sábado, 6 de março de 2010




Dano Moral por Falsa Imputação de Falta Grave.
Zé Geraldo


A I Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST decidiu, no julgamento dos embargos declaratórios interpostos em recurso de revista (E-RR-1.695/2003-003-16-00.0), relatados pela Ministra Cristina Peduzzi, que o empregado dispensado sob acusação de improbidade administrativa, da qual foi inocentado, não tem direito a dano moral. Um ex-empregado da Caixa Econômica Federal foi dispensado por falta grave de improbidade. A acusação não foi provada no processo e a CEF condenada a pagar as verbas resilitórias. A Vara julgou improcedentes os pedidos de reintegração e de danos morais pela acusação de improbidade. O empregado interpôs recurso ordinário, mas o TRT da 16ª Região manteve o julgado. Inconformado, o autor interpôs Recurso de Revista, que a Quarta Turma do TST conheceu apenas quanto aos danos morais, mas lhe negou provimento. Ainda insatisfeito, o empregado interpôs embargos de declaração para a SDI-1, relatados, como dito, pela Ministra Cristina Peduzzi, que manteve a decisão da Vara e o acórdão do TRT. Até onde me é possível entender, a ministra negou provimento ao pedido de indenização por danos morais argumentando que a improbidade não confirmada em juízo não configuraria, automaticamente, direito a qualquer tipo de compensação para o ex-empregado. Segundo a ministra. “Para reconhecer o direito à indenização por dano moral, ainda que desconstituída judicialmente a dispensa por justa causa, seria necessária a constatação ilícita do empregador, o dano provado e relação de causalidade ente um e outro”. Desculpe-me, Ministra, mas não é assim! Para escapar às indenizações pela terminação imotivada do contrato, ou livrar-se do empregado protegido por algum tipo de garantia de emprego, não é incomum o mau patrão resilir contratos de trabalho imputando falsamente ao trabalhador a prática de uma ou mais faltas graves. Chamado, o acusador, a juízo, muito depressa descobre-se que a imputação era um embuste. Afastada a justa causa, condena-se o patrão ao pagamento atualizado da indenização correspondente. Do que pouco se fala é que, nessas hipóteses, a decisão condenatória não repara suficientemente o trabalhador porque a falsa imputação de um crime cria ela mesma um dano acessório que também reclama compensação. Nos casos de falsa imputação de fato definido como crime, o delito empresário é de calúnia. Nos demais, ou fere a dignidade ou o decoro do trabalhador, e o crime é de injúria, ou atinge a sua reputação, e o delito será de difamação. Todas essas falsas imputações tipificam crimes contra a honra do empregado, mas a sequela moral deixada pela insinuação mentirosa perde-se na aparente entrega da prestação jurisdicional.

