terça-feira, 9 de março de 2010



Reconvenção, Compensação, Dedução e Pedidos Contrapostos.
zé geraldo


O procedimento sumaríssimo previsto na L. nº 9.957/2000 não admite reconvenção, mas admite pedido contraposto. Ao defender-se, o réu poderá contestar, excepcionar ou reconvir[1].São modalidades de resposta inteiramente distintas[2].”Contestação é a contrapetição do réu:por ela,ele se defende,objetando”[3].Reconvenção é ação do réu contra o autor,no mesmo processo[4].Embora sujeita a distribuição por dependência[5],trata-se de ação autônoma do réu em face do autor,no mesmo processo,ou em apartado[6].Se a ação originária obedece ao rito ordinário,somente se admite reconvenção se também ao pedido reconvencional puder aplicar-se o rito ordinário.Se a ação segue rito especial,admite-se a reconvenção se o seu procedimento for compatível com o rito da ação ordinária porque toda ação de rito especial,depois de contestada,tramita pelo procedimento ordinário[7].Nas ações sujeitas ao procedimento sumaríssimo, contudo,não se admite reconvenção[8].Sendo ação do réu em face do autor,e devendo ser apresentada em audiência,no momento mesmo da contestação,sua admissão implicaria retardamento do procedimento sumaríssimo porque obrigaria o juiz a bipartir a audiência,abrindo ao autor-reconvindo prazo para contestação ao pedido reconvencional[9]. Conquanto seja correta a lição de que nas ações de rito especial somente se admite a reconvenção se o réu, além de reconvir, contestar a ação originária,porque toda ação de rito especial,quando contestada,passa a correr pelo rito ordinário e,ao contrário,se não contestada,conserva o rito especial[10],o art.31 da L.nº 9.099/95[11],matriz da mens legis da L.nº 9.957/2000 proíbe,expressamente,a reconvenção no procedimento sumaríssimo,mas admite a formulação de pedidos contrapostos pelo réu contra o autor,no prazo de resposta e no mesmo processo.Essa possibilidade já se acha inscrita no §1º do art.278 do CPC,quando diz ser “...lícito ao réu,na contestação,formular pedido em seu favor,desde que fundado nos mesmos fatos referidos na inicial”. Na prática, como anota TEIXEIRA FILHO[12],a única diferença entre os pedidos reconvencional e contraposto é que a reconvenção é ação autônoma,conexa com a principal,que deve ser autuada em separado,e o pedido contraposto é deduzido na própria contestação[13].No processo do trabalho,contudo,já que a reconvenção não precisa ser autuada em separado,a distinção é,tecnicamente,nenhuma. Tanto quanto a reconvenção, o pedido contraposto deve guardar perfeita conexidade com os fatos e fundamentos da ação. Ou seja:o cabimento da reconvenção supõe,necessariamente,serem comuns o objeto ou a causa de pedir da ação e,mais,identidade entre réu da ação e autor da reconvenção[14].No rito ordinário, o réu pode reconvir sempre que puder ir a juízo propor, de maneira independente, a ação mesma. Também pode reconvir quando a exceção puder exercer-se em processo autônomo. Mas nem a reconvenção nem o pedido contraposto são admissíveis se somente podem ser alegáveis como matéria de defesa[15]. Compensam-se as obrigações por dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis[16].Os arts.767 e 477,§5º da CLT,pela redação do art.10,§5º da L.nº5.584,de 26/6/70, exigem que o pedido de compensação conste da resposta e limitam-no ao equivalente a um mês de remuneração do empregado.Assim,no procedimento sumaríssimo, descabendo reconvenção,o réu poderá formular pedido contraposto pretendendo reaver do autor da ação trabalhista o crédito que diz deter em face daquele,desde que haja evidente conexidade desse pedido contraposto com os fundamentos da ação,ou pedindo dedução de tudo o que já houver comprovadamente pago,ainda que o seu crédito exceda o valor da remuneração do empregado.Compensação e dedução são matérias de ordem pública.Em atenção ao conteúdo ético do processo e aos princípios da probidade processual e do não enriquecimento sem causa,o juiz deve deferi-las independentemente de requerimento expresso da parte a quem aproveita.

