domingo, 7 de março de 2010



Ufa!
zé geraldo


Até que enfim alguém resolveu revelar o óbvio, porque, segundo Nelson Rodrigues, “o óbvio é difícil de enxergar”. Na Justiça do Trabalho, especialmente entre as Turmas do TRT do Rio de Janeiro, há uma cultura generalizada de dizer que o depósito que o executado faz para a garantia da execução não tem a natureza jurídica de pagamento da dívida, por isso os juros da mora continuam a fluir até o efetivo levantamento do dinheiro, pelo credor, por meio de alvará judicial. Nunca pensei assim porque essa tese afronta a minha inteligência. Que nem é tanta, reconheço. Em todas as sessões em que essa engenhosa tese foi defendida por algum colega, eu o coloquei diante da seguinte situação hipotética: imagine que no curso de uma execução trabalhista, logo após a citação, o devedor efetue o depósito do valor da dívida, mas, por má fortuna, o credor morra, e antes de saber quem efetivamente representa o espólio, o juiz do trabalho não libere o depósito a ninguém. Inicia-se, na jurisdição comum, uma longa e penosa batalha para decidir quem representa o morto. Dez ou quinze anos depois, decide-se quem deve representar o espólio, e esse sujeito vem ao processo do trabalho e pede o levantamento do dinheiro. Se é verdade que o depósito não faz cessar a mora, seria justo que o representante do morto cobrasse do devedor juros de mora desde o dia do depósito até o dia em que, investido legalmente da representação do espólio, sacasse o dinheiro, por alvará? Ou, então, coloco ao colega o seguinte exemplo prático: se você devesse um empréstimo a um banco, acharia justo que o banco cobrasse juros de mora após o depósito da obrigação ou residiria em juízo para provar que com o depósito cessou sua obrigação de purgar a mora? Encurralados na própria esparrela, e diante da fragilidade das suas teses, os colegas saem sempre pela tangente: riem de mim, mas não me desautorizam com argumentos sérios, ou dizem que o meu exemplo é “absurdo”. O que eles certamente desconhecem é que a expressão “absurdo”, do latim “absurdu”, significa “contrário ao bom senso”, “contrário à razão”. Segundo Deonísio da Silva(A Vida íntima das Palavras, São Paulo:ARX,2002,p.12) , a etimologia da palavra “absurdo” é curiosa. Segundo diz, “uma coisa é absurda porque se torna desagradável ao ouvido, em dissonância. Veio daí a designação de absurdo também para o louco e, frequentemente, para rotular uma condenação geral aos discordantes, que proferem juízos desagradáveis, sem contar que certos absurdos de uma época são perfeitamente aceitos em outra. Surdos e absurdos, foram muitos os poderosos que se deram mal com toda a razão”. Pois bem. Além de não me contraporem nenhum argumento sério,ainda me rotulam de louco. Agora, pelo menos, estou em boa companhia. A Primeira Turma do STJ acabou com a ilação de que o depósito judicial tem, apenas, natureza jurídica de pressuposto da intenção de embargar, e não de pagar, por isso não interrompe a mora. O relator, ministro Luiz Fux(foto), disse que o depósito integral para garantia do juízo, como pressuposto da interposição de embargos à execução, purga a mora, isto é, impede a incidência de juros da mora a partir dali. Bom, pelo menos, a partir de agora, quem disser que a minha tese é “absurda”, sabendo ou não o significado da expressão, estará chamando de louco o próprio ministro Luiz Fux. Não conheço pessoalmente o ministro, mas penso que ele pode não gostar. E, como se diz na minha roça, se não gostar, o chumbo é grosso...


Doutrina


Confunde-se, frequentemente, retardamento com mora, o que é um equívoco. Retardamento é a mais banal das formas de mora, mas com ela não se confunde. Retardamento é atraso. Mora, retardamento culposo. Se a culpa não é elemento essencial na mora accipiendi (mora do credor), é elementar na do devedor como seu elemento subjetivo,tanto que está no Código que em não havendo fato ou omissão imputável ao devedor não incorre este em mora. O retardamento é o elemento objetivo da mora. Para haver juros por mora nas dívidas de dinheiro o credor não precisa provar prejuízo, que isso deflui da retenção do capital pelo devedor. Serve ao fundamento dessa presunção o ditado qui tardius solvit minus solvit (aquele que paga tarde, paga menos) a que PLANIOL se referiu nos comentários ao art.1.153 do Código Civil francês . No nosso, está no art.407, deste modo: “Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes”. Está em Giorgi , que mora é o retardamento culposo no pagamento daquilo que se deve ou no recebimento do que nos é devido (mora est dilatio culpa non carens debiti solvendi, vel credito accipiendi). A essa ilação tantas vezes lida — de que mora é todo inadimplemento culposo — opõe-se Agostinho Alvim afirmando que tal conceito não corresponde ao que em nosso direito se trata por mora porque somente leva em conta o retardamento (dilatio), e definir mora apenas pelo lado do retardamento é inexato porque o Código Civil põe em mora tanto o devedor que não paga quanto o credor que não recebe no tempo, lugar e forma combinados e, depois, porque supõe culpa (culpa non carens) seja na mora do devedor ou na do credor, quando é certo que a culpa só é imprescindível na mora debitoris (do devedor), mas não o é na accipiendi (do credor) . O erro do conceito residiria não só no definir mora apenas pelo ângulo do devedor (mora solvendi), já que também o credor cai em mora conquanto seja certo que dificilmente este dificulte o recebimento, senão em pressupor que só está em mora o que retarda o cumprimento da obrigação (dilatio), quando é vero que mora, reduzida à sua essência, é a imperfeição no cumprimento da obrigação, e tanto cai em mora quem retarda o pagamento quanto quem paga fora do tempo, lugar e modo convencionados, ou quem não quer receber pelo modo apalavrado, ou no tempo e no lugar em que consentiu que o pagamento pudesse ser feito. Por isso, propõe que se defina mora mais acertadamente como “o não pagamento culposo, bem como a recusa de receber, no tempo, lugar e forma devidos”. Esse conceito teria a vantagem de por aos olhos que “o elemento subjetivo culpa só dirá respeito à mora do devedor e não à do credor; as circunstâncias de tempo, lugar e forma, a uma e outra se referirão; e o termo devidos, que empregamos em lugar de convencionados, de que usa o Código, nos parece mais preciso, visto como nem sempre a mora se prende a uma convenção, bastando atentar na que se origina de responsabilidade delitual”. A mora é culpável ou não é imputável, diz a doutrina. O credor trabalhista não precisa alegar nem provar prejuízo para cobrar ao devedor por sua mora. A lei presume o prejuízo pela demora culposa do patrão ao conservar em seu poder a prestação devida ao empregado. Se a culpa é essencial na mora do devedor, mas se presume no retardamento nas dívidas de dinheiro, e cai em mora não apenas o que retarda o pagamento da obrigação, mas o que quita o débito de modo imperfeito ou incompleto, ou fora do lugar, tempo e modo ajustados, o devedor trabalhista estará em mora sempre que fizer o depósito fora da época própria em que a obrigação era devida e não foi paga, ou sempre que, tendo cumprido a obrigação pelo depósito, não a tiver acrescido da correção monetária entre o vencimento e o depósito e dos juros contados desde o ajuizamento da ação. Diz-se, usualmente, que tal e qual crédito trabalhista pago a destempo tem de ser corrigido porque o devedor não quitou o débito na sua “época própria”. Como visto, o credor não precisa alegar nem provar prejuízo porque o retardamento nas dívidas de dinheiro produz efeitos jurídicos independentemente de culpa do devedor, ou — para dizê-lo em melhor técnica —, independentemente de prova da culpa porque o retardamento imotivado é a culpa em si nas dívidas de dinheiro. A obrigação do devedor de repor ao patrimônio do credor o dinheiro indevidamente retido traz implícita a necessidade de que a quantia devolvida de modo tardinheiro corresponda tanto quanto possível ao total que originariamente era devido ao credor e os frutos decorrentes do seu rendimento natural. Isso é do senso comum. O pagamento temporão deve devolver ao credor os frutos do dinheiro de que aquele se privou por culpa atribuível ao devedor. O conceito de “época própria” estava desta forma no Decreto-lei nº 75, de 21/11/66 :

“Art 1º — Os débitos de salários, indenizações e outras quantias devidas a qualquer título, pelas empresas abrangidas pela Consolidação das Leis do Trabalho e pelo Estatuto do Trabalhador Rural, aos seus empregados, quando não liquidados no prazo de 90 (noventa) dias contados das épocas próprias, ficam sujeitos à correção monetária, segundo os índices fixados trimestralmente pelo Conselho Nacional de Economia.