Falta grave e justa causa

A falta grave é o crime no contrato de trabalho. A CLT não esboça seu conceito. Contenta-se com um rol exemplificativo das que podem ser praticadas tanto pelo empregado quanto pelo patrão. Há outras, na própria CLT ou na legislação esparsa, que também rompem o vínculo de emprego. Dou exemplos: a do art.508 da CLT: considera falta grave do bancário a mora contumaz no pagamento de dívidas legalmente exigíveis; a do art. 158, parágrafo único, “b” da CLT: reputa falta grave a recusa do empregado em utilizar equipamentos de proteção individual; a do §3º do art.7º do D. nº 95.247, de 17/11/87, que regulamentou a L. nº 7.418/85: pune o mau uso do vale-transporte.O contrato de trabalho arrima-se na fidúcia. “Fidúcia” provém de fiducia, de fidere, confiar, que equivale a confiança ou fidelidade, para expressar cumprimento pontual, exatidão, exação. O termo conserva a raiz latina de “algo que se dá em confiança de alguém”. Aplicado, o conceito, ao contrato de trabalho, significa que, esvaída a fidúcia, elemento imaterial da relação de emprego, se esvai o contrato mesmo. Esse é o único paradigma objetivo: haverá justa causa para o desfazimento do contrato sempre que o empregado ou o patrão cometerem uma falta, de tal modo grave, que impeça a continuação da relação de emprego, pela perda imediata e irreversível da confiança. "Justa causa” e “falta grave” são conceitos distintos e imprecisos. Justa causa é o efeito que decorre de um ato ilícito do empregado ou do patrão quando violam obrigação legal ou contratual. A expressão “causa“ não tem sentido jurídico, mas popular, e “justa“ ou “injusta” será a consequência do despedimento, e não a própria razão para a dispensa do empregado, ou para a terminação do contrato, por iniciativa dele, quando o ilícito é imputável ao patrão. O conceito de gravidade de uma falta é volátil. Há um exemplo clássico: se o patrão põe um aviso com os dizeres “proibido fumar“, numa loja de mármores, e o empregado desobedece e fuma, há uma transgressão disciplinar sem qualquer relevância. Mas, se esse mesmo aviso é desobedecido numa fábrica de explosivos, de gases, ou numa refinaria de petróleo, a infração passa a ser gravíssima. Ao sopesar a gravidade da falta, o juiz deve ler a questão objetiva e subjetivamente. Objetivamente, leva em conta as circunstâncias e os fatos envolvidos na sua prática, como o local e o momento do seu cometimento; subjetivamente, toma em consideração a personalidade do empregado, seus antecedentes funcionais, tempo de casa, cultura, grau de discernimento sobre a falta e suas consequências. Os elementos objetivos dão ao juiz a intensidade da falta; os subjetivos, mostram até que ponto a confiança que une patrão e empregado foi efetivamente abalada.

Requisitos da justa causa

São três os requisitos da justa causa: gravidade da falta, atualidade e relação de causalidade (nexo etiológico). Justa causa exige falta grave, de modo a impossibilitar a manutenção do vínculo pela quebra imediata e irreversível da confiança. A falta deve ser atual. Se o contrato sobrevive ao ato faltoso, a confiança não foi abalada e não há falta grave. Presume-se que a parte inocente renunciou ao direito potestativo de resilir . Conta-se a atualidade da falta do momento em que aquele que tiver poderes para punir tomar conhecimento do ato faltoso, e não do momento em que a falta foi cometida . Por fim, exige-se nexo de causalidade entre a falta e a rescisão do contrato: a falta grave imputada a qualquer das partes do contrato deve ser a causa determinante da resilição.Alguns exigem, ainda, imediatidade ou imediação na punição. Sustentam que a falta deve ser punida imediatamente, sob pena de se presumir a sua pouca gravidade. Isso é um erro. O tempo decorrido entre a falta e sua punição é variável e nem de longe permite a aferição da sua gravidade. Não há critério legal para se aferir imediatidade, e tudo depende do tipo de falta, da repercussão dos seus efeitos na fidúcia do contrato, do grau de organização dos serviços e da complexidade do empreendimento empresarial. Por fim, a punição não pode ficar além ou aquém da gravidade da falta, mas o juiz não pode dosar a pena. Não se admite dupla punição pela mesma falta, tanto que se certa falta já foi punida com suspensão, ou advertência, não pode servir de fundamento para a dispensa por justa causa . O patrão só pode converter dispensa por justa causa em dispensa sem justa causa com o consentimento do acusado, sob pena de prevalecer a primeira motivação .