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  • O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
  • 1] CPC,art.297).
  • [2] CALMON DE PASSOS. Comentários ao Código de Processo Civil,6ª edição,Vol. III,Ed.Forense,Rio de Janeiro,1989,p.291/292,explica,com a clareza costumeira,que a relação jurídica que constitui o mérito da causa tem por fundamento um fato da vida,a que o direito empresta uma dada conseqüência.Há,assim,um fato do qual deriva a relação constitutiva de mérito,que é o fundamento de fato da demanda,a sua causa de pedir,e do qual decorrem as conseqüências jurídicas,que são o fundamento de direito e o pedido.Ao defender-se,o réu pode insurgir-se contra o fato mesmo(inexistência do direito alegado)ou contra as conseqüências jurídicas pretendidas com arrimo nesse fato.Nesses casos,fala-se em defesa direta.Mas,para existir e valer como tal,a relação jurídica que constitui o mérito da causa também reclama a ocorrência de determinados requisitos que,embora não constituam aquela relação jurídica,repercutem sobre ela,obstando-lhe os efeitos,definitivamente ou não.Nesses casos,o réu não ataca os fatos em que o pedido se funda,mas opõe fatos novos,que extinguem ou impedem a pretensão do autor.A esse tipo de resposta se chama defesa indireta de mérito.Por fim,pode o réu opor-se à pretensão do autor aduzindo contra ele outra pretensão de direito material de que seja titular,conexa com o direito invocado pelo autor.A essa modalidade de resposta chama-se reconvenção,que o Professor define como a “...ação do réu contra o autor,no mesmo procedimento,oferecida como defesa,para impedir ou obstar a plena eficácia da pretensão por este formulada”.
  • [3] PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense,RJ, t.IV,p.117.
  • [4] BARBOSA MOREIRA. O Novo Processo Civil Brasileiro. Forense,RJ, ,p.52.
  • [5] (CPC,art.253,parágrafo único)
  • [6] PONTES DE MIRANDA,op.cit.,p.169.
  • [7]OSVALDO DA SILVA RICO.Da Reconvenção e da Compensação no Direito Brasileiro,Ed.Saraiva,1983,p.95.
  • [8] PONTES DE MIRANDA,op.cit.,p.182;CALMON DE PASSOS,op.cit.,p.374/375.
  • [9] CPC,art.316;CALMON DE PASSOS,op.cit.,p.374(o mesmo autor leciona,a f.375,que “o veto à reconvenção,no sumaríssimo,não impede ao réu ajuize a ação a que se julga com direito,conexa à ação do autor no procedimento sumaríssimo.Ajuizada que seja,se imporá a reunião dos processos,para simultânea instrução e julgamento,como ocorre em todo e qualquer caso de conexão”).
  • [10] OSVALDO DA SILVA RICO,op.cit.,p.95.
  • [11] Cria os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.O art.31 está assim posto,verbis: ”Art.31¾Não se admitirá a reconvenção.É lícito ao réu,na contestação,formular pedido em seu favor,nos limites do art.3ºdesta lei,desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia. Parágrafo único: o autor poderá responder ao pedido do réu,na própria audiência,ou requerer a designação da nova data,que será desde logo fixada,cientes todos os presentes.
  • [12] op.cit.p,49.
  • [13]PONTES DE MIRANDA,op.cit.,p.169,ensina que “À relação jurídica processual do autor,à conventio,o réu faz responder a sua relação jurídica processual,a reconventio,isto é,ao ângulo que se compôs com a ação do autor outro ângulo se acrescenta do réu ao juiz e do juiz ao autor,sem que as linhas sejam as mesmas.Quanto ao pedido,as duas relações jurídicas processuais se tocam:a reconvenção ocorre,isto é,a ação do réu se move,como reação à ação do autor,exatamente por ser o pedido,que nela se faz,modificativo,ou excludente do pedido do autor.Em algum ponto eles se chocam.Por isso mesmo,a reconvenção tem de ser contemporânea da contestação,porque à defesa se junta,de certo modo,a agressividade específica da ação”. [14] PONTES DE MIRANDA,op.cit.,p.176;mais adiante(f.181),diz que “a identidade do réu da ação e do autor da reconvenção é essencial”. [15] PONTES DE MIRANDA,op.cit.,p.174.
  • [16] Código Civil,arts.1.009 e 1.010)