......................................................................................................
“Art.2º — Considera-se época própria, para os efeitos do art. 1º:

I — quanto aos salários, até o décimo dia do mês subseqüente ao vencido, quando o pagamento for mensal; até o quinto dia subsequente, quando semanal ou quinzenal;

II — quanto às indenizações correspondentes à rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa, o dia em que aquela se verificar ou for declarada por sentença;

III — quanto a outras quantias devidas aos empregados, até o décimo dia subsequente à data em se tornarem legalmente exigíveis”.

Dispondo sobre o ponto, o art. 39,§1º da L. nº 8.177, de 1º/3/91, limitou-se a dizer:

“Art.39 — Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data do vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”.

Segundo a nova dicção da lei, não há mais uma “época própria” para cada tipo de crédito conforme a sua natureza (salários, indenizações e outras quantias devidas ao trabalhador), como estava no art.2º do DL.75/66. A nova regra aplica-se aos débitos trabalhistas de qualquer natureza, e o conceito de época própria passa a ser aquele “definido em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual”, podendo ser ou não o do art.2º do DL. nº 75/66 (para salários, até o décimo dia do mês subsequente ao vencido, quando o pagamento for mensal e até o quinto dia subsequente, quando semanal ou quinzenal; para as indenizações correspondentes às rescisões do contrato, sem justa causa, o dia em que aquela se verificar ou for declarada por sentença e, para a outras quantias devidas aos empregados, até o décimo dia subsequente à data em que se tornarem legalmente exigíveis). A “correção monetária” passou a ser o equivalente em juros representado pelo valor da TRD, tanto que o art. 39 da L. nº 8.177/91 não diz que o valor histórico do débito será corrigido de outra forma senão que os débitos de qualquer natureza (e não mais salários, indenizações e outras quantias, tomados um por um, como estava no DL.75/66) “sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data do vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”. Criada pelo art.1º da L.nº8.177,de 1/3/91, a TR(taxa referencial) é "...calculada a partir da remuneração mensal líqüida de impostos, dos depósitos a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimentos, caixas econômicas,ou dos títulos públicos federais, estaduais e municipais,de acordo com metodologia a ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional". Como, em regra, nem as leis nem os acordos ou convenções coletivos e as sentenças normativas cuidam de definir épocas próprias prevalece o senso comum de que época própria é o dia em que a obrigação era devida e não foi paga, ainda que ninguém se preocupe em saber se nessa obrigação inadimplida há apenas salários ou, além deles, indenizações e outras quantias devidas aos empregados. É esse conceito esotérico de época própria que legitima no processo do trabalho a cobrança de atualização monetária do crédito entre o tempo da obrigação (dia em que a obrigação venceu e não foi paga) e a data da atualização dos cálculos. O §1º do art.39 da L. nº 8.177/91, por sua vez, diz:“Aos débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação”. A cobrança de juros de mora após o depósito tipifica anatocismo. Anatocismo significa cobrança de juros sobre juros. Usura, portanto; vantagem indevida que a lei veda. É isso o que o empregado faz, sem tirar nem por, quando multiplica taxas de juro em vez de somá-las ao principal, ou quando cobra juros de mora sobre crédito convertido em TR, entre a atualização e o depósito se, na atualização, já embutiu taxa de juros no principal corrigido. Pior: quando insiste na cobrança de juros de mora e de correção monetária após o depósito em dinheiro. Juro é o proveito tirado de um capital emprestado, isto é, a prestação devida ao credor como compensação ou indenização pela privação temporária do capital. Numa palavra, “juro é o aluguel do dinheiro” , o fruto jurídico da coisa, e essa coisa é o capital. Pressupondo a existência do capital, juros são acessórios dele, o que leva à evidência de que, extinta a obrigação principal, extingue-se a de pagar juros porque acessória daquela Os juros podem ser compensatórios ou moratórios. Os compensatórios equivalem à recompensa do capital; os moratórios indenizam o credor pelo retardamento no cumprimento da obrigação de pagar. No processo do trabalho, os juros são sempre moratórios e legais, têm disciplina própria e contam-se, como é correntio, sobre o principal corrigido, desde o ajuizamento da ação. Para o cálculo nos processos distribuídos até 26/2/87(inclusive), os juros são de 0,5% ao mês ou de 6% ao ano, de forma simples. De 27/2/87 a 3/3/91, os juros são de 1% ao mês, capitalizados. De 4/3/91 em diante, contam-se em 1% ao mês, de forma simples, pro rata die. Para os juros simples(6% ao ano), aplica-se a fórmula juros = capital corrigido X nº de dias ÷ 6.000; para os capitalizados, há planilhas próprias, de amplo conhecimento das contadorias das Varas do Trabalho; e para os de 1% ao mês, de forma simples, a fórmula juros = capital corrigido X nº de dias ÷ 3.000. Embora os juros incidam sobre o principal corrigido, não há fundamento legal em se multiplicar as taxas segundo os créditos tenham sido corrigidos quando vigoravam juros simples de 0,5% ao mês, 1% ao mês, capitalizados, ou 1% ao mês, de forma simples. O que ocorre é que o credor soma a primeira taxa de juros (0,5% ao mês) ao principal corrigido e passa a considerar esse capital acrescido de juros como um só capital, e aplica, sobre esse crédito majorado, a segunda taxa de juros (1% ao mês, capitalizados), passando a considerar, ainda aqui, esse segundo valor como um só capital. Por fim, aplica a esse suposto crédito a última taxa de juros (juros simples de 1% ao mês), passando a exigir do devedor uma soma que não corresponde à dívida real. Adotar esse critério implica majorar artificialmente o crédito, descaracterizando a remuneração do capital, que é a essência dos juros moratórios, e oficializando a usura, o enriquecimento sem causa do credor da obrigação trabalhista. Segundo DE PLÁCIDO E SILVA, “A cobrança ou exigência de juros sobre juros acumulados não é admitida, desde que, resultante de contrato, não existe estipulação que a permita. Quer isso dizer que a capitalização de juros, isto é, a incorporação dos juros vencidos ao capital, e cobrança de juros sobre o capital assim capitalizado, somente tem apoio legal quando há estipulação que a autorize. Desde que não haja esta estipulação, os juros não se capitalizam e, em consequência, não renderão para o credor juros contados sobre eles, mesmo vencidos e escriturados na conta do devedor”. Não há tal estipulação na lei trabalhista . A doutrina diz, com razão, que,“...salvo melhor interpretação, conviveremos com formas de cálculos de juros distintas, mas em nenhuma hipótese a incidência desses juros pode ser cumulativa com a parcela do principal atualizado acrescida de uma das parcelas de juros. Esses deverão incidir somente sobre o capital, evitando a indesejável sobreposição de juros sobre juros”. Como dito, a maneira correta de calcular-se o juro da mora é somar ao principal corrigido, e não multiplicar os três quanta de juros apurados segundo as respectivas épocas de vigência das leis específicas. Assim, sobre o principal corrigido, aplicam-se primeiro os quanta de juros de 0,5% ao mês, de forma simples , apurando-se o acessório da dívida por juro da mora no período em que esse critério vigorou. Em seguida, toma-se aquele mesmo principal corrigido, mas sem acréscimo dos juros de mora até então apurados, e sobre ele aplicam-se as taxas dos juros de 1% ao mês, capitalizados, até o dia em que vigorou esse critério , apurando-se nova parcela acessória da dívida. Feito isso, e a partir de 4/3/91,toma-se outra vez aquele mesmo capital corrigido, mas, ainda aqui, sem o acréscimo da primeira e da segunda taxas de juros (0,5% ao mês, de forma simples e 1% ao mês, capitalizados) e, sobre ele, aplica-se a taxa de 1% ao mês, de forma simples, de acordo com o número de meses cuja mora se quer purgar. Por fim, já apurado o principal corrigido, e contados os juros da mora, somam-se ao principal corrigido os quanta de juros encontrados nessas três operações de cálculo(0,5% + 1% capitalizados + 1% simples). O produto é o capital corrigido e acrescido de juros segundo as taxas e critérios vigentes em cada época própria, sem enriquecimento ilícito do credor e sem empobrecimento desnecessário do devedor. Fique claro, até aqui, que concordo com a afirmação de que a TR repõe apenas a inflação do período compreendido entre o vencimento da obrigação e a data da atualização do crédito, seja porque é isso exatamente o que está dito na parte final do art.39 da L. nº 8.177/91, seja porque o §1º desse mesmo art. 39 diz que, além da TR, aos débitos assim atualizados “serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação”. Se, além da TR, o §1º do art.39 da L. nº 8.177/91 prevê incidência de juros, é claro que os juros não estão embutidos na TR, o que não significa que nisso esteja implícita autorização de que os juros passem a integrar o capital corrigido para futura sobreposição de juros. Admito, também, que se corrija o débito da época própria ao dia da apresentação do cálculo e, sobre o total corrigido, se ajuntem os juros da mora desde o ajuizamento da ação. O que não posso admitir, porque isso é sofisma fácil de desmentir, é que se o credor soma taxa de juro ao principal corrigido e converte ambos em TR, a taxa referencial continua sendo apenas a expressão da correção monetária, e não embuta juros. Não é assim, evidentemente. Se o depósito foi feito em TR, e o crédito depositado já embutia juros de mora convertidos em TR tanto quanto o principal corrigido, o devedor já quitou a obrigação porque respondeu pelos prejuízos a que sua mora deu causa, mais juros e atualização dos valores monetários, segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos. Como dito, na liquidação, o credor atualiza o débito, acrescenta juros de mora e divide o capital composto (capital corrigido + juros de mora) pela TR, passando, a partir daí, a executar um crédito convertido num valor móvel que corresponderá, no dia do depósito, ao equivalente em reais obtido da multiplicação do total de TR em que o crédito foi dividido no dia da atualização, pelo valor da TR no dia do depósito. Por esse critério, o credor dividiu em TR o capital corrigido e, também, a taxa de juros apurada entre a época própria e o data do cálculo, o que é um erro. Os juízes deveriam evitar que isso ocorresse limitando a conversão em TR apenas da parte correspondente à correção do capital, e não a da taxa de juros. É estreme de dúvida que ao somar taxa de juros a um valor corrigido monetariamente e converter o produto (principal + juros) em TR, o credor está convertendo em TR tanto o principal corrigido quanto a própria taxa de juros. Assim, sempre que multiplicar o equivalente do débito, em TR, pelo valor de qualquer TR futura, estará elevando não apenas o capital corrigido, mas multiplicando pelo mesmo valor da TR também os quanta de juros. Em suma: não está apenas repondo ao principal a parte corroída pela inflação, mas “corrigindo juros”, o que repudia a qualquer senso lógico porque correção não é pena, e sim recomposição, e juros o são, porque punem a mora e se submetem a fundamentos distintos dos da atualização monetária. Se, sobre o resultado dessa suspeita operação aritmética, a parte ainda pretender aplicar novas taxas de juros supostamente devidos entre a atualização e o depósito, estará contando juros sobre juros corrigidos, o que traduz rematado equívoco e anatocismo ainda mais perverso. Isso é uma evidência contábil, e não um sofisma jurídico. A afirmação de que a conversão do crédito em TR embute apenas correção, e não juros, apenas em parte é verdadeira. Isso é certo se apenas o principal corrigido é convertido em TR, mas não é o que de hábito se faz na liquidação. O comum é corrigir-se o débito da época própria à atualização, calcular os juros da mora até ali, somá-los ao principal corrigido e dividir ambos, principal corrigido e juros por TR e, no depósito do crédito, já em TR, contar outra vez taxa de juros da atualização ao depósito, exatamente sob esse ardiloso argumento de que a TR somente embute correção. Se a Vara converte em TR apenas o principal corrigido, haverá sempre espaço legal para recontagem de juros de mora porque, nesse caso, somente o principal estaria sendo automaticamente elevado pela multiplicação dos quanta de TR a que corresponde. Se a Vara atualiza o principal em seus valores históricos, aplica as taxas de juro até a data do cálculo e converte o produto (correção + juros) em TR, pelo valor da TR no dia do cálculo, os juros não serão devidos da data do cálculo à do depósito porque, no depósito, o devedor recolheu em TR tanto o principal corrigido quanto os juros que, somados a ele, formam agora um só capital. Não há prejuízo algum para o empregado porque o depósito convertido em TR estará sendo feito pelo valor da TR no dia do pagamento, e a “correção dos juros pela multiplicação em TR” representa, para ele, quantia superior à que receberia se apenas contasse juros da atualização ao depósito, sem os embutir no principal. Normalmente pede-se a contagem de juros e correção sobre o crédito, do depósito ao efetivo recebimento, alegando-se que pagamentos em dinheiro somente purgam a mora do devedor quando estão efetivamente à disposição dos credores, e isso se dá quando se apossam do dinheiro depois de esgotados todos os recursos ou vencidos os obstáculos processuais. Purga-se a mora:

