sábado, 1 de maio de 2010




Vale o escrito.Qual escrito?
zé.


A 4ª Turma do STJ reputou nula nota promissória contendo duas datas de vencimento distintas. A cártula, inicialmente preenchida à mão, com vencimento fixado para 15/8/99, foi, depois, preenchida à máquina, com vencimento para 15/8/2000. Em primeira instância, o juízo extinguiu a execução por entender que o vencimento é requisito de validade do título, mas o TJ de Minas reformou a sentença aplicando o art.6º da Lei Uniforme de Genebra(LUG). Segundo o TJ mineiro, se a nota promissória contém duas datas de vencimento, prevalece a lançada por extenso, e não seria o caso de anulação do título.

Profª Mônica Gusmão, autora de uma boa dezena de livros de direito empresarial(o seu aplaudido "Lições de Direito Empresarial" entra já na 10ª edição), adverte não ser pacífico na doutrina cambiária o entendimento de que o vencimento seja requisito indispensável às notas promissórias. "Se a nota não tem vencimento expresso - explica -, presume-se que foi emitida para pagamento à vista, mas a hipótese julgada no STJ não era de nota promissória sem vencimento, e sim de cártula com dois vencimentos sucessivos, colidentes, sobre os quais não havia consenso entre o emitente da nota e seu credor, e ambos  grafados por extenso". Data venia do TJ mineiro, a professora tem razão. É esse, aliás, o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho(Curso de Direito Comercial, São Paulo: Saraiva, 2001, vol.I, 6ª edição, p.430): "Deve-se registrar que, além dos requisitos necessários à nota promissória, a referência à época e lugar do pagamento também convém ser feita. A falta de menção a esses elementos, contudo, não desnatura o documento como nota promissória, na medida em que, faltando época do pagamento, reputa-se o título à vista; e, faltando o lugar, considera-se pagável no local do saque ou no mencionado ao lado do nome do subscritor".

Ao tratar das letras de câmbio, o art.1º da LUG diz que a letra deve conter, para sua validade, a palavra "letra", inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a sua redação; o mandato puro e simples de pagar uma quantia determinada; o nome daquele que deve pagar (sacado); a época do pagamento; a indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento; o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga; a indicação da data e do lugar onde a letra é passada e a assinatura de quem a passa(sacador). Segundo a regra do art.2º dessa Lei, “o escrito em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como letra”. Diz mais: a)- se a letra não indicar a época do pagamento, entende-se pagável à vista; b)- à falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento, e, ao mesmo tempo, o lugar do domicilio do sacado; c) – a letra sem indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado, ao lado do nome do sacador.

Referindo-se à letra de câmbio, o art.6º da LUG diz que “se na letra a indicação da quantia a satisfazer se achar feita por extenso e em algarismos, e houver divergência entre uma e outra, prevalece a que estiver feita por extenso; se na letra a indicação da quantia a satisfazer se achar feita por mais de uma vez, quer por extenso, quer em algarismos, e houver divergências entre as diversas indicações, prevalecerá a que se achar feita pela quantia inferior”.

Especificamente quanto à nota promissória, o art. 75 da LUG diz que esse título deve conter:
(1) a denominação "nota promissória" inserta no próprio texto do título e expressa na língua empregada para a sua redação;
(2) a promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada; (3) a época do pagamento;
(4) a indicação do lugar em que se efetuar o pagamento;
(5) o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga; (6) a indicação da data e do lugar onde a nota promissória é passada;
(7) a assinatura de quem passa a nota promissória (subscritor).

Por sua vez, o art.76 diz que “ o título em que faltar algum dos requisitos indicados no artigo anterior não produzirá efeito como nota promissória”, mas ressalva: a) – a nota promissória em que se não indique a época do pagamento será considerada à vista; b) – na falta de indicação especial, o lugar onde o título foi passado considera-se como sendo o lugar do pagamento e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do subscritor da nota promissória; c) – a nota promissória que não contenha indicação do lugar onde foi passada considera-se como tendo-o sido no lugar designado ao lado do nome do subscritor.

