sábado, 13 de março de 2010



“O Rio de Janeiro continua lindo”.
zé geraldo



É mesmo,Gil. Lindo e completamente estabanado em matéria de leis. Oh, gente incompetente! A Confederação Nacional da Indústria (CNI) ajuizou no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4391 contra a lei carioca nº 5.627/09, que fixa pisos salariais para algumas categorias, entre elas a dos empregados domésticos; dos garçons; dos cabeleireiros; dos pintores; dos professores e dos advogados, entre outras. Segundo o art.1º dessa lei, o piso salarial vale para todas as que categorias "que não o tenham definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho que o fixe a maior”. Ou seja: se ninguém fixar piso maior, vale o piso fixado na lei. Segundo a CNI, a expressão “que o fixe a maior” extrapola a delegação permitida aos Estados pelo art.22 da CF/88 e LC nº 103/2000. E extrapola mesmo. Pior que isso: é mal escrita! E expressão "a maior" pode ser tudo, menos português. Segundo o art.22, I da CF/88, apenas a União pode legislar sobre direito civil, comercial,penal, processual, eleitoral, agrário,marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho. Logo, toda a matéria da L.nº 5.627/2009 é de competência da União, mas parece que o pessoal não sabe ler a Constituição. O art.1º da Lei Complementar nº 103, de 14/7/2000, publicada no DO de 17/7/2000, diz que “Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do art. 7º da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho”. Essa mesma lei proíbe a fixação dos pisos no 2º semestre do ano de eleição de governador de Estado e do Distrito Federal e de deputados estaduais e distritais e para servidores públicos municipais, mas permite extensão do piso aos domésticos. Pelas minhas contas, é a quarta ou quinta vez que o Estado do Rio de Janeiro tenta legislar em matéria de competência da União. Só no governo Garotinho foram três. Que eu me lembre.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e já julgou centenas de casos em que esse tal piso é discutido. Sempre fixou os salários pela legislação federal.E vai morrer fixando.
2.Ilustração: Praia de Icaraí(foto do autor).