I — por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;

II — por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data”.

É assim que está no §4º do art.9º da L. nº 6.830, de 22/9/90 , aplicável ao processo do trabalho:

“§4º — Somente o depósito em dinheiro, na forma do art.32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora”.

Vencida e não paga dívida de dinheiro, os juros da mora correm desde logo , mas a mora cessa pelo pagamento em tempo e lugar oportunos. O depósito faz cessar os juros da dívida dali por diante, mas não exonera o devedor dos juros devidos até o momento em que é feito. A culpa é sempre presumível, cabendo ao devedor a prova de que nenhum fato ou omissão a ele pode ser imputado, e sim uma impossibilidade momentânea criada pelo credor, como é o caso da interposição do agravo contra a decisão que rejeitou a impugnação à conta de liquidação”. Não está em lugar nenhum que o devedor responde pelos juros da mora após o depósito em dinheiro, pela simples razão de que o depósito faz cessar a mora e, como mora solvendi supõe culpa, a culpa pelo atraso se esvai com a entrega da quantia em juízo. Se o devedor discorda do quantum debeatur que lhe é exigido depois de liquidada a sentença, oferece bens desembaraçados e embarga a execução no prazo, forma e limites de que trata o art.884, §§1º e 3º da CLT, é evidente que não age com culpa, mas, mesmo assim, deverá responder pelos juros da mora que decorre do retardamento na quitação da obrigação de pagar. Na dívida trabalhista, a mora é ex re, isto é, vige o princípio dies interpellat pro homine, onde o “o transcurso do tempo encarrega-se de interpelar o devedor”. Se o devedor agrava de petição após a garantia da execução em dinheiro, que corresponde, exatamente, ao valor do crédito exequendo já convertido em TR, há simples meio de defesa, e não culpa ou retardamento, porque o depósito foi feito e houve purga da mora. Com muito maior razão, o devedor deve opor-se a qualquer tentativa de cobrança de juros ou de correção após o depósito, se essa quantia correspondeu ao valor homologado pelo juízo após impugnação de contas pelo empregado e é o próprio empregado quem interpõe agravo de petição. Se — admitamos um absurdo —, nos casos de agravo de petição interposto pelo patrão contra a decisão de embargos do devedor, fosse possível imputar-lhe culpa pelo fato de ter exercido o direito de recorrer, nos casos em que é o exequente quem agrava, inconformado com a decisão que lhe foi contrária, o depósito pode ser soerguido a qualquer tempo porque o que se discute é a procedência ou não de pedido de quantia superior àquela reconhecida pela empresa, mas, se somente o for após o trânsito em julgado do acórdão que decidir esse recurso, haverá mora accipiendi e, como visto, na mora do credor o devedor não pode ser inculpado. Por óbvio, se o depósito foi feito em TR e o crédito depositado já embutia juros de mora convertidos em TR tanto quanto o principal corrigido, o devedor já quitou a obrigação porque respondeu pelos prejuízos a que sua mora deu causa, além dos juros e da atualização dos valores monetários segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos. Em suma, se não há base legal para a contagem dos juros da mora da atualização ao depósito do crédito já corrigido em TR, há menos ainda em contá-lo após o depósito porque, com ele, cessam os juros da dívida. Se as partes não o fazem, sponte sua, cabe ao juiz zelar pelo conteúdo ético do processo. Por conteúdo ético deve entender-se todo aquele rol de regras morais escritas ou esperadas que disciplinam a conduta das partes, do juiz, dos peritos, dos auxiliares de justiça, das testemunhas, dos intérpretes e dos advogados na busca de um ideal de justiça, de tal modo que se possa, de fato, apaziguar a lide. Isso inclui lealdade na produção das provas, nas petições, impugnações e recursos e, fundamentalmente, no pedir apenas o que é seu. Nem mais, nem menos. Logo, com o depósito em TR cessou a mora do devedor e, daí por diante, não correm juros, porque satisfeita a obrigação. Nada agride mais a ética desejável no processo do que a constatação de que uma das partes se locupleta à custa da outra, quebrando o suum cuique tribuere e fazendo do juiz refém de artimanhas.
________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), autor de livros e artigos publicados no Brasil e na Itália(Rivista Diritto & Diritti), presidente do Conselho Consultivo da ESACS, membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, Especialista em Processo Civil pela PUC/SP.