Por fim, o art.77 da LUG diz: “São aplicáveis às notas promissórias, na parte em que não sejam contrárias à natureza deste título, as disposições relativas às letras, e concernentes ao: endosso (artigos 11 a 20); vencimento (artigos 33 a 37);pagamento (artigos 38 a 42);direito de ação por falta de pagamento (artigos 43 a 50 e 52 a 54);pagamento por intervenção (artigos 55 e 59 a 63);cópias (artigos 67 e 68);alterações (artigo 69);prescrição (artigos 70 e 71);dias feriados, contagem de prazos e interdição de dias de perdão (artigos 72 a 74). São igualmente aplicáveis às notas promissórias, por expressa autorização da LUG, as disposições relativas às letras pagáveis no domicílio de terceiro ou numa localidade diversa da do domicílio do sacado (artigos 4º e 27), a estipulação de juros (artigo 5º), as divergências das indicações da quantia a pagar (artigo 6º), as consequências da aposição de uma assinatura nas condições indicadas no artigo 7º, as da assinatura de uma pessoa que age sem poderes ou excedendo os seus poderes (artigo 8º) e a letra em branco (artigo 10, e as disposições relativas ao aval (artigos 30 a 32).

Como visto, embora o art.75 da LUG exija como requisito essencial da nota promissória a época do pagamento, o art.76 permite a criação desses títulos sem esse requisito, estabelecendo que a nota promissória que não indicar a época do pagamento será tida como pagável à vista.  O art.6º da LUG, invocado pelo TJ mineiro, como substrato do julgamento,  não cuida de divergência de datas, mas de conflito entre valores grafados em algarismos e por extenso. Nesse caso, havendo dúvida, prevalece o valor lançado por extenso. A conclusão é óbvia: o lançamento de valor em algarismo pode, mesmo, induzir a erro, mas esse erro de percepção é mais difícil de ocorrer quando o valor da mesma obrigação é lançado por extenso porque, aqui, o emitente está focado na escrita de modo muito mais efetivo do que quando simplesmente lança o valor em números. É razoável supor que deva prevalecer o valor grafado por extenso porque, em tese, esse valor é o que mais se aproxima da ideia da obrigação contraída por quem preenche a nota. No caso julgado pelo STJ, o credor apelou sustentando exatamente este ponto. Alegou, por mais, violação do art.55 da Lei nº 2.044/1908, que é expresso sobre o ponto. O ministro Aldir Passarinho concordou com esses argumentos. Ao que disse, o parágrafo único do art. 55 da Lei n. 2.044/1908 prevê obrigatoriedade de época de pagamento precisa e única para toda a soma devida, e aplicou, no caso de datas colidentes, a regra do art.33 da LUG: as letras, quer com vencimentos diferentes, quer com vencimentos sucessivos, são nulas"("Les lettres de change soit à d'autres échéances, soit à échéances sucessives, sont nulles").

Nota promissória é uma promessa de pagamento de certa soma em dinheiro, que uma pessoa faz, por escrito, a outra pessoa ou à sua ordem. Foi regulada no Código Francês como billet à ordre. Na Inglaterra, chama-se promissory note, e na Itália, vaglia cambiario ou pagherò; na Espanha, pagaré a la orden, e em Portugal, livrança(MARTINS, Fran. Título de Crédito. Rio de Janeiro: Forense, vol.I, 13ª edição, 1998,p. 277). A emissão da nota promissória não pressupõe a origem do negócio; é a vontade do emissor que faz nascer a cártula. As obrigações nela contidas são autônomas e independentes: cada obrigado responde pela obrigação assumida, para maior garantia do portador.Segundo Fran Martins(op.e loc. cit.), aquele que promete pagar se chama sacador, emitente ou subscritor; aquele a quem a promessa é feita, chama-se beneficiário ou tomador. Assim, também, Fábio Ulhoa Coelho(op. e loc.,cit.). A nota promissória é um título formal: sua validade pressupõe a satisfação de certos pressupostos. O citado Fran Martins diz ainda que são seus requisitos essenciais a (1) emissão por escrito, (2)expressão “nota promissória”, (3) a promessa de pagamento, (4) o nome do credor, ou a quem se deve pagar à ordem, (5) a data em que é passada, (6) a assinatura do emitente, (7) a época, (8) o dia do vencimento e (9) o lugar da emissão.

Segundo a Profª Monica Gusmão, a leitura atenta dos arts.75 e 76 da LUG indica que os requisitos de uma nota promissória são (1) a expressão "nota promissória", inserta no documento e escrita na mesma língua em que o título está sendo redigido, (2) promessa de pagamento sem atrelar a obrigação de pagar a qualquer outra condição, (3) nome do credor, (4) data do saque, (5) assinatura do subscritor ou emitente e (6) lugar do saque ou menção de um lugar ao lado do nome do subscritor. Arremata: "sendo um título formal, a promissória só vale como tal se contiver os requisitos dispostos em lei. Só assim poderá ser transferida e cobrada segundo as regras do direito cambiário. Documento sem esses requisitos, embora emitido como nota promissória, somente produz efeitos civis, isto é, sua transferência se dá por cessão civil de crédito".
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e tem trauma de direito empresarial e de francês.