Sem mordomia!
zé geraldo




O ministro Joaquim Barbosa(foto), do STF, disse no RE nº 233843/MG, de 1º/12/2009, que a imunidade tributária recíproca aplicável à Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), quando atua nos limites de sua adjudicação constitucional, não se estende às atividades sociais ou de assistência desempenhada pelas respectivas Caixas de Assistência. Essas entidades, apenas indiretamente ligadas às funções ontogênicas da OAB, não estão isentas de pagar IPTU. Ao que disse, a imunidade tributária recíproca é um tipo de garantia direta do Estado contra duas espécies de tensão:
a) - evitar que atividades imanentes do Estado sofram degradação pelo custo representado pela carga tributária:e
b) - impedir que o tributo seja utilizado como instrumento de pressão indireta, destinado a induzir a postura do ente federado no sentido desejado por outro membro da federação.
O que se discutia nos autos, segundo o relator, não era a imunidade da OAB, como instituição, mas de uma caixa de previdência ligada a ela, e que tinha por objetivo a prestação de serviços a seus associados. Segundo o ministro, embora as Caixas de Assistência estejam ligas à OAB por força do art.45, IV da L. nº 8.906/94(Estatuto dos Advogados), são entidades jurídicas com personalidade jurídica própria (art. 46, §4º), e que não se dedicam essencialmente à defesa da Constituição, da ordem jurídica ou do Estado Democrático de Direito. Nisso, em nada se distinguem de entidades congêneres, sejam voltadas à assistência de empregados privados ou servidores públicos. Devem pagar o IPTU como qualquer mortal.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e não goza de nenhum tipo de imunidade tributária.





Ainda as Comissões de Conciliação Prévia...
zé geraldo

O ministro Aloysio Corrêa da Veiga (foto) decidiu no E-ED-RR nº 823/2005-054-02-00-9 que a falta de submissão da lide a uma comissão de conciliação prévia não impede o empregado de ajuizar ação diretamente na Vara do Trabalho. A decisão original declarara extinto o processo, sem resolução do mérito, exatamente porque a trabalhadora não submetera a lide, previamente, a uma dessas comissões, mas a SDI-1 reverteu a situação pelo voto do relator.Segundo Aloysio Corrêa da Veiga, a submissão do litígio a uma dessas comissões é faculdade do empregado, e não obrigação, e que entender que se trata de uma nova condição da ação “ofende o direito de ação e os princípios da inafastabilidade da jurisdição e mesmo o da separação de poderes, por se tratar de obstáculo ao acesso direto à Justiça”. O próprio ministro reconheceu ter defendido tese oposta à que agora sustenta, porque supunha que o advento das comissões desafogaria o judiciário e estimularia a conciliação entre patrões e empregados, mas evoluiu nos estudos sobre o tema e está agora convicto de que se trata de simples pressuposto processual, e não condição da ação. Com seu novo posicionamento, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga mostra três das suas virtudes mais caras:
a) — que continua estudando, refletindo, questionando-se, pondo à prova as próprias convicções;
b) — que é humilde o suficiente para admitir que o posicionamento anterior não era o melhor; e
c) — que tem entre os seus propósitos se alinhar com o pensamento mais arejado sobre todos os temas, e que busca o ideal de justiça, tanto do empregado quanto doempregador.