Abuso do direito

A figura do abuso de direito é criação da jurisprudência francesa. Seu estudo pertence à esfera da responsabilidade civil. Quem abusa não atua sem direito, mas no âmbito de uma faculdade que pode tanto se referir a um direito autônomo de agir quanto resvalar na pura ilegalidade da ação, o que equivale a agir na ilicitude ou na completa carência do direito. No ato abusivo há violação do fim econômico ou social do direito. A ilicitude do ato praticado com abuso do direito possui natureza objetiva, aferível independentemente de culpa ou dolo porque o abuso afeta a própria juridicidade do direito exercido nessas condições. Empresa é a atividade que contrata, assalaria, dirige o serviço e corre o risco do negócio . É uma realidade econômica despersonalizada, que organiza os meios de produção — terra, capital, trabalho —, por meio do empresário, para a produção de bens e serviços voltados para o mercado. Essa ideia de hierarquização legitima o direito potestativo do patrão sobre o contrato de trabalho e os seus poderes disciplinar e diretivo. No exercício desse poder diretivo, muita vez o empresário age com abuso do direito. O abuso do direito é um ato ilícito que traduz exercício anormal da faculdade de execução do contrato de trabalho. Ato ilícito não exige prova da culpa. Antes de configurar abuso do direito, a falsa imputação de falta grave é crime. O empregador que dispensa empregado imputando falta grave de dano ,furto , roubo , extorsão ,apropriação indébita, lesão corporal contra colegas de trabalho, seus prepostos, parentes ou diretores, assédio sexual a colegas, diretores ou clientes, violação de correspondência , inclusive e-mail ou qualquer outra forma de correspondência digital, ou divulgação de segredo , entre outros, exerce de forma anormal o direito potestativo de gestão do contrato.A sentença que desfaz a falsa imputação de falta grave apenas repõe o contrato ao statu quo ante, pois condena o acusador ao pagamento daquilo que seria devido se a imputação leviana não tivesse sido feita, mas não repara a sequela que sobra da lesão moral pela acusação falsa. Como invasão ilícita do patrimônio subjetivo do trabalhador, a falsa acusação somente será suficientemente reparada se, além da desconsideração da falta grave, o acusador for responsabilizado pela reparação da dor moral presumivelmente sofrida com a inculpação da falsa conduta desabonadora.

Falsa imputação de falta grave

Toda falsa imputação de falta grave configura crime contra a honra do trabalhador. São crimes contra a honra a calúnia, a injúria e a difamação. Na calúnia, imputa-se falsamente a alguém fato definido como crime. A calúnia pode ser praticada por qualquer meio e exige dolo específico de ofender. Falsa imputação de contravenção, ou de fato verdadeiro, não tipifica crime de calúnia. O crime de calúnia exige que o fato imputado seja falso e, ao mesmo tempo, definido como crime. A calúnia fere a honra objetiva da vítima, isto é, sua reputação, o prestígio que desfruta entre seus iguais. Comete tal crime tanto quem imputa falsamente o fato criminoso quanto quem, sabendo-o falso, o divulga. É delito comissivo, formal, doloso e instantâneo, isto é, consuma-se no momento em que chega ao conhecimento de terceiros, além do próprio ofendido. O crime de calúnia pode alcançar os mortos , os de má índole e, para alguns, até mesmo as pessoas jurídicas. Injuriar é ofender a dignidade ou o decoro de alguém. Fere-se a honra subjetiva da vítima, o conceito que faz de si própria. Na injúria, não se imputa fato, mas exterioriza-se um juízo de valor ofensivo à honra da vítima. É crime comum, doloso, formal e instantâneo. Não se exige que seja praticada na presença do ofendido. Basta que lhe chegue ao conhecimento. Difamação é imputação de fato ofensivo à reputação. Fere a honra objetiva da vítima, isto é, o conceito que se tem dela nos grupos que frequenta. O fato imputado precisa ser certo. O crime consuma-se mesmo que o fato seja verdadeiro. O dolo específico é o de ofender. É delito comum, doloso, formal, comissivo e instantâneo. Atinge, também, as pessoas jurídicas. Em todos os crimes contra a honra, aumenta-se a pena em um terço se cometidos na presença de pessoas, ou por meio que facilite a sua divulgação. Apurado o crime, a denúncia ao Ministério Público é obrigatória.

Faltas graves em espécie

Como dito, nem todas as faltas graves estão previstas nos arts. 482 e 483 da CLT. Há outras, espraiadas na própria CLT e na legislação extravagante. Das faltas graves enumeradas no art.482 da CLT, tipifica crime de calúnia a falsa imputação de improbidade, condenação criminal, violação de segredo de empresa, ofensas físicas praticadas em serviço contra o empregador, superiores hierárquicos ou qualquer outra pessoa e atos atentatórios à segurança nacional. Configura crime de injúria, mas pode também caracterizar difamação, a falsa imputação de incontinência de conduta e mau procedimento, negociação habitual, desídia e indisciplina e insubordinação. Por fim, é crime de difamação a falsa imputação de embriaguez habitual ou em serviço, abandono de emprego e prática constante de jogos de azar. Fora desse rol, haverá crime de difamação na falsa imputação da prática de falta grave do art.508 da CLT, relativamente aos bancários, na do §3º do art.7º do D. nº 95.247, de 17/11/87, que regulamentou a L. nº 7.418/85 e na do art.158, parágrafo único, “b” da CLT.

