada que a outra, mas o meu coração mandava fingir que faziam sentido. E assim a gente foi levando até onde Deus deixou, empurrando com a barriga, um jogando no outro a conta da sua própria falência, até que ela mesma se cansou de mim, do meu amor, das mentiras que inventava pra justificar uma vida sem pé nem cabeça. E se foi. Assim, como criança desaparecida, que sai pra comprar sorvete na padaria e nunca mais dá sinal de vida. Aquela não foi a única mentira que me contou, mas foi a primeira e, certamente, a mais grave. Passei ontem em frente ao lugar onde era o Acrópole e senti uma fisgada no coração. A casa não existe mais. Acabou. Aquele glamour do antigo lugar morreu junto com a construção.E com a casa morreram histórias de amor nascidas ou costuradas naquelas mesinhas. A minha nasceu ali, e foi morrendo pelo caminho. O amor da minha vida não me quis mais. Acabou. Até aceito que toda história de amor tenha de ter um fim. O que não aceito, de jeito nenhum, é que algumas tenham um começo.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro e frequentou o Acrópole uma única vez. Se fosse hoje, não iria.
2.E-mail do autor: ze@predialnet.com.br