Doutrina

No meu livro Como redigir a Petição Inicial da Ação Trabalhista de Rito Sumaríssimo,lançado pela Forense, RJ, em 2000, registrei:

§1º - Pressupostos processuais e condições da ação.

Jurisdição é a função estatal de dizer o direito (juris+dictio).É regrada(não-discricionária)e inerte(atua mediante provocação,que se dá pela instauração do processo).Não há jurisdição sem processo nem processo sem ação.A lide provoca a ação que provoca o processo que provoca a jurisdição que compõe ou elimina a lide.A ação é um direito subjetivo e abstrato de agir.Direito subjetivo é o poder jurídico de ter a faculdade de agir.Pretensão é o direito de exigir.Ação é pretensão+atividade. Exercer a pretensão é exigir a prestação.Propor ação é pedir a tutela do Estado,deduzindo um pedido.Embora a ação seja um direito subjetivo público processual,há condições legalmente exigíveis para que ela nasça e requisitos para que,uma vez nascida,o processo se desenvolva validamente,de modo a permitir uma decisão sobre o mérito.Os requisitos necessários ao exercício legítimo da ação por aquele que se afirma titular da pretensão de direito material e em face daquele de quem reclama a satisfação de sua pretensão no processo se chamam condições da ação(são:o interesse processual,a possibilidade jurídica do pedido e a legitimação para a causa).Os requisitos necessários ao desenvolvimento regular do processo de modo a permitir uma decisão sobre o mérito chamam-se pressupostos processuais.A falta de qualquer deles leva à extinção do processo,sem apreciação do mérito(CPC,art.267,IV e VI). A doutrina costuma dividir os pressupostos processuais em objetivos e subjetivos. Os objetivos dizem respeito à subordinação do processo à sua disciplina legal;os subjetivos,aos sujeitos principais da relação processual(juiz e partes).Os objetivos dividem-se ainda em intrínsecos ou positivos(porque são aptos a provocar a quebra da inércia da jurisdição)e extrínsecos ou negativos(porque impedem o desenvolvimento válido e regular do processo e,em consequência,o exame do mérito).Os intrínsecos ou positivos subdividem-se em de existência(se presentes,o processo existe como tal)e de validade(se presentes,o processo se desenvolve validamente).São pressupostos objetivos intrínsecos(ou positivos)de existência do processo(se presentes,o processo existe)a jurisdição,o pedido e as partes.

São pressupostos processuais intrínsecos(ou positivos)de validade(se presentes,o processo é válido):

a) - competência do órgão a que o dissídio é submetido.
b) - insuspeição e desimpedimento do juiz.
c) - a capacidade processual dos litigantes.
d) - inexistência de coisa julgada(CPC, arts.301 e 467).
e) - inexistência de continência(CPC,art. 104).
f) - inexistência de litispendência(CPC, art.301,V).
g) - petição inicial apta(CPC,arts.282 e 295 c/c CLT,art.840).
h) - citação regular(CPC,arts.213,214,§§1º e 2º,215 c/c CLT,art.841,§§1º e 2º).
i) - inexistência de compromisso arbitral (CPC,art.1.072).
j) - pagamento de custas em processo anterior(CPC,art.268 c/c CLT,arts.731 e 732).
l) - inocorrência de perempção(CPC,arts. 268,parágrafo único e 301,IV;CLT,arts.731 e 732).

São pressupostos processuais extrínsecos ou negativos:

a) - incompetência do órgão a que o dissídio é submetido(material,funcional ,originária ou derivada).
b) - suspeição e impedimento do juiz.
c) - falta de capacidade processual dos litigantes.
d) - coisa julgada(CPC,arts.301 e 467)
e) - continência(CPC,art.104).
f) - litispendência(CPC,art.301,V).
g) - petição inicial inepta(CPC,arts.282 e 295 c/c CLT,art.840).
h) - citação irregular(CPC,arts.213,214,§§ 1º e 2º,215 c/c CLT,art.841,§§1º e 2º).
i) - compromisso arbitral(CPC,art.1.072).
j) - falta de pagamento de custas em processo anterior(CPC,art.268 c/c CLT,arts,731 e 732).
l) - perempção(CPC,art.268,parágrafo único).

