sábado, 15 de maio de 2010

Direito Tributário — Moinhos de vento.
O STF e a Procuradoria-Geral da República não se entendem. O STF quer porque quer editar a Súmula de Efeito Vinculante nº 29, que proíbe a instauração de ação penal por crime contra a ordem tributária enquanto estiver pendente a mesma discussão sobre o tributo na via administrativa. A PGR é contra. De acordo com o STF, não se pode tipificar como crime contra a ordem tributária, de acordo com o que está no art.1º, incisos I a IV da L.nº 8.137/90, nenhuma conduta fiscal, antes do lançamento definitivo do tributo. Para a Suprema Corte, o lançamento definitivo do tributo é condição objetiva para a qualificação do crime contra a ordem tributária nos casos em que se constata fuga de receita tributária decorrente de redução ou de supressão de tributos. No parecer que enviou ao STF, o Procurador-Geral Roberto Gurgel é contra a proposta da edição da súmula. Segundo ele, a tipificação de crime contra a ordem tributária, nos casos de que a súmula trata, depende de uma outra condição objetiva, que é ter ou não ter havido redução ou supressão de tributos, e não do lançamento feito pela autoridade fiscal. Para o Procurador, o lançamento tem, apenas, o objetivo de dar exigibilidade ao crédito tributário, e não necessariamente o de apontar condutas fraudulentas que possam tipificar crime contra a ordem tributária. A meu ver, a razão está com o STF. O argumento do Procurador-Geral assemelha-se a uma tautologia, ou petição de princípio. Seu raciocínio, por brilhante que seja, anda em círculos. Diz, por exemplo que, ao contrário do que o STF pensa, o lançamento não tem o objetivo de tipificar a conduta fraudulenta do empresário como crime contra a ordem tributária, de acordo com a definição de crime fiscal que está no art.1º da L.nº 8.137/90, mas apenas o de conferir exigibilidade ao crédito tributário. Ora, trata-se de uma ilação, de um jogo de palavras. Se o crédito tributário somente pode ser exigido com o lançamento, já que o próprio Procurador admite que é o lançamento que confere exigibilidade ao crédito tributário, exigir o tributo, ou qualificar a redução ou a supressão do tributo como crime, antes que essa questão esteja resolvida na via administrativa, isto é, justamente na fase de lançamento do tributo, é botar o carro na frente dos bois. A intenção do Procurador-Geral é boa. Boa mas ingênua. Sustenta, por exemplo, ser inviável subordinar a ação penal à conclusão do procedimento administrativo-fiscal porque muita vez a autoridade fiscal é induzida a erro por esquemas de fraudes ou não dispõe sequer de indícios para apurá-la, ao contrário do Ministério Público que pode, até mesmo baseado em indícios, pedir a quebra do sigilo fiscal e bancário de pessoas físicas e jurídicas envolvidas ou presumivelmente envolvidas em fraudes. Data venia, mas o Procurador confunde efeito com causa. Se o Fisco não tem estrutura para conter fraudes, que se aparelhe, que se oxigene, que limpe dos seus quadros quem não presta e bote ali gente que presta. O que não pode é criminalizar todo mundo, no atacado, para que, no varejo, cada um prove ser inocente. Imagine-se que em certa situação se inicie a ação penal por suposto crime contra a ordem tributária por redução ou supressão de tributo — emissão de notas fiscais frias, por exemplo —, que, depois, se soube inexistente. Isso é mais comum do que se pensa. Fatalmente a sociedade empresária ou o contribuinte direto terá tido um abalo de crédito, um arranhão na sua imagem corporativa, um prejuízo indireto por vedação à participação de concorrências, empréstimos, negócios internacionais, para dizer o mínimo. Obviamente, num caso desses, um advogado mediano tiraria do erário uns bons cobres pela ganância e pela precipitação do Fisco. Parece-me que a proposta de Súmula Vinculante nº 29 aplica, em matéria tributária, aquele velho brocardo popular: ninguém é culpado até prova em contrário.

ilustração:Dom Quixote(Romanelli), disponível em http://images.google.com/imgres?imgurl=http://www.dialogos-impertinentes.blogger.com.br/tn_225%2520dom%2520quixote%2520romanelli.jpg