O princípio da “insignificância” ou da “bagatela”.
(Boletim do STJ de 5/1/2010).

Em sede de habeas corpus, a 5ª Turma do STJ aplicou o princípio da insignificância e mandou soltar réu condenado à pena de um ano e três meses por ter furtado algumas peças de um ferro-velho, avaliadas em R$50,00, em set/2003. Ao reconhecer a atipicidade da conduta, a Turma acompanhou o voto do ministro Arnaldo Esteves Lima e determinou a extinção da ação penal. O princípio da insignificância, ou da bagatela, foi anunciado ao mundo jurídico por Klaus Roxin, na Alemanha, e muito depressa caiu na graça da doutrina e dos tribunais. Entende-se por “princípio da insignificância” a regra segundo a qual uma conduta humana somente será considerada penalmente condenável se, em primeiro lugar, satisfizer aos requisitos de crime, isto é, se puder ser classificada como um fato típico, antijurídico e culpável. A isso se diz “tipicidade formal”, ou seja, adequação do fato ao tipo descrito na lei penal. Uma vez tipificada a ação delituosa como crime, e satisfeito, portanto, o requisito da tipicidade formal, é preciso que a conduta, para ser criminalmente culpável, tenha também tipicidade material, isto é, que seja potencialmente lesiva a bens jurídicos relevantes da sociedade, aí incluídos a própria ordem jurídica.
Uma conduta pode ser formalmente típica, isto é, enquadrar-se na noção lata de crime, mas lesar apenas de modo desprezível um bem jurídico protegido pela ordem jurídica. Nesse caso, a conduta, inicialmente típica, antijurídica e culpável, perde a sua tipicidade material e passa a gerar um comportamento desimportante para o Direito, ou penalmente irrelevante e,pois,incapaz de dar ao Estado o direito à persecução penal. O princípio fia-se na filosofia de que o direito penal não deve se ocupar de ninharias, de bagatelas, e atuar apenas nos casos em que a lesão efetivamente alcança um bem jurídico relevante. O STJ está certo. O que deve ocupar a atenção da ordem jurídica são os ladrões da República, e não os de galinha...
________________________________________
1. O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro.
2.ilustração: http://dicionariodebordo.zip.net/images/ladrao.jpg
http://hptwitterofficialbr.files.wordpress.com/2009/11/galinha2.jpg.



O art.477 da CLT e os empregados domésticos.
zé geraldo



É mais fácil ensinar uma foca a plantar bananeiras e dar piruetas sobre uma bola colorida que fazer certos juízes enxergarem o óbvio. Há, aos punhados, julgados "ensinando" que o art.477 da CLT não se aplica aos empregados domésticos. Tudo porque o regulamento da lei dos domésticos diz que, exceto quanto a férias, a eles não se aplica a CLT (D.71.885,de 9/3/73,que regulamentou a L.5.859,de 11/12/72),“salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário“(CLT,art.7º,a). Como o art.477 da CLT não está no capítulo das férias....A L.7.855,de 24/10/89,de ordem pública, ao dar nova redação ao art.477 da CLT não mexeu no caput do artigo. Acrescentou-lhe parágrafos. O §4º do art.477 da CLT diz que “o pagamento a que fizer jus o empregado será efetuado no ato da homologação da rescisão do contrato de trabalho“. Não há restrição ao empregado doméstico. É equivocado pensar que o art.477/CLT não se aplica aos domésticos, pois se nem a CLT nem a L.7.855/89 os excepcionam, o intérprete não o pode fazer. Segundo CARLOS MAXIMILIANO(Hermenêutica e Aplicação do Direito,Ed.Forense,9ª ed.,1.981,p.109/117 e 151/156),(1º)presume-se que a lei não contenha palavras inúteis, (2º)cumpre atribuir ao texto um sentido tal que resulte haver a lei regulado a espécie a favor e não em prejuízo de quem ela evidentemente visa a proteger, e,(3º) entre duas ou mais interpretações possíveis da mesma regra de direito, deve-se preferir a que não conduza ao absurdo.
A mens legis do art.477/CLT visa a mora do patrão quanto a rescisórias. Não cuidou deste ou daquele empregado, mas da mora solvendi relativa a qualquer empregado. Acolher a tese de que o art.477/CLT não se aplica à mora do patrão doméstico significa admitir o absurdo de que o empregador doméstico possa reter indefinidamente a quitação, pois não há prazo para a fazer.
_______________________________________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro.



Incompetência Material da Justiça do Trabalho para Cobrança das Contribuições para o Sistema "S".
zé geraldo


Depois que a Justiça do Trabalho, por ação da lei, virou o arrecadador oficial dos encargos previdenciários, e cada juiz do trabalho se viu, da noite para o dia, transformado em “fiscal de tributos”, a Previdência encheu a burra e a enxurrada de ações sem pé nem cabeça inundou o foro. A Justiça do Trabalho é, hoje, sem nenhuma dúvida, a que mais arrecada dinheiro para a Previdência. Com a delegação de atribuições para que a União atue na defesa da autarquia previdenciária, centenas de ações são movidas diariamente pedindo a cobrança, na Justiça do Trabalho, das contribuições sociais destinadas a terceiros, integrantes do chamado sistema “S” — SENAC, SESI,SENAT,SEST e SEBRAE —. Entendo que a Justiça do Trabalho é materialmente incompetente para executá-las, de ofício ou a pedido, seja por interpretação elástica da EC nº 45, seja por exegese que se dê à L.nº 11.457/2007. O art.832, §4º da CLT manda intimar o INSS(União) das decisões homologatórias de acordos que contenham parcelas indenizatórias, facultando-lhe o aviamento de recurso relativo aos tributos que lhe forem devidos.A competência material da Justiça do Trabalho para cobrar a quota previdenciária, de ofício ou a requerimento do credor previdenciário, restringe-se, por adjudicação constitucional , às contribuições sociais de que se trata no art.195, I, “a” e II da CF/88, isto é, àquelas incidentes sobre a folha de salário e demais rendimentos do trabalho, pagos ou creditados, a qualquer título, a pessoa física que preste serviço remunerado, mesmo sem vínculo empregatício, assim como a do trabalhador e dos demais segurados da previdência social. É estreme de dúvida que as contribuições previdenciárias têm natureza jurídica de tributo e constituem um tipo compulsório de encargo social, de destinação específica — custeio da seguridade social —, cujo credor potencial é o INSS. As contribuições devidas ao sistema “s” somente podem ser cobradas pelos virtuais credores, entidades privadas apenas remotamente ligadas à seguridade social. A contribuição social de que trata o art.195 da CF/88 — única para a qual a Justiça do Trabalho tem competência material — é, portanto, uma contribuição social vinculada, destinada ao custeio de um fundo público gerido pelo INSS. A L.nº 11.457/2007, ao outorgar à Secretaria da Receita Federal a competência para fiscalizar e cobrar as contribuições do sistema “s”, por óbvio não ampliou a competência da Justiça do Trabalho para a sua execução compulsória. A disciplina da matéria na lei da super-receita restringe-se ao aspecto administrativo, e não ao jurisdicional, porque as contribuições devidas pelas sociedades empresárias às entidades do sistema “s” não são receitas públicas, na acepção do termo, nem têm a mesma natureza jurídica previdenciária daquelas descritas no art.195 da CF/88, e se destinam, como parece curial, a entidades privadas — SENAC, SESC, SESI, SENAT, SENAR, SEBRAE, FNDE, INCRA, SEST, DPC e Fundo Aeroviário — e nada têm a ver com a função específica daquelas outras, que é a de custeio da seguridade social.
____________________________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro.
2.Os fundamentos jurídicos em que o artigo se fia lê-se em:

  • L.nº 11.457/2007(Cria a Super-Receita).
    CF/88,art.114.
    CTN, art.3º.
    L.nº 8.212/91, art.11.
    D.nº 3.048/49 e L.nº 8.212/91, art.11, parágrafo único.
    Entidades referidas por Carlos Alberto Pereira Castro e João Batista Lazzari, Manual de Direito Previdenciário, Ed.LTr,São Paulo, 2002,p.261.
    3.A ilustração do texto acha-se em: http://guinhokiss.files.wordpress.com/2009/08/velho.jpg.




Juiz com jota...


                               zé geraldo

Se depender da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o acesso dos juízes ao Supremo Tribunal Federal(STF), a mais alta Corte do país, passará a observar um filtro mais rígido, democrático e coerente. É uma espécie de freio às indicações partidárias, sempre influenciadas por interesses de ocasião, compadrio, falta de critérios objetivos. A AMB apresentou à Câmara dos Deputados, na quinta-feira passada, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o assunto. Pela proposta, protocolizada pelo Deputado Vieira da Cunha (PDT/RS), a indicação do futuro ministro deverá observar critérios objetivos. Um golpe duro no componente político que sempre tem contaminado as indicações até agora. Michel Temer, Presidente da Câmara, empenhou sua palavra ao Presidente da AMB, Mozart Valadares, de que vai tocar o projeto com a pressa que o tema exige. A proposta estipula idade mínima de 45 anos para a indicação e pelo menos 20 anos de atividade jurídica. Os que preencherem esses dois critérios objetivos comporão uma lista sêxtupla que será submetida ao Presidente da República, e deverão obter aprovação de 3/5 dos votos do Senado, tanto na Comissão de Constituição e Justiça quanto no próprio plenário. Não pode integrar essa lista quem, nos últimos três anos, exerceu cargo eletivo, de ministro de Estado, de secretário estadual, de procurador-geral da República, de qualquer cargo de confiança no Executivo ou no Legislativo municipal, estadual ou federal, ou no Judiciário federal ou estadual, ou ainda quem tenha estado filiado a qualquer partido político. A AMB também quer que 50% dessas vagas sejam destinados exclusivamente a magistrados.
Na minha opinião, essa PEC deveria ter apenas dois artigos:

Art.1º: Só chega ao STF o juiz togado de carreira que, por concurso público,  tenha começado a vida judicante nas Varas e alcançado, por antiguidade ou merecimento, os tribunais superiores;
Art.2º: Revogam-se as disposições em contrário.
_______________________________

1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), Membro efetivo da 7ª Turma do TRT do Rio de Janeiro, da Comissão de Jurisprudência, de bancas de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, Presidente do Conselho Consultivo da Esacs, professor universitário, autor de livros jurídicos e de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália (http://www.diritto.it/).


Quando não cabe multa do art.477 da CLT.
zé geraldo


A pretexto de fazer boa exegese, o intérprete não pode ampliar o conteúdo da lei(CARLOS MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito,Ed.Forense,9ª ed.1.981).Simples diferenças de verbas rescisórias por acréscimo de horas extras ou de salários, ou meros desencontros de contas apurados ao longo do contrato de trabalho, e só aclarados no curso da instrução, ou na sentença, não podem servir de amparo ao pedido de pagamento da multa do art.477 da CLT. A ratio(razão) da regra celetista é uma só: a L. nº 7.855,de 24/10/89,de ordem pública, ao dar nova redação ao art.477 da CLT, quis punir a mora do patrão. Mora é todo inadimplemento culposo. Esses pequenos desencontros de conta não caracterizam mora, em sentido estrito.
___________________________
O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).



Valor da causa.

zé geraldo



Segundo o CPC, o valor da causa deve constar obrigatoriamente da petição inicial, sob pena de inépcia.No processo do trabalho, diferentemente, a falta de menção ao valor da causa não gera qualquer nulidade, nem mesmo no procedimento sumaríssimo, que exige pedidos líquidos e fixa alçada de até quarenta salários mínimos.Valor da causa é a soma das expressões econômicas do pedido. Como tem importância processual e tributária, o valor da causa deve corresponder ao valor do bem jurídico buscado na lide. Não existem causas inestimáveis.Não tem serventia processual o ditado, encontradiço nas iniciais, de que se fixa este ou aquele valor “para efeitos fiscais”, ”fins de alçada”, ou expressão que o valha. Quando se diz que se está fixando um valor “para fins fiscais”, essa quantia não corresponde, por suposto, à soma dos valores unitários dos pedidos, e é, quase sempre, apequenada para fraudar o fisco, pois é sobre ele que se cobram custas e emolumentos. O juiz pode, de ofício, fixar valor que lhe pareça mais consentâneo com o bem jurídico perseguido na lide.Como pode servir de parâmetro para a fixação de competência, segundo as leis de organização judiciária,ao rito do processo(ordinário ou sumaríssimo)de conhecimento,à disciplina dos recursos,às sanções processuais,às multas e aos honorários de advogado,é matéria de ordem pública e não deve ficar sujeita ao talante das partes, ainda quando nisso estejam de acordo. O autor somente está autorizado a fixar aleatoriamente um valor para a causa quando esta não tiver conteúdo imediato, e, ainda assim, o réu poderá impugná-lo.A L.nº 5.584,de 26/6/70 diz que o juiz, antes de passar à instrução, fixará o valor da causa, se este for indeterminado no pedido. Não o sendo, e mesmo que não haja impugnação ao seu valor, pelo réu, o juiz pode, de ofício, na sentença, fixar o valor que mais se aproxime do equivalente à expressão econômica dos pedidos.
____________________________

1.O autor  é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Este artigo fia-se na seguinte doutrina:

  • PONTES DE MIRANDA, Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio de Janeiro,1996,3ª ed., tomo IV,p.19;

  • BARBOSA MOREIRA, O Novo Processo Civil Brasileiro,17ª ed.,Forense,RJ,1995,p.24;
  • MONIZ DE ARAGÃO, Comentários ao Código de Processo Civil,Forense,RJ,1991,7ªed.,Vol.II,p.442;
  • HUMBERTO THEODORO JUNIOR, Curso de Direito Processual Civil,Forense,RJ,1991,3ª ed.,vol.I,p.304;
  • CPC,art.91.
  • CPC,art.275,I.
  • L.5.584/70,art.2º,§4º.
  • CPC,art.538,parágrafo único.
  • CPC,art.488,II.
  • CPC,art.20,§4º.
  • CPC,art.261.



Leasing e ICMS.
zé geraldo

O TJ de São Paulo entendeu indevido o recolhimento do ICMS sobre importação de bem móvel pelo sistema de arrendamento mercantil(leasing), quando do desembaraço aduaneiro, ao fundamento de que leasing é um tipo complexo de contrato e, no caso, não fora exercida a opção de compra, não se cuidando, portanto, de operação que envolvesse circulação de mercadoria. Segundo o Tribunal, prevalecia a prestação de serviços(LC nº 56/87). O ministro Eros Grau divergiu, advertindo que o inciso IX, alínea a, do § 2º do art. 155 da CF permite duas leituras. Uma, equivocada, daria a entender que qualquer entrada de bem ou mercadoria importada do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não fosse contribuinte habitual do imposto, fosse qual fosse a sua finalidade, atrairia a incidência do ICMS, e a outra, mais sensata, permitiria entender que qualquer entrada de bem ou mercadoria importada do exterior, mas destinada à operação relativa à sua circulação, por pessoa física ou jurídica, ainda que não fosse contribuinte habitual do imposto, qualquer que fosse a sua finalidade, sofreria a incidência do ICMS. Nos debates, afirmou-se que o contrato de arrendamento mercantil, ou leasing, é autônomo, e compreende 3 modalidades: 1) - leasing operacional; 2) - leasing financeiro e 3) - lease-back (Resolução 2.309/96 do BACEN, artigos 5º, 6º e 23, e Lei 6.099/74, art. 9º, na redação dada pela Lei 7.132/83). No primeiro caso(leasing operacional), haveria locação e, nos outros dois, serviço. Também se disse que o leasing financeiro seria modalidade clássica ou pura de leasing, certamente a mais comum, sendo a espécie tratada nos recursos examinados. Nessa modalidade de leasing, a arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega seu uso e gozo ao arrendatário(leasing operacional), mediante pagamento de uma contraprestação periódica, abrindo-lhe, ao final da locação, a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri-lo pelo preço residual combinado no contrato. No leasing financeiro, predomina o caráter de financiamento e, nele, a arrendadora, que desempenha função de locadora, é intermediária entre o fornecedor e arrendatário. O ministro Eros Grau sustentou que a lei complementar não define “serviço”, mas apenas o declara para os fins do inciso III do art. 156 da CF. Segundo ele, no arrendamento mercantil (leasing financeiro), o leasing é um contrato autônomo, mas não misto, cujo núcleo é o financiamento e não uma prestação de dar. Sendo um financiamento de serviço, sobre ele incide ISS, sendo irrelevante a existência de uma compra.
_________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).



Perigo não manda aviso!
zé geraldo.


O dramaturgo Nelson Rodrigues dizia que "o óbvio é difícil de enxergar". Nada mais exato! Existem, aos milhões, sentenças e acórdãos de tribunais do trabalho dizendo, com riqueza de argumentos, que o trabalhador que entra, ocasionalmente, em área de risco, não faz jus ao adicional de periculosidade. Os que sustentam essa tese partem de uma falsa premissa: não se pode pagar o adicional “cheio” (30% sobre o salário do trabalhador) se ele apenas episodicamente se expõe ao perigo. A tese é tão absurda que nem valeria a pena derramar sobre ela tanta tinta, mas o faço porque o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, com a lucidez de sempre, disse que tanto faz se o trabalhador entra na zona de perigo por cinco minutos ou uma hora. O risco é o mesmo, e o adicional deve ser pago por inteiro. O ministro está certíssimo. O que os juízes que não pensam como o ministro não se dão conta, é que a lógica jurídica do pagamento do adicional de periculosidade é inteiramente distinta da do adicional de insalubridade. O adicional de insalubridade é escalonado em 10%, 20% e 40% do salário mínimo porque o agente insalutífero vai minando a saúde do trabalhador aos poucos. Em certos casos, leva anos até a saúde do empregado dar sinais de que foi atingida pelo agente insalubre. Com o perigo, não! Pode ser que nada aconteça durante o dia, mas, por infelicidade, o perigo decida mostrar as suas garras justamente naqueles fatídicos cinco minutos que o empregado a ele se expôs. Por isso, tanto faz se o trabalhador entrou na área de risco por um minuto ou uma hora, por uma hora ou pelo dia inteiro. O perigo não dá aviso prévio!
O adicional, qualquer que seja o tempo de exposição do empregado ao agente perigoso, é devido sempre por inteiro. Foi isso, com outras palavras, o que o ministro Corrêa da Veiga(foto ao lado) disse no RR-145-2007-051-18-00.0, em que condenou a Companhia de Bebidas das Américas —AmBev — e a J.M Empreendimentos Transporte e Serviços a pagarem adicional de periculosidade a um empregado que trocava cilindros de gás, duas vezes ao dia, ainda que gastasse em cada operação não mais que dois minutos e meio. O que entristece não é saber que muitos juízes pensam como a sociedade empresária. O que se lamenta, mesmo, é que o próprio TST, desde 20/4/2005, quando aprovou a Súmula nº 364 de sua jurisprudência uniforme, vem dizendo isso dia após dia, e os processos continuam chegando lá com as mesmas surradas teses. O que os recorrentes querem com isso, além de afrontar diretamente o princípio constitucional de razoável duração do processo, é dizer o seguinte aos ministros: "nós não estamos nem aí para o que vocês dizem ou sumulam; nós temos dinheiro e faremos o que nos der na telha!". Para o voto ficar completo, só faltou mesmo o ministro lascar uma multa monstruosa por recurso protelatório. Aposto como da próxima vez iriam pensar duas vezes. Porque o bolso, como o disse Agostinho Alvim, é o órgão mais sensível do corpo humano. Mexe no bolso pra você ver como dói!

Doutrina

Atividades insalubres são todas as que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os trabalhadores a agentes nocivos à saúde, acima dos limites toleráveis, em razão da natureza do agente, intensidade e tempo de exposição(CLT,art.189). Atividades perigosas são aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado(CLT,art.193).Quem define os tipos de atividades e operações considerados insalubres ou perigosos é o Ministério do Trabalho(CLT,art.189). A eliminação ou a neutralização do agente insalubre decorre, primeiro, da adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho nos limites de tolerância e, depois, da utilização dos equipamentos de proteção individual(EPI). O simples fornecimento do EPI não desobriga a empresa do pagamento do adicional. É preciso que exerça severa vigilância sobre o seu uso efetivo(Súmula 289 do TST).Uma vez comprovada a insalubridade do serviço, cabe à DRT notificar a empresa para que tome as medidas necessárias à sua eliminação ou redução(CLT, arts.191,I e II e parágrafo único). Para a apuração da periculosidade ou da insalubridade, a perícia técnica, por médico ou engenheiro de segurança do trabalho, é indispensável(CLT,art.195).Empresas e sindicatos podem pedir ao Ministério do Trabalho que realizem perícias em estabelecimentos ou setores a fim de verificar a existência de insalubridade ou de periculosidade(CLT, art.195,§1º). Se a insalubridade ou a periculosidade for alegada em juízo, o juiz designará perícia, ainda que as partes não a tenham pedido(CLT,art.195,§2º). O trabalhador rural também faz jus ao adicional de insalubridade. Assim, também, trabalhadores a céu aberto(CLT,art.195 e NR 15 MTb c/c OJ nº 173 da SDI-1 do TST) e os servidores públicos federais da administração direta, autárquica e fundacional(Decreto-lei nº 1.873/81, Decreto nº 97.458/89 e L.nº 8.270/91). Não há previsão para o trabalhador doméstico. O adicional de insalubridade é devido em 10%, 20% e 40% do salário mínimo.Se o empregado trabalha em condições insalubres e perigosas, poderá optar pelo adicional de insalubridade ou de periculosidade, mas não poderá, jamais, cumular os adicionais.O fato de a perícia apurar agente insalubre diferente do indicado na inicial não afasta o direito do empregado ao seu pagamento(Súmula nº 293 do TST).O adicional de periculosidade incide apenas sobre o salário básico do empregado, e não sobre o salário acrescido de outros adicionais(Súmula nº 191, revisada pela Res.nº 121/03, do TST).O adicional de insalubridade do empregado que recebe salário profissional, por força de lei, contrato ou convenção, incide sobre o valor desse salário, e não sobre o mínimo legal.O trabalho insalubre, embora executado em caráter intermitente, não impede o pagamento do adicional(Sumula nº 47 do TST).O frentista de posto de gasolina faz jus ao adicional de periculosidade(Súmula nº 212 do STF). Assim também o diz a Súmula nº 39 do TST quando se refere aos "operadores de bombas de gasolina".O adicional de periculosidade, pago em caráter permanente, integra o salário para todos os fins(Súmula nº 132 do TST, conversão da OJ 174 e 267 da SDI-1 do TST), mas o direito ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessa com a eliminação do risco(CLT, art.194).O adicional de periculosidade não incide sobre os triênios pagos pela Petrobrás(Súmula nº 70 do TST). A recusa sistemática de uso dos equipamentos de proteção individual constitui falta grave do empregado e é motivo para rescisão do contrato de trabalho, por justa causa(CLT, 158, parágrafo único, "b").

Súmula nº 364 do TST

"Periculosidade.Exposição eventual.Permanente.
I - Faz jus ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido(ex-OJ SDI-1-05;Res.TST 129/05, DJ. 20/4/2005).
II - A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos(ex-OJ SDI-1-258)(Res. TST 129/05, DJ. 20/4/2005).
__________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Ilustração:httpp://downloads.open4group.com/wallpapers/explosao-da-bomba-atomica-62920.jpg


Até onde vai a Legitimidade do Ministério Público na Ação Civil Pública?
zé geraldo

A Quinta Turma do STJ decidiu que o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública com objetivo de declarar nulidade de cláusulas abusivas constantes de contratos de locação realizados apenas com uma administradora do ramo imobiliário. A relatora foi a ministra Laurita Vaz(foto). O TJ de Minas Gerais extinguiu o processo, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa do Ministério Público, mas o parquet apelou contra a sentença. O Ministério Público ajuizara ação civil pública pedindo a declaração de nulidade de cláusulas abusivas em contrato de locação de uma empresa imobiliária. Atenta aos arts.82, I, do Código de Defesa do Consumidor e aos arts.1º, II e IV, e 5º da L.n. 7.347/85, a ministra concordou que o MP tem legitimidade ativa para a ação civil pública, mas desde que atue na defesa de direitos individuais homogêneos que tenham repercussão no interesse público.Uma coisa é admitir a presença do Ministério Público em ação civil pública onde peça a declaração de nulidade da exigência de taxas imobiliárias para inquilinos, praxe no setor imobiliário, outra é pedir nulidade,por meio desse tipo de ação, em relação a apenas uma sociedade imobiliária. Melhor ouvir a fonte: “Assim, como bem asseverado pelo tribunal de origem (TJMG), a espécie não versa sobre direitos difusos ou coletivos, mas sobre direitos individuais homogêneos, distintos e próprios, de uma base contratual relacionada a contrato de locação onde, reiteradamente, tem-se entendido que não se trata de uma relação de consumo”. Por fim, a ministra registrou que a jurisprudência do STJ se firma no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios, pois estes são regulados por legislação própria.

Doutrina

A ação civil pública (coletiva ou de responsabilidade, segundo a doutrina), regulada pela L. nº 7.347, de 24/7/85, serve às ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente (art.1º,I), ao consumidor (art.1º,II), a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art.1º,III) ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”( art.1º, IV) e por infração da ordem econômica (art.1º, V). Ao Ministério Público incumbe a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis “(CF/88, art. 127), devendo “promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (CF/88, art. 129, III). Interesses sociais e individuais indisponíveis são todos os que, “por sua natureza essencial ao valor e à sobrevivência da pessoa humana ou da coletividade, não poderão ser objeto de renúncia, de troca ou de cessão a terceiros, ou quando a lei lhes conferir essa qualidade. Não basta, portanto, a relevância do interesse individual ou social para caracterizar sua indisponibilidade”. No caso em apreço, o STJ extinguiu a ação, sem resolver o mérito, por entender ter faltado legitimidade ativa do Ministério Público, afirmando que o parquet defendia interesses individuais homogêneos, e não interesses difusos ou coletivos.

Conceitos

Interesses transindividuais são como um feixe de interesses individuais, com pontos em comum. Não se trata de mera soma de interesses individuais independentes, pois supõem uma conexão entre eles, já que, embora indivisíveis, são compartilhados em igual medida pelos integrantes do grupo; além disso, o sistema processual de legitimação ordinária não confere meios adequados para sua defesa em juízo. A expressão transindividual está na regra do art. 81 da L.nº 8.078/90 no sentido de algo que trespassa a figura do indivíduo, que vai além da singularidade da pessoa para alcançar a todos os que se identifiquem com essa pessoa particularizada. Por sua vez, a expressão de natureza indivisível, está no texto “no sentido de que basta uma única ofensa para que todos ...sejam atingidos e também no sentido de que a satisfação de um deles ... beneficia contemporaneamente todos eles“. A indivisibilidade “...diz respeito ao objeto do interesse: a pretensão ao meio ambiente hígido, posto compartilhada por um número indeterminado de pessoas, não pode ser dividida entre os membros da coletividade“. Na conceituação de “interesses ou direitos difusos”, o legislador optou “pelo critério da indeterminação dos titulares e da inexistência entre eles de relação jurídica-base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico, no aspecto objetivo“ .Ou seja: interesses ou direitos difusos são aqueles pertencentes a uma coletividade indeterminada de pessoas, ligadas entre si não por uma relação jurídica-base, mas por uma situação de fato. Por serem indivisíveis, “os interesses difusos distinguem-se dos interesses individuais homogêneos, que são divisíveis; porque se originaram de uma situação de fato comum, os interesses difusos não se confundem com os interesses coletivos, dos que compartilham a mesma relação jurídica básica“ .Por hipótese, têm interesses ou direitos difusos todos os consumidores potencialmente prejudicados por uma propaganda enganosa ou abusiva, ou expostos ao perigo por um produto de alto grau de nocividade ou de periculosidade à saúde, posto no mercado. Se a propaganda enganosa ou a perigosidade do produto repercutirem na esfera jurídica de consumidores determinados, a ofensa deixa de ser aos interesses difusos, mas aos interesses individuais. Se repercutirem na esfera jurídica de várias vítimas, e não apenas de um, os interesses serão individuais homogêneos. Interesses ou direitos difusos são os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato“. Interesses ou direitos coletivos, “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base“. Por fim, “interesses ou direitos individuais homogêneos, os decorrentes de origem comum“. Os interesses difusos são transindividuais porque “dizem respeito a titulares indetermináveis, dispersos na coletividade; são indivisíveis, porque não se pode determinar ou quantificar o prejuízo de cada um dos lesados“. Difusos, “são interesses indivisíveis, de grupos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito preciso. São como um feixe de interesses individuais, com pontos em comum. Não se trata de mera soma de interesses individuais independentes, pois supõem uma conexão entre eles, já que, embora indivisíveis, são compartilhados em igual medida pelos integrantes do grupo; além disso, o sistema processual de legitimação ordinária não confere meios adequados para sua defesa em juízo“.

O Ministério Público nas Relações de Trabalho

Na esfera das relações de trabalho, o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública para a defesa dos interesses individuais disponíveis, ainda que homogêneos, mas tão-só para a salvaguarda de interesses difusos e coletivos. Da mesma forma, não tem legitimação ativa para propor ação civil pública para a defesa ou proteção de interesses individuais homogêneos, ainda que tratados coletivamente, segundo a sua origem comum. Nesses casos, os membros de classe ou grupo são titulares de direitos subjetivos, divisíveis por natureza. Trata-se de um feixe de interesses individuais que podem ser tratados coletivamente, o que não impede que cada um dos potencialmente atingidos possa ingressar em juízo autonomamente. Nos interesses ou direitos individuais homogêneos, “os titulares são determinados ou determináveis, sendo que o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável“. Os interesses “só serão verdadeiramente difusos se impossível identificar as pessoas ligadas pelo mesmo laço fático ou jurídico, decorrente da relação de consumo (como os destinatários de propaganda enganosa, veiculada em painéis publicitários, pelos jornais, revistas, ou pela televisão”. Segundo a regra dos arts.81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, e art.25,IV da L.nº 8.625/93, o Ministério Público é parte legítima para propor ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos, ainda que disponíveis, nas relações de consumo e, mesmo assim, se esses direitos tiverem suficiente abrangência ou repercussão social. A defesa de interesses de “meros grupos determinados ou determináveis de pessoas só se pode fazer pelo Ministério Público quando isso convenha à coletividade como um todo, respeitada a destinação institucional do Ministério Público”.
____________________________________________
1.O autor é juiz do trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ.
2.Os fundamentos jurídicos constantes da "Doutrina" leem-se em:


  • MIGUEL REALE, “Consulta sobre o Decreto n.430/92 e o cabimento de ação civil pública para assegurar , aos aposentados e pensionistas da Previdência Social , reajuste em seus proventos”, in Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública, coordenação de ARNOLDO WALD, Ed.Saraiva,2003.
  • KAZUO WATANABE, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor , Ed. Forense, 6ª ed.,1999.
  • L.nº 8.078/90.
  • HUGO NIGRO MAZZILI, A defesa dos interesses difusos em juízo, Ed.Saraiva, 1996,3ª ed.
  • HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Ação Civil Pública, in Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública, coordenação de ARNOLDO WALD , Ed. Saraiva,2003.



Questão bizantina.
zé geraldo.