Improbidade

Falsas acusações de improbidade são comuns no processo do trabalho. Probo quer dizer honesto; ímprobo, desonesto. Improbidade é desonestidade, um desvio de conduta. O conceito de desonestidade é moral, e não jurídico. Improbidade é a violação de um dever legal, contratual, social, moral ou ético que repercuta negativamente no ambiente de trabalho. É desonesto tanto quem furta, extorque, apropria, recepta, corrompe ou rouba quanto quem age com má-fé, vilania, dissimulação, fraude, dolo etc. A doutrina trabalhista, todavia, restringe a justa causa por improbidade aos casos em que há subtração ou dano aos bens materiais do patrão, de algum vivente da casa ou de outro colega de trabalho . Diferentemente de algumas outras faltas graves, que exigem, para a sua conformação, repetição ou sequência de atos irregulares do empregado, a improbidade é falta que se consuma num único ato. Improbidade não comporta graus. Ninguém é mais ou menos honesto. Pouco faz se essa desonestidade aflorou durante o serviço ou fora do local de trabalho. Pode haver dispensa por justa causa por improbidade ainda que a conduta desonesta do empregado não tenha qualquer nexo com a relação de emprego. O que conta é a gravidade da falta e o grau de abalo da confiança que liga patrão e empregado, e não o local onde foi cometida.Atos de improbidade têm, em regra, dois momentos: um intencional (psicológico) e um material. No intencional, a desonestidade ou não é revelada (e, nesse caso, a falta não chega a se configurar), ou é revelada por indícios, pela intenção de apropriar-se do patrimônio alheio; no material, o empregado afasta-se da mera conjectura para, efetivamente, apossar-se do que não é seu. Não é preciso que haja prejuízo efetivo ao patrimônio do patrão para que a improbidade se consume.

Má conduta e mau procedimento

Mau procedimento é a mais ampla das justas causas. Toda incontinência de conduta é uma forma de mau procedimento, mas nem todo mau procedimento é um tipo de incontinência de conduta. Esses dois tipos de falta grave não se confundem. Linguagem chula entre colegas, em ambiente cortês, especialmente na frente de crianças, mulheres ou idosos, palavrões, fofoca, brincadeiras perigosas ou de mau-gosto ou bisbilhotice da vida alheia configuram mau procedimento. Em tese, todo comportamento do empregado que se desvie do padrão médio de normalidade é uma forma de mau procedimento. Acusar o empregado de mau procedimento, sem provas, é ferir-lhe a honra subjetiva, o autoapreço. Honra é a dignidade da pessoa que vive honestamente. Se a acusação de mau procedimento insinua a prática de um crime, então além do autoapreço fere-se a honra objetiva, a boa fama, a estima social de que essa pessoa goza por se conduzir segundo regras éticas. Incontinência de conduta é expressão reservada para o desvio de comportamento sexual do empregado, como obscenidades, pornografia, pedofilia, voyerismo, vida desregrada, acesso contínuo a sites pornográficos na internet, entre outras. Tanto a incontinência de conduta quanto o mau procedimento podem ocorrer dentro e fora do local de serviço, com o contrato em vigor ou não (férias, licenças, finais de semana etc). Se essas faltas forem praticadas fora do serviço, mas permitirem uma ligação óbvia entre o empregado e o seu local de trabalho, estará tipificada a sua gravidade, e os reflexos negativos na relação de emprego serão os mesmos.