São pressupostos processuais subjetivos:
1º - quanto ao juiz:

a) - que se trate de órgão estatal investido de jurisdição.
b) - que tenha competência originária ou adquirida.
c) - que seja imparcial(desimpedido e insuspeito).

2º - quanto às partes:

a) - que tenham capacidade de ser parte(isto é,que sejam titulares de direitos e obrigações,possuindo capacidade jurídica.Ou seja:que tenham capacidade para figurar num dos pólos da relação processual).Têm capacidade de ser parte as pessoas naturais(inclusive o nascituro),as pessoas jurídicas e as pessoas formais(v.g.,massa falida,herança jacente ou vacante,o condomínio e o espólio).Capacidade de ser parte é a possibilidade de ser parte;coincide com a noção de personalidade.
b) - que tenham capacidade processual(que possuam capacidade de estar em juízo,isto é,possam exercer direitos e deveres processuais pessoalmente e praticar de forma válida os atos processuais).
c) - que tenham capacidade de postular em juízo(ou seja:as partes devem participar da relação processual através de quem tenha direito de postular em juízo).

No procedimento sumaríssimo, tanto quanto nas demais ações, as condições da ação são o interesse processual,a possibilidade jurídica do pedido e a legitimação para a causa.Aos pressupostos processuais negativos(presentes,impedem a quebra da inércia da jurisdição e a formação e o desenvolvimento válido e regular do processo)somam-se,contudo,a incerteza,a indeterminação e a iliquidez dos pedidos,a extrapolação da alçada,a demanda em face da administração pública direta,das autarquias e das fundações,a qualificação e o endereçamento incorretos do réu(CPC,art.282 e 295 c/c CLT,art.840) e a falta de pagamento de custas em processo anterior.Presentes,impõem a extinção do processo(CLT,art.852-B,I e II e §1º).

§2º - Submissão do litígio à Comissão Prévia como pressuposto da jurisdição.

A L. nº 9.998, de 12/1/2000 facultou aos sindicatos e às empresas a instituição de comissões de conciliação prévia, de composição paritária(empregados e empregadores), como forma de filtrar os conflitos individuais do trabalho,evitando,com isso,o estrangulamento dos serviços judiciários.Essas comissões são,como se disse,facultativas.O §2º do art.625-D da CLT,com a redação da L.nº9.598/2000 diz que,não tendo havido acordo,será fornecida às partes declaração da tentativa de conciliação,”...que deverá ser juntada a eventual reclamação trabalhista”.O §3º desse artigo diz que em caso relevante que impossibilite o cumprimento dessas providências preliminares ao ajuizamento da ação,essa circunstância deverá ser declarada na petição inicial.Dando aos §§2º e 3º do art.625-D da CLT a interpretação que mais lhes convém (mas contra a sua mens legis),alguns juízes têm entendido que a parte somente terá direito de ação depois de esgotada a via administrativa.Equiparam o esgotamento dessa via extrajudicial a uma esquisita modalidade de perempção de instância.O equívoco é manifesto.Essa exigência não está na lei e,se estivesse,esbarraria no princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição(CF/88,art.5º, XXXV) e no próprio art.5º,II da CF/88.Embora o art.652-D da CLT, com a redação da L.nº 9.958/2000 estabeleça que qualquer demanda trabalhista seja submetida à comissão criada no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria no foro da prestação dos serviços,nenhuma exegese honesta dessa lei pode conduzir à conclusão de que a parte somente possa residir em juízo depois de submeter o seu litígio ao crivo dessas comissões.A autocomposição desejada pela L.nº 9.958/2000 é mera potestade de patrões e de empregados e não um foro compulsório.Também não está nos limites da autonomia dos sindicatos exigir das empresas que se submetam às comissões por eles criadas nem estipular qualquer tipo de astreinte contra o patrão que ignore o chamamento ou que,comparecendo,se recuse a negociar.Ninguém está obrigado a pagar qualquer taxa pela recusa à tentativa de negociação prévia ou pela negociação inexitosa.Expedientes desse tipo devem ser coibidos com energia e rapidez,de sorte a evitar que a L.nº9.958/2000 sirva de caça-níquel para forrar a burra dos sindicatos.Caso as partes compareçam frente a uma dessas comissões e a conciliação não vingue, o §2º do art.625-D prevê o fornecimento de uma declaração com a descrição do seu objeto e o insucesso das tratativas. O fato de a parte final do artigo dizer que essa declaração “deverá ser juntada a eventual reclamação trabalhista” não implica reconhecer que se trate de documento essencial à petição inicial (CPC,art.283)ou que a parte não tenha direito de ação caso não tenha submetido previamente o litígio a essa dita comissão.O direito de ação é uma garantia constitucional e não pode ser condicionado ao esgotamento da via conciliatória extrajudicial.Sem razão, portanto,aqueles que intuem que a juntada dessa declaração à inicial tem a finalidade de permitir ao juiz a dispensa do esgotamento da via conciliatória extrajudicial e que se deva indeferir a inicial se não esgotada previamente essa conciliação,ou se,tentada,a parte não declare essa circunstância no libelo,juntando certidão. Caso a parte decida residir em juízo sem se submeter à ditadura sindical que fatalmente se instaurará por conta da criação dessas tais comissões prévias de conciliação, poderá pedir, já na inicial,que o juiz declare,incidenter tantum(CPC,arts.5º e 325),e nos limites do seu poder difuso de controle da constitucionalidade das leis ,a flagrante inconstitucionalidade do atual art.625-D da CLT.Em matéria de controle de constitucionalidade de leis, o sistema de direito constitucional positivo brasileiro é misto(nem inteiramente difuso nem inteiramente concentrado).No sistema concentrado,apenas o Supremo Tribunal Federal tem competência para declarar inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo.No sistema difuso,o exercício do controle da constitucionalidade das leis se faz por via de exceção,isto é, “qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade,em qualquer processo,seja de que natureza for,qualquer que seja o juízo”.A declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade (CPC, arts.5º e 325)faz coisa julgada entre as partes,no processo,e tem efeitos ex tunc,isto é”fulmina a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascimento” .Trata-se,pois,de sentença de conteúdo meramente declaratório.Busca-se,nessa declaração,“a verificação da existência ou não do vício que se alega”.Tal declaração não faz coisa julgada em relação à lei declarada inconstitucional,já que outro juiz ou tribunal poderá aplicá-la,se julgá-la constitucional .Declarando-a,o juiz poderá receber a petição inicial e submetê-la ao rito sumaríssimo ou ao ordinário,conforme o caso,sem qualquer das formalidades de que trata a L.nº 9.958/2000”. A decisão do ministro Aloysio Veiga me dá o alento de que eu estava no caminho certo.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.O livro acima referido está esgotado e não será reeditado, mas quem se interessar pode pedi-lo, gratuitamente,ao autor, pelo e-mail ze@predialnet.com.br









Dicas de português.
zé geraldo

• O correto é escrever “Ano-novo”, com hífen.Trata-se de expressão figurada.
Exemplos:
• O ano novo(o novo ano) promete surpresas.
• Embebedou-se no Ano-novo (na passagem do ano).

Alternativa significa “outra”. Nunca diga ”Não tínhamos outra alternativa”. Diga simplesmente ”Não tínhamos alternativa”.
• A expressão “a partir de” significa “a começar de".Não diga “começou a partir de”, pois isso significaria “começou a começar de”. Diga, por exemplo, ”A aula começou de(a partir de) petição inicial e foi até recurso”.
• “Em vigor” já significa “a partir de”. Não se diz “a lei que cria a figura do doador compulsório de órgãos humanos entrou em vigor a partir de hoje”, mas “entrou em vigor hoje”, ou “passou a viger hoje”.

• Quem aproveita, aproveita-se de alguma coisa. Logo, diz-se “aproveito-me da oportunidade”, e não “aproveito a oportunidade”.

• Algarismo romano não tem traço em cima nem embaixo.

• Não se diz “às expensas de”, mas “a expensas de”; diz-se, também,”alto e bom som”, e não “em alto e bom som”.
Exemplos:

• “O advogado pediu a produção de prova pericial a expensas da sociedade empresária, vencida na lide”.

• “A testemunha disse, alto e bom som, que o autor não foi dispensado do emprego”.

• Diz-se “assistir ao filme”. O verbo assistir exige objeto direto antecedido da preposição “a”. Quem assiste, assiste a alguma coisa. O verbo transitivo direto, sem a preposição “a”, significa “dar assistência”, “socorrer”.
Exemplos:

• Assisti ao filme que ganhou o Oscar.
• Assisti o vizinho que se machucou na piscina

• “Ascender”(com “sc”) significa subir,crescer social ou profissionalmente;”acender”(com “c”)significa incendiar.

• “Afim”(junto) quer dizer “semelhante”, corresponde a próximo, vizinho,correlato;a fim“(separado)significa para, finalidade, com o propósito de, intenção.
Exemplos:

• Direito e Moral são ciências afins(correlatas).
• Estudem petição inicial a fim de não incorrerem em inépcia(para que não incorram em).
• Ela e eu temos ideias afins(semelhantes).
• Essa lei veio a fim (com a finalidade)de coibir a usura.

• “Aja” (com “a”) é do verbo “agir”; “haja”(com “h”),é do verbo “haver”(significa “exista”).
Exemplo:

Aja sempre com dobrada atenção para que não haja erro nas petições.

• ”Aprender”(com um “e”)significa “saber”; ”apreender”(com “e“ duplo)significa “fixar”,”aprisionar”, “reter”.
Exemplos:

• O estudante aprendeu a redigir uma petição inicial.
• Desatento, não apreendeu o sentido exato da lição.
• A polícia federal apreendeu o contrabando de cigarros.
  • Acerca de” (junto) significa “a respeito de”; “a cerca de” (separado) equivale a “aproximadamente”; “há cerca de indica tempo decorrido e equivale a “próximo”, “mais ou menos”(mas nunca acrescente a palavra “atrás” à expressão “há cerca de” porque esse sentido (de tempo decorrido)está implícito).
Exemplos:

• Fizemos este módulo acerca de (a respeito de) petições iniciais.
• Este estudo interessa a cerca de (a aproximadamente) dez ou vinte advogados.
• Estudamos isso há cerca de um ano(e não “Estudamos isso há cerca de um ano atrás”).

• Quando a ideia é de tempo futuro, usa-se “a dois dias”(isto é,”daqui a dois dias”);quando a ideia é tempo passado,usa-se “”(“há dois dias”,isto é, “passados,decorridos dois dias”; da mesma forma, não diga " dois dias atrás").

• “Ambos” já quer dizer “os dois”, mas são corretíssimas,porém,as expressões “ambos os dois”ou “ambos de dois”.

• Diz-se “o almoço está na mesa” e “sentar-se à mesa”.”Almoço à mesaé ridículo e “sentar-se na mesa”(sobre a mesa),falta de educação.

• “Anexo”é adjetivo e deve flexionar-se com o substantivo.Diz-se:

• Seguem anexas as cópias da petição inicial.
• Seguem anexos os documentos autenticados.
• Segue anexo o DARF recolhido.
• Segue anexa a procuração.

• “Aonde” indica movimento e significa “lugar ao qual se vai”. “Onde” significa “lugar em que”(“no qual”)e somente se usa com verbos estáticos.
Exemplos:

Aonde foram esses advogados?
Aonde se quer chegar?
Onde (em que lugar?) se insere a prescrição?

  • Apelar significa recorrer. Recorre-se para. Logo, o correto é “apelar para”.
Exemplo:

• Inconformado, o advogado apelou para o Tribunal.

• “Aterrissar”(com “s”duplo) deriva do francês “aterrissage”; significa descer na Terra”; um robô que desça na Lua faz uma “alunissagem”; se uma nave espacial pousa no mar,amara ou amerissa.

• “Toa”, em linguagem náutica, é uma corda fina que se usa para reboque de embarcação pequena. Diz-se que a embarcação que está sendo puxada está “à toa”,isto é, puxada “através da toa”. Daí derivou a expressão ”à-toa”, para significar “inútil”, ”sem objetivo”, ”sem vontade própria", "sem nada para fazer", “puxado por alguém ou alguma coisa.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e o português que sabe dá pro gasto. Mas sem exageros!



“A nossa dor não sai no jornal”.
zé geraldo

Chico Buarque disse numa música, com a competência de sempre, que “a nossa dor não sai no jornal”. Acho que era isso. Se não for, que o Chico me desculpe a falta de memória.E não sai mesmo! Parece que só a dor dos outros sai no jornal. A dos ricos e famosos, de preferência. Pois a E.3ª Turma do STJ, no REsp.nº 1.037.759/RJ, relatado pela ministra Nancy Andrighi(foto), em 23/2/2010, mandou pagar indenização por danos morais a uma criança de três anos. Dor de gente que não sai no jornal.Deu-se o seguinte: uma clínica credenciada, alegando insuficiência do plano de saúde da criança, recusou-se a realizar exames radiológicos prescritos por um médico a fim de localizar e identificar a origem das suas dores. A ministra proveu o recurso da criança, representada pela mãe, e mandou pagar dano moral. Segundo a ministra, ainda que a criança possa ter uma maneira própria de se expressar, e perceba de modo diferente a agressão moral, nem por isso deixa de estar sujeita a medos, aflições e angústias, talvez até mesmo mais prejudiciais do que as experimentadas pelos adultos. Para a ministra, a aflição da mãe é perfeitamente compreendida pela criança, que padece junto, ou até mais. Não bastasse essa lição de psicologia forense, fez questão de ser ainda mais pedagógica: mesmo a criança de tenra idade tem direito à proteção à sua personalidade, entre os quais o direito à integridade e à higidez mental. Essa precaução com a criança se espraia até mesmo nas relações de consumo(CDC, art.6º, VI). Há culpa in diligendo da empresa de plano de saúde por escolher mal o seu credenciado. Trata-se de responsabilidade solidária(CDC, arts.7º, parágrafo único, e 25,§1º).
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).



Náufragos
                           zé geraldo



Entrei
na sua vida como
uma fragata entra no cais,
apressada,
fugindo da ventania,
e
me demorei o tempo necessário
de
calmar a marujada,
consertar o tombadilho,
costurar as velas.
Você
entrou na minha feito um cais amigo,
sossegado,
mas só demorou o tempo
suficiente
de
calmar o coração,consertar o rumo,costurar as feridas.
Eu bem que queria ter ficado um pouco mais,
conhecido suas belezas,seus mistérios,seus segredos,
mas uns nascem com destino de ir,outros de ficar.
E
agora, o que nos resta
é
esta saudade doída, funda, traiçoeira.
Feito este mar.
Tanto mar!
Porque
as pessoas são quase
sempre assim: umas nascem com destino de ir,
outras de ficar.
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O autor(foto by Rafa) é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
Ilustrações
1)-https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyMqkofPu3sKKQrh9BHuRlwZauoKEuAy22HGO1UD3bW6m3dXXOnUZdKqGY4gE73KZTEdouEiDYWGeqQqMpx8FavLYCZBJNXRZf8R37tSmVX-k3hmaEAZ_AjTAyS52Xo2dZnX3z1wbrBCw/s400/Caravela.bmp