A SDI-1 do TST está às voltas com mais uma questão bizantina. “Discussão bizantina”, para quem não sabe, é uma expressão cunhada com clara intenção pejorativa para definir aqueles concílios estéreis realizados em Bizâncio, atual Istambul, na Turquia, onde reis, imperadores e papas se reuniam para discutir frivolidades, que, para a época, provavelmente por falta do que fazer, pareciam relevantes, como por exemplo se os anjos tinham sexo e se índio tinha alma. No caso, a SDI-1 discute se o gerente de agência bancária tem direito a horas extras pelo trabalho executado além das oito horas normais de qualquer trabalhador. Interpretam, a seu modo, a Súmula nº 287, da própria Corte, e que diz que o gerente bancário não faz jus a horas extras. A questão é tão simplória que chega a entristecer o fato de uma Corte Superior composta por juízes de tão larga experiência ainda perder tempo com ela, quando há tantas e tão mais complexas questões ainda pendentes de solução.Deixem-me expor meu ponto de vista, na vã esperança de que algum Ministro, zapeando nas horas mortas pela web, se depare, por acaso, com o meu pobre blog, e decida ler o que eu escrevo, com aquela isenção que se espera dos homens de alma desarmada: a questão do horário do trabalhador bancário está dividida em dois flancos, facílimos de entender: se o bancário não ocupa nenhuma função de confiança, isto é, se é desses trabalhadores que compõem a massa de manobra do banco, úteis, como todos, mas sem nenhuma expressão dentro da hierarquia do sistema, o seu módulo diário de trabalho será de seis(6) horas. É assim que está no art.224 da CLT. Até aí, nenhum problema. Mas o §2º do mesmo art.224 da CLT diz que essa jornada de seis horas não se aplica ao trabalhador bancário que exerça função de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhe outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação (de confiança)não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.A coisa, aparentemente, começa a se complicar: se, para todos os bancários, a jornada é de seis horas, menos para esses descritos no §2º do art.224 da CLT, então qual é a jornada desses bancários que estão fora da regra geral do art. 224 da CLT? O art.224 da CLT não diz.Bem, aí, normalmente, os intérpretes pulam para o art.62, II da CLT, que diz que não estão abrangidos por ela —a CLT—, os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. O parágrafo único do art.62, II da CLT diz que o regime previsto nesse Capítulo(que é o Capítulo II, que trata da Duração do Trabalho)será aplicável aos empregados descritos no inciso II(os tais gerentes) quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%. Ou seja: a) — se o bancário não tiver qualquer função de confiança, sua jornada será de seis horas; b) — se tiver função de confiança e a gratificação for inferior a 40%, aplica-se o Capítulo II e a sua jornada também será de seis horas; c) — se exercer qualquer daquelas funções descritas no inciso II do art.62 da CLT e a gratificação de função for igual ou superior a 40% do salário efetivo, sua jornada não será mais de seis horas, mas não está dito em lugar nenhum qual será então a sua efetiva duração. É aqui que começa a bagunça! Os patrões entendem que como esses empregados não estão sujeitos a seis horas diárias, podem trabalhar 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24 horas por dia, podem passar semanas e meses inteiros trabalhando sem parar porque tudo já está regiamente pago por aqueles caraminguás equivalentes a 40% do valor do salário do cargo efetivo. Cristo crucificado! É óbvio que não é assim! Para quem sabe ler, eu recomendo a leitura do art.7º,XIII da Constituição Federal, onde está dito que se assegura a todo trabalhador, “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. A questão bancária deve ser interpretada assim: se o trabalhador bancário não detém função de confiança, sua jornada de trabalho será de seis horas, e tudo o que trabalhar além disso,por dia, deverá ser considerado hora extraordinária e remunerado com acréscimo mínimo de 50%, como está no art.7º,XVI da Constituição Federal, se outro percentual mais benéfico não constar do contrato individual de trabalho ou das normas coletivas da categoria; se o empregado ocupar função de confiança, dentro daqueles limites traçados no inciso II, parágrafo único do art.62 e no §2º do art.224 da CLT, seu módulo de trabalho será de oito horas por dia, e quarenta e quatro semanais, e serão consideradas extraordinárias todas as horas excedentes desses limites, e deverão ser pagas com o adicional mínimo de 50%, ou outro maior, se previsto em contrato ou norma coletiva. Pouco importa se o gerente marca cartão, se tem procuração, se negocia pelo banco, se pode contratar, punir, advertir ou dispensar empregados sem consultar ninguém, se tem a chave da agência ou se tem a chave do cofre. Nada disso vem ao caso! O que importa saber é que somente se lhe pode exigir trabalho por oito horas por dia. Fora disso, ou é escravatura ou é hipocrisia. Mas que o trabalho extraordinário tem de ser pago com acréscimo, ah, isso tem!
_______________________________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, de bancas de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, Presidente do Conselho Consultivo da Esacs, professor universitário, autor de livros jurídicos e de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália (www.diritto.it).


Férias coletivas
zé geraldo



As férias podem ser individuais ou coletivas. “Coletivas” são as deferidas a todos os empregados de uma empresa, ou a determinados setores ou estabelecimento da empresa. Em regra, as empresas põem seus empregados em férias coletivas no final do ano para coincidirem com os períodos do Natal e do Ano-Novo, ou por razões estratégicas: retração de mercado, escassez de matéria-prima, diminuição da produção, crise interna, passivo a descoberto, estoques baixos, crise globalizada. Ao contrário das férias individuais, que são direito de todo trabalhador após o período aquisitivo, isto é, após doze meses de trabalho na mesma empresa, as férias coletivas são uma faculdade do empregador. Como faculdade do patrão, é ele quem decide a época em que serão concedidas, a sua duração e o setor ou setores da sua empresa que serão por elas beneficiados. Assim como as férias individuais, as coletivas podem ser fracionadas em até dois períodos anuais, mas nenhum deles poderá ser inferior a dez dias corridos. Os trabalhadores menores de 18 anos e os maiores de 50 não poderão ter suas férias fracionadas. Para eles, as férias coletivas deverão ser concedidas de uma só vez. Se desejarem, os membros de uma mesma família que trabalharem na mesma empresa têm o direito de usufruir das férias coletivas ao mesmo tempo, exceto se isso resultar em algum prejuízo ao bom andamento dos serviços empresariais. O estudante, menor de 18 anos, pode fazer coincidir suas férias com as férias escolares. Essa é a regra geral do §2º do art.136 da CLT, e se aplica, em princípio, também às férias coletivas. Segundo a melhor interpretação que se faz do §1º do art.134 da CLT, o fracionamento pode ser feito pelo patrão mesmo que não haja nenhuma circunstância excepcional a recomendá-lo. Como dito, é o empregador quem decide. O empregador não precisa consultar os empregados sobre o melhor período para a concessão das férias coletivas. Decide segundo o interesse da empresa. Ao contrário do que ocorre nas férias individuais, em que as faltas ao trabalho no período aquisitivo influem na duração das férias, as faltas do empregado no curso do período aquisitivo não podem ser descontadas pelo patrão das férias coletivas. O empregador deve comunicar ao órgão local do Ministério do Trabalho e ao sindicato da categoria, com antecedência mínima de 15 dias, o início e o fim das férias coletivas, e especificar quais setores ou estabelecimentos da empresa desfrutarão do benefício. O descumprimento dessa formalidade é causa de multa administrativa, mas não invalida a concessão das férias. Por lei, as microempresas e as empresas de pequeno porte precisam comunicar a concessão de férias coletivas aos sindicatos da categoria e à Delegacia Regional do Trabalho. Empregados com menos de 12 meses de trabalho na empresa gozarão férias coletivas proporcionais. O período de férias coletivas é contado como tempo efetivo de trabalho. Durante as férias coletivas o empregado deve receber seu salário normalmente. O que se suspende é apenas a prestação do trabalho, por conveniência do empregador. Se a jornada do empregado é variável, apura-se a média do período aquisitivo, aplicando-se o valor do salário na data da concessão das férias. Se o salário for pago por peça ou tarefa, paga-se com base na média da produção do período aquisitivo das férias. Se o salário for pago por percentagem, comissão ou viagem, apura-se a média dos ganhos do empregado nos doze(12) meses que precederem a concessão das férias.Os adicionais de horas extras, noturno, insalubridade ou periculosidade são computados no salário para cálculo das férias coletivas.
________________
O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).