Condenação criminal

Ninguém desconhece o perfil discriminatório da sociedade moderna. A falsa acusação de condenação criminal é gravíssima. Certas condenações criminais, pela natureza ou repercussão do delito, refletem na fidúcia do contrato de trabalho e autorizam a sua rescisão, mas, nesse caso, a justa causa será de improbidade, ou mau procedimento, ou outro fundamento qualquer, e não, necessariamente, o ilícito que levou à condenação criminal. Essa condenação criminal não se refere, por óbvio, àquelas faltas praticadas pelo empregado, contra o patrão, no local de trabalho. Se isso ocorrer, a falta poderá ser enquadrada em qualquer outra hipótese do art.482 da CLT. A condenação criminal de que aqui se trata se refere à falta praticada pelo empregado fora do local de trabalho, por razões estranhas à relação de emprego. Mesmo a absolvição do empregado no juízo criminal, por falta de prova, pode repercutir negativamente no contrato de trabalho e autorizar sua rescisão por justa causa, se os fatos respingarem no conteúdo ético do contrato. Não é a condenação criminal que provoca a rescisão de contrato de trabalho, já que o empregado pode trabalhar de dia e recolher-se à cela à noite, mas a impossibilidade de trabalhar, nos casos de pena superior a trinta dias, tanto que a CLT fala em condenação passada em julgado da qual não tenha havido suspensão da pena. O que rescinde o contrato de trabalho é a pena superior a trinta dias que deve ser cumprida com recolhimento do condenado à prisão, porque a inatividade do trabalhador, por mais de trinta dias, gera abandono de emprego.

Embriaguez habitual

O álcool traz prejuízos afetivos, éticos, sociais, intelectuais e físicos ao usuário. Diz-se que a inclusão da embriaguez como causa para a dispensa do empregado não se deve aos prejuízos que o vício possa trazer ao patrão ou à imagem da família ou da empresa, mas à intenção do Estado de desestimular a propagação do alcoolismo . O ébrio é um dependente químico, um doente, e não um marginal. Deve ser tratado, e não punido. Embriaguez é o estado de torpor em que o indivíduo não é capaz de executar com prudência a tarefa que lhe é confiada . Não se confunde com o simples hábito de beber. Quando se fala em embriaguez, não se está referindo apenas ao álcool, mas a qualquer substância química ou estupefaciente. Drogas nocivas ou entorpecentes podem, da mesma forma, dar azo à resolução do contrato. Fala-se em embriaguez habitual ou em serviço. São dois tipos de conduta funcional atípica. A embriaguez pode ser involuntária (ou acidental) ou intencional. A involuntária (fruto de erro, ignorância, acidente ou coação) não constitui falta grave. Tanto quanto nos demais casos, a falta deve ser avaliada em seus aspectos subjetivos e objetivos: um pifão ocasional num momento de euforia coletiva ou em razão de um acontecimento excepcional na vida da pessoa não deve servir, em regra, de motivo para a terminação do contrato, a menos que, em razão da função ocupada pelo ébrio, o foco da sua importância na imagem corporativa da empresa e a repercussão da bebedeira, a confiança tenha sido seriamente abalada. Tanto pode haver solução do contrato quando o empregado habitualmente se embriaga, quanto, mesmo não sendo um beberrão contumaz, se embriagar em serviço, ainda que seja uma única vez. Em qualquer dos casos quebra-se a fidúcia. Uma e outra são variações da incontinência de conduta e do mau procedimento.

Violação de segredo

A lei fala em violação de segredo de empresa, referindo-se, obviamente, aos inventos, às técnicas de produção, às estratégias de comércio, ao know-how e à saúde financeira dos negócios. Segredo de empresa é tudo o que se refere à produção ou ao negócio, conhecido por poucos e que não deve ser revelado. Segredos são fatos da vida privada que interessam apenas àqueles a quem convém manter em sigilo. A violação de um segredo fere a privacidade das pessoas. Privacidade é o direito de ser deixado em paz, de não ser conhecido em suas particularidades senão por si mesmo. Desde que dessa violação possa decorrer prejuízo econômico ou moral ao empregador, configura-se a falta. Não é preciso que o prejuízo se consume. