Erro crasso!
José Geraldo da Fonseca
Introdução
“Crassus”, em latim, é um adjetivo comum que significa “gordo”. A expressão “erro crasso” é agora de domínio público, mas pouca gente conhece a sua origem. A versão usualmente aceita é a de que, em 59 a.C, Roma dividiu o seu poder entre Júlio César, Pompeu Magnus e Marco Licinius Crassus. Júlio César e Pompeu Magnus eram generais de notória fama, responsáveis pelo sucesso nas guerras que ampliaram o poderio econômico, bélico e geográfico de Roma. Marcus Licinius Crassus se notabilizava mais pela riqueza que pelo talento na guerra. César dominou a Gália (França) e Pompeu a Hispânia (Península Ibérica) e Jerusalém. Crassus, para ombrear-se aos dois primeiros, decidiu conquistar os Partos, povo de origem persa que habitava o Oriente Médio (Irã, Iraque e Armênia, entre outros). Liderando sete Legiões, cerca de cinquenta mil soldados, e confiando na sua superioridade numérica, Crassus ignorou as antigas táticas militares das falanges romanas e decidiu atacar o inimigo por um vale estreito, pouco visível e emparedado por espinhaços impossíveis de escalar. Uma emboscada natural, elementar até mesmo para o mais jejuno dos soldados da tropa. Todos os cinquenta mil legionários foram trucidados na armadilha cavada pelo próprio Crassus, inclusive o "grande general". Por isso, quando se comete um erro primal, diz-se que o sujeito cometeu um “erro crasso”, “palmar”, “curial”. Fiando-se no entendimento contido no art.11,§1º da CLT, em 5/2/2010 o TRT de Minas Gerais, no RO nº 630-2008-003-03-00-2, reformou sentença em que um juiz trabalhista de primeiro grau pronunciara a prescrição de uma ação em que o empregado trabalhara em condições insalubres, de outubro/98 a março/2006, mas somente ajuizara ação em abril/2008. Até onde se sabe, o empregado não pedira nenhuma obrigação de pagar, mas apenas a de fazer, consistente na condenação da sociedade empresária em retificar o seu Perfil Profissiográfico Previdenciário — PPP — para requerimento futuro de aposentadoria especial. Na minha opinião, tanto o juiz que extinguiu o processo quanto o Regional, que reformou a sentença, cometeram erros crassos. O caso, segundo penso, era de extinção sem resolução do mérito, já no primeiro grau, por carência de ação. É que a ação declaratória não se prestava ao fim pretendido e, se prestasse, estava mesmo prescrita porque o autor não quisera mera declaração de certeza jurídica, mas cumprimento de uma obrigação de fazer, pretensão de direito material, portanto, e consistente na condenação da sociedade empresária de retificar (fazer) o laudo do seu perfil profissiográfico previdenciário que lhe permitiria, no momento próprio, reclamar aposentação especial. O tribunal errou por entender que se tratava de ação meramente declaratória e,pois, imprescritível, e ao restabeler o irrestabelecível.
Origem histórica da “prescrição”
1ª - demonstratio, enunciação da parte não contestada dos fatos da causa;
2ª - intentio, indicação da pretensão do autor e contestação do réu;
3ª - condemnatio, atribuição conferida ao juiz para condenar ou absolver, segundo o resultado de sua verificação e
4ª - adjudicatio, autorização concedida ao juiz para atribuir às partes a propriedade do objeto litigioso.
A Lei Aebutia, em 520, permitiu ao pretor romano criar ações não previstas. Ao fazê-lo, o pretor introduziu o uso de fixar um prazo para a sua duração, dando origem às ações temporárias, em contraposição às perpétuas. Se a ação era temporária, e se já estivesse extinto o prazo para o seu exercício, o pretor inscrevia na parte introdutória da fórmula determinação para que o juiz absolvesse o réu. A essa parte introdutória, por anteceder à fórmula propriamente dita, dava-se o nome de praescriptio, isto é, pré-escrito, escrito antes. Desde a Lei das XII Tábuas o cidadão romano adquiria a propriedade pelo uso da coisa (imobiliária) durante 2 anos, e das demais, durante um ano (era direito restrito ao cidadão romano, e não aos peregrinos).O pretor introduziu a prescrição longi temporis, concedendo ao possuidor com justo título e boa-fé exceção obstativa da reivindicação do proprietário se a sua posse datava de 10 anos, entre presentes, ou de 20, entre ausentes. Como a exceção era inscrita na fórmula, recebeu, também, o nome praescriptio. Por evolução, o termo prescrição passou a significar a matéria contida na parte preliminar dessa fórmula, originando a acepção de extinção da ação (ou parte dela) pela expiração do prazo de sua duração. Daí o dizer-se que prescrição é prejudicial de mérito.
Conceito
Prescrição é a extinção de uma ação ajuizável, e de toda a sua capacidade defensiva, por inércia de seu titular, no prazo fixado em lei e na ausência de causas preclusivas de seu curso. Como se lê em CÂMARA LEAL , “a prescrição se opera pelo decurso do tempo. Uma vez consumada, extingue a ação e, com ela, o direito, e, com ele, a obrigação correlativa. Essa extinção, que é um fenômeno objetivo, uma vez verificada, produz, desde logo, os seus efeitos: o titular não poderá exercitar a sua ação, e o sujeito passivo deixa de ser obrigado a satisfazer o direito extinto. A arguição de prescrição não a cria, nem lhe dá eficácia, apenas a invoca,como fato consumado e perfeito, a ela preexistente. Arguir a prescrição não é determinar a sua eficácia, mas exigir que essa seja reconhecida, por isso que a prescrição já existia e havia operado os seus efeitos extintivos“. Quatro são, pois, os elementos integrantes da prescrição:
2º- inércia do titular da ação pelo seu não-exercício;
3º-continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo,fixado em lei;
4º- ausência de fato ou ato a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional.
Natureza jurídica
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2.Os fundamentos jurídicos do texto leem-se em:
- CÂMARA LEAL, Da Prescrição e da Decadência, Forense,1.984,p.12.
- Cód.Civil, art.193:”A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”.
- O §5º do art. 219 do CPC, pela redação da L.nº 11.280, de 16/2/2006, em vigor desde 17/5/2006, diz:” O juiz pronunciará de ofício a prescrição”.
- Cód.Civil, art. 191:”A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá,sendo feita,sem prejuízo de terceiro,depois que a prescrição se consumar;tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado,incompatíveis com a prescrição”.
- Cód.Civil, art.194:“O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer o absolutamente incapaz”.
- ROUBIER, Paul.Le Droit Transitoire,Paris,Dalloz,2ªed.1960, p. 297/301.
- ROMITA, Arion Sayão.A Prescrição dos Créditos Trabalhistas na Constituição, Ed.Folha Carioca,1989,p.32/33.
- CF/88, art.7º,XXVIII c/c CLT,art.11,I e II.
ilustração