Retenção Dolosa dos Frutos do Dinheiro.
zé geraldo




O Direito é 1% de ciência e 99% de modismos. Quando você pensa que já viu de tudo, aparece um gaiato que acha que descobriu a pólvora e resolve transformar o juiz em tubo de ensaio. Como às vezes acontece quando o cientista não tem talento para o ofício, o experimento costuma não dar certo e o laboratório explode. No caso da advocacia, costuma explodir no bolso do advogado, e o bolso, como o disse Agostinho Alvim, é o órgão mais sensível do corpo humano.A origem disso eu não sei, mas de uns tempos para cá os advogados deram de pedir, e os juízes de conceder, uma tal indenização pela "retenção dolosa dos frutos da posse".O nome é pomposo. Impressiona. Mas por debaixo disso há um grande equívoco, ou uma indisfarçada má-fé. Os empregados, especialmente se ex-empregados de bancos, caixas econômicas e instituições financeiras e de crédito, têm alegado nas suas petições iniciais que as sociedades empresárias empregadoras retiveram dolosamente parte de seus ganhos, seja sonegando horas extras, seja pagando salário de menos, seja deixando de quitar as rescisórias, e, com isso, se apossaram, de má-fé, dos frutos desses dinheiros. Afirmam, ainda, que o devedor emprestou esse dinheiro a terceiros, com notória vantagem entre o que tinha de lhes pagar e o que cobrou aos emprestantes, e deve, por isso, ser condenado a devolver-lhes a diferença. O fundamento desse engenhoso pedido é sempre o combalido art.1.216 do Código Civil. Esse artigo diz que “o possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé”. Parece-me fora de qualquer dúvida razoável que esse artigo somente se aplica à posse, e não às dívidas de dinheiro, tanto que está inserido no Título I, Capítulo III do Código Civil, que trata justamente da posse. Os frutos, a que o art.1.216 se refere, são os frutos do uso da coisa, e não os frutos do uso do dinheiro. Para as dívidas de dinheiro, o Código tem disciplina própria e, para o direito do trabalho, vale a L. nº 8.177/91, que regula suficientemente a lide. De fato, cai em mora quem não paga e o credor que não quer receber no tempo, lugar e forma que a lei ou o contrato dispuserem(Código Civil, art.394). O devedor responde pela mora e pelos juros, além da correção monetária e dos honorários de advogado. Esses são, em rigor, os efeitos do retardamento culposo do pagamento das verbas resilitórias, e nenhum outro( Código Civil, art.395). A doutrina explica, com constrangedora clareza, que possuidor de má-fé é aquele que conhece o vício que macula a sua posse. Lê-se em Aristóteles, “que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo”. Falar em “possuidor de má-fé” implica, por senso lógico, falar de alguém que se apossa indevidamente daquilo que pertence ao outro, daquilo que o outro possuía, de boa-fé, e não possui mais, pela malícia do primeiro. Se a sociedade empresária deixa de quitar horas extras, ou paga salário de menos, ou dispensa imotivadamente um empregado e não lhe paga as verbas rescisórias, não está, até aí, se apossando de nada que pertencesse ao empregado, exceto se se levar ao absurdo de supor que, exercendo sobre o contrato o seu incontestável direito potestativo de resilir, esteja se apossando de um direito expectativo, ou de uma expectativa de direito, ou de um ilíquido e futuro direito de crédito do empregado sobre eventual quantum de verbas indenizatórias. Não é a isso, por óbvio, a que o art.1.216 do Código Civil se refere. Não se pode perder de vista a localização topográfica do artigo. Direito é sistema! O artigo fala da posse, do direito de propriedade, do bem físico que alguém, por malícia, retira ao uso do outro e passa a usar e fruir em proveito próprio. É só por isso que o art.1.216 do Código Civil pune o possuidor de má-fé não apenas com a devolução de todos os frutos que colheu enquanto esteve na posse clandestina do bem, mas também com a restituição daqueles que, por sua culpa, deixou de auferir, e que o verdadeiro possuidor talvez colhesse porque é presumível o seu maior interesse na conservação do seu patrimônio. Se o devedor responde por suas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros, o crédito trabalhista do empregado, que tem por fundamento a rescisão imotivada do contrato de trabalho, está garantido pela totalidade do patrimônio do devedor. Se fosse possível aplicar o art.1.216 do Código Civil às dívidas de dinheiro, o empregado, possuidor de boa-fé, teria de provar, primeiro, que o devedor se apossou, de má-fé, daquilo que lhe pertencia, mas já se viu que o que garante a obrigação decorrente da terminação do contrato de trabalho é a totalidade do patrimônio do devedor, e não este ou aquele bem, e, depois, que, de posse clandestina daquilo que lhe (ao empregado) pertencia, o devedor negociou no mercado a juros abusivos e obteve ganho que, como frutos do dinheiro, deveriam ser repassados ao verdadeiro possuidor. Numa palavra, o empregado teria de provar, além da má-fé do patrão, que o patrão emprestou com usura o seu (do empregado) dinheiro, e não qualquer dinheiro em caixa. Ora, se esse raciocínio fosse rigorosamente exato, o devedor que quebra, ou cai em mora, ou não honra obrigações de pagar por inadimplemento, ou pede recuperação judicial, nada teria de pagar aos empregados, seus credores, porque o simples insucesso do empreendimento seria prova bastante de que, mesmo retendo indevidamente o dinheiro que, em tese, pertencia aos empregados, nada lucrou com isso, e tanto não lucrou que foi à falência ou pediu recuperação judicial porque a bancarrota era iminente, e se, mesmo de má-fé, nada lucrou, nada tem de restituir.É certo que, por expressa autorização do art.769 da CLT, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com suas normas.Notem bem: o empréstimo subsidiário de regras que a CLT permite é de direito processual, já que nisso a CLT não tem um sistema, seja por que não temos(não temos ainda) um Código de Processo do Trabalho, seja por que a estrutura da CLT não considera a fase executória da sentença uma disciplina separada da cognição, e tanto não considera que ela própria determina ao juiz iniciar de ofício a execução. O art.1.216 do Código Civil é de direito material. Nessa parte - direito material -, a CLT é completa e não precisa de empréstimos.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e não tem a menor paciência para certas invenções...
2.Ilustração:http://moreira.blogsome.com/images/thumb-foto_tubo_ensaio.jpg


A Cezar, o que é de Cezar.
zé geraldo



O ministro Cezar Peluso é o novo Presidente do STF. Bacharel em Direito pela antiga Faculdade Católica de Santos, atual Universidade Católica de Santos, Peluso é Mestre em Direito Civil e doutor em Direito Processual Civil, ambos pela USP. Foi Juiz de Direito da 7ª Vara de Família e Sucessões de São Paulo,  Juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil e Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça. Fez-se desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo em 14/4/86, servindo na 2ª Câmara de Direito Privado. Foi professor da PUC/SP e da Universidade Católica de Santos. Indicado ao STF pelo ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, tomou posse em 25/6/2003. Quem espera um presidente fanfarrão, metendo o bedelho onde não foi chamado, certamente irá se decepcionar com Peluso.Os que o conhecem de perto dizem que é um sujeito cordato, firme e profundo nas suas decisões, introspectivo e trabalhador.Odeia holofotes e jamais permitiria que uma instituição tão respeitada quanto o STF servisse de manchete aos pasquins, como aconteceu na gestão anterior num bate-boca com o ministro Joaquim Barbosa. Quem quiser saber desse espetáculo deplorável, clique o endereço eletrônico que botei aí embaixo.  Se a hora é boa de lembrar o velho adágio romano, vá lá: "Não basta à mulher de César ser honesta. Ela precisa parecer honesta!". Não basta ao STF etc,etc,etc.Bem-vindo, Ministro Peluso! Por que demorou tanto?

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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e odeia baixaria; não integra bandos, não é capanga de ninguém e ingressou na Magistratura por concurso.Assim como o ministro Cezar Peluso...

Marcas.
zé geraldo



A 3ª Turma do STJ decidiu que a tutela ao nome comercial é relativa. O registro mais antigo protege o ramo de atuação da sociedade empresária mas não impede que outra, de ramo distinto, use nome idêntico, se isso não for suscetível de causar confusão ao consumidor e a levá-lo a consumir um produto por outro. A sociedade empresária Fiorella Produtos Têxteis Ltda. pretendia o uso exclusivo do nome comercial formado pela expressão “Fiorella”, registrado como marca e parte do nome comercial. O STJ endossou o entendimento do TJ de São Paulo, para quem é irrelevante a anterioridade do registro para solucionar conflito entre os nomes empresariais pois a semelhança de denominações não gera confusão entre os consumidores, especialmente porque as atividades empresariais de uma e outra são inteiramente distintas, ficando afastada a possibilidade de concorrência desleal.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Fonte: Boletim do STJ de 12/3/2010(REsp.nº 26243,Rel. Vasco Della Giustina).
3.Ilustração:http://aulas.pro.br/blog4/wp-content/uploads/2008/08/marcas2.png




Novos Direitos das Empregadas Domésticas.
zé geraldo




A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado está melhorando a vida das empregadas domésticas. Um dos projetos aprovados reduz de 12% para 6% a contribuição social a cargo dos patrões, mas, em compensação, não mais permite essa dedução do imposto de renda. Os autores do projeto acreditam que a redução fiscal fará com que mais patrões passem a anotar as carteiras de trabalho de seus empregados. Outro projeto prevê multas de R$1.000,00 a R$10.000,00 contra o patrão que desrespeitar tais direitos. Em caso de falta de anotação do contrato de trabalho, eleva-se a multa em 50%.A CAS também aprovou um projeto que declara interrompido o prazo de aviso prévio em caso de gravidez( neste caso, a mulher terá garantia de emprego por um mês após a licença-maternidade) e outro, que garante às estagiárias estabilidade no emprego de até 120 dias após o parto. Ainda não foi desta vez que as domésticas passaram a ter direito à licença-maternidade de 180 dias, como as outras trabalhadoras.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), autor do livro "Vá Procurar Seus Direitos!"-Tudo Sobre Empregados Domésticos", editado pela Forense-Gryphus(edição esgotada).
2.Ilustração:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjq6Nm_JlpaqeBYwFJ5c3n1fBQEu1O-jEvUXSc5borq1HSGb3v7nqOOu4j9GVJxp3NbukPjw1XPqOpGRtFNNABj7Pji8r5gpcn4QEnibtSUq4AVKHIUK8k8HTlStFCkYsNTda7qoRT8Bc/s320/vassoura_condor.jpg


O beija-flor, o Zé e o Ministro Fux.
zé geraldo



Uma fábula antiga, cuja autoria desconheço, ilustra bem o que eu vou contar aqui.
Sem aviso prévio, um incêndio pavoroso começou a destruir a floresta. Desesperados, os bichos saíram em disparada em direção ao lago, deixando para trás suas casas, ninhos, filhotes. Um beija-flor fazia o caminho oposto: ia até o lago, enchia o biquinho de água, voava em direção ao fogaréu, despejava a água, voava em direção ao lago, enchia o biquinho, voltava ao fogo, despejava a água, voava de volta ao lago, e assim sucessivamente. Já em segurança, o elefante riu e, incomodado, perguntou ao beija-flor:
- Desculpe-me, companheiro de penas, mas se eu, que com a minha tromba bebo cem litros de água de uma só vez, não consigo apagar esse fogo, você acha que tem alguma chance com um biquinho desse tamanho?
E o beija-flor, sem interromper o voo, respondeu:
- Perdoe-me, meu adiposo amigo. Eu sei que não vou conseguir apagar o fogo. Eu só estou fazendo a minha parte!
O ministro Luiz Fux e a Comissão encarregada pelo Senado Federal de redigir o novo CPC realizaram ontem no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mais uma audiência pública com a finalidade de ouvir a sociedade civil e colher subsídios para o novo Código. Eu estive lá, inscrevi-me para apresentar sugestões, e o fiz. Nos curtíssimos dois minutos que cada orador teve para apresentar sugestões, lembrei à relatora do novo Código, Professora Tereza Alvim Wambier, que, apesar da importância do CPC para a Justiça do Trabalho, não havia dentre os processualistas que compunham a sua Comissão um único doutrinador que tivesse ao menos uma remota intimidade com a realidade da Magistratura do Trabalho e com o Direito Processual do Trabalho. Disse-lhe que temos muitos e bons processualistas, mas que nem por isso nos furtaremos de colaborar, e que a ANAMATRA, no momento próprio, entregará à Comissão um memorial com um resumo das nossas expectativas. De minha parte, pedi à Comissão de Notáveis:

1 — Que nos embargos declaratórios, verdadeira praga da jurisdição, se passasse a exigir preparo, já que a lei diz que têm natureza de recurso, ou que se aumentasse a multa por procrastinação.

2 — Que não apenas os prazos recursais, mas os prazos de todos os atos processuais fossem unificados em dez(10) dias, como forma de torná-lo mais simples e manejável, já que, segundo a ideia da Comissão, os prazos correrão somente em dias úteis.

3— Que se pusesse fim ao reexame necessário como condição de eficácia das sentenças condenatórias contra as Fazendas e entes públicos.

4 — Que as Fazendas não tivessem mais prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar.

5— Que o art.333,I e II do atual CPC fosse revisto para consagrar o princípio da aptidão para a prova, porque nem sempre quem tem o ônus de provar está apto a fazê-lo;o ônus de provar deveria recair naquele que estivesse mais apto a fazê-lo;

6— Que se ampliasse o conceito do art.475-J do CPC para constar, expressamente, que o princípio do cumprimento de sentença se aplica ao processo do trabalho, mais do que em qualquer outro.

Eu era o único juiz do trabalho naquela audiência pública. É óbvio que eu não tinha a pretensão de ofuscar o brilho daquela gente laureada e elegante. Eu só estava fazendo a minha parte...
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), Membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, integrante de bancas de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, Presidente do Conselho Consultivo da Escola de Capacitação de Funcionários do TRT/RJ(ESACS), membro do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista(ESAT), Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil com Ênfase nas Relações de Trabalho pela Universidade Federal Fluminense(UFF) e Escola Judicial do TRT/RJ, professor universitário, autor de livros e artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália (www.diritto.it), poeta, contista, fotógrafo, redator de propaganda, cronista, palestrante e conferencista.
ilustrações
a)-beija-flor:http://planetabird.files.wordpress.com/2009/06/beija-flor-1.jpg
b)-elefante:http://planicie-heroica.weblog.com.pt/arquivo/ELEFANTE.jpg
c)-Ministro Luiz Fux:http://www.owurman.com/mala_direta/2008/2008082901/084_20.jpg





Devo, não pago;nego enquanto puder!
zé geraldo



A 3ª Turma do STJ decidiu que a autonomia e a validade de uma nota promissória não são afetadas se o título é formalmente perfeito, contendo os requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade. No caso, relatado pela ministra Nancy Andrighi(foto), a nota promissória havia sido emitida como garantia de contrato de financiamento de capital de giro com taxa pré-fixada. Como o contrato não foi assinado por testemunhas, e depois descumprido pelo tomador do empréstimo bancário, o banco executou a nota promissória. Os subscritores da nota promissória, isto é, os devedores principais do empréstimo bancário, alegaram nulidade da execução porque o contrato de empréstimo não continha a assinatura das testemunhas, que, segundo afirmaram, era da essência do ato. A ministra Nancy Andrighi  disse que a assinatura de testemunhas somente é indispensável nos contratos solenes que a lei especificamente relaciona, e não em qualquer contrato. A falta da assinatura das testemunhas somente lhe retira a eficácia de título executivo (art. 585, II, do CPC), mas não a eficácia de regular instrumento de prova quanto a um ajuste de vontades. Nos outros, é mera formalidade que não afeta o conteúdo da obrigação. Disse mais: embora seja certo que a Súmula nº 258 do STJ não dá à nota promissória subscrita como garantia de contrato autonomia suficiente para permitir execução autônoma, desvinculada do próprio contrato, no caso essa autonomia podia ser perfeitamente aceita porque o contrato de empréstimo para capital de giro fora celebrado com taxa pré-fixada, não foi honrado pelos devedores, e o credor, ou beneficiário da nota, estava executando apenas o valor contido na promissória, que corresponde ao valor do contrato.Como não havia vício algum no contrato de empréstimo que contaminasse a própria garantia representada pela nota promissória, a execução era válida.

Doutrina

Segundo a doutrina, nota promissória é um título de crédito que registra uma relação bilateral, onde o subscritor (devedor principal), confessa dever e promete pagar ao credor, beneficiário da nota promissória, certa quantia, em determinado momento.
São requisitos essenciais da nota promissória:

(1) a identificação: a cártula(documento) deverá trazer, expressa, a denominação “nota promissória”. A falta dessa especificação descaracteriza o título;
(2) a declaração: a  “nota promissória” é uma espécie de confissão de dívida, uma “nota”(declaração) que “promete”(por isso, “promissória”) pagar certa quantia em certo tempo. Contém, portanto, uma declaração cambiária. Essa declaração de pagamento pressupõe uma obrigação anterior efetivamente contratada pelo subscritor e não exige qualquer demonstração ou condição;
(3) o valor : o valor da nota promissória deve ser certo e determinado, expresso em moeda corrente do país. Permite-se emissão de nota promissória em moeda estrangeira nas hipóteses do DL n.857/69. Se houver divergência entre a quantia escrita por extenso e a escrita em algarismos, prevalece a escrita por extenso. Se houver mais de um valor divergente, escrito por extenso, vale o de menor valor;
(4) o nome do beneficiário: sendo uma nota (declaração) que promete pagar certa quantia, em dado momento, é imprescindível que diga a quem se deve, por isso o nome do credor é obrigatório. Não existe nota promissória “ao portador”, como no caso dos cheques;
(5) a data de emissão: tratando-se de uma obrigação futura, é indispensável que a nota promissória seja datada. A falta deste requisito descaracteriza o título;
(6) a assinatura do subscritor: quem confessa dever uma obrigação e reconhece estar sujeito ao seu pagamento, em dado momento, deve assinar essa declaração. Deve ser feita de próprio punho pelo devedor ou por procurador com poderes especiais.

A Lei Uniforme de Genebra (Lei do Cheque) manda aplicar às notas promissórias boa parte das disposições relativas às letras de câmbio. As obrigações contidas na nota promissória são autônomas. Por isso, se a nota promissória contiver assinatura falsa, assinatura dada por incapazes, ou contiver um outro defeito, tudo deve ser apurado em relação à pessoa que alega a falsidade ou o defeito, o que não desobriga os outros dessa obrigação se nada podem opor à validade do título. A nota promissória é endossável, em branco e em preto, antes ou depois do vencimento, ainda que dela não conste a cláusula “à ordem”. Mas a nota promissória comporta a restrição da cláusula “não à ordem”. Na cláusula “não à ordem”, a nota promissória somente poderá ser transferida por meio de cessão ordinária de créditos. A nota promissória pode ser emitida:

(1) à vista;
(2) a certo termo de vista;
(3) a um certo termo de data, isto é, em um prazo certo, contado da sua emissão; e
(4) para pagamento em um dia previamente fixado.

As notas promissórias emitidas “à vista” ou “a um certo termo de vista” podem conter juros. A taxa de juros também tem de estar expressa no título. A nota promissória não paga no vencimento pode ser executada pelo credor contra o emitente e seus avalistas. O protesto não é obrigatório para a execução contra o credor, mas o é na execução contra os avalistas e endossantes. A nota promissória pode ser paga por um terceiro, em nome do devedor, ou por qualquer pessoa já obrigada ao seu pagamento, desde o início. Permite-se extração de cópia de uma nota promissória, mas não há autorização legal para emissão de mais de uma via da mesma nota promissória. Se houver alteração no texto da nota promissória, os signatários originais se obrigam pelo que constar do texto original; os subscritores posteriores se obrigam às alterações que fizerem. As ações contra os emitentes e avalistas da nota promissória prescrevem em três anos contados do seu vencimento. As ações contra os endossantes da nota promissória prescrevem em um ano, a contar da data em que for protestada. “Notas promissórias em branco” são as que contém lacunas que podem ser preenchidas pelo portador, de acordo com o que houverem combinado. O DL.n.167/67 criou a “nota promissória rural” para regular as obrigações (1)nas vendas a prazo de bens de natureza agrícola, extrativa ou pastoril, quando efetuadas diretamente por produtores rurais ou cooperativas, (2) recebimentos, pelas cooperativas, de produtos entregues por seus cooperados e (3) para regular a entrega de bens de produção ou consumo feitas pelas cooperativas a seus associados.Diferentemente das outras notas promissórias, a nota promissória rural é um título causal, isto é, tem origem, obrigatoriamente, em um tipo específico de negócio rural. Não é válida sua emissão fora desses negócios.

São requisitos essenciais da nota promissória rural:

(1) a denominação("nota promissória rural");
(2) a data de pagamento;
(3) o nome da pessoa ou entidade que está vendendo ou entregando os bens;
(4) a praça(local) de pagamento;
(5) o valor a ser pago;
(6) a data e lugar da emissão;
(7) a assinatura de próprio punho do emitente ou do representante com poderes especiais.

A nota promissória rural não permite aval, salvo quando dado por pessoas que integrem a empresa emitente ou por outras pessoas jurídicas autorizadas pelas partes, mas admite pagamento parcial, com a concordância do credor. Na falta de pagamento da nota promissória rural, o credor pode executá-la penhorando os bens nela descritos, podendo ainda, a qualquer tempo, mesmo que sua ação de execução não tenha sido contestada, vendê-los ou aliená-los.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).Detesta gente caloteira e Direito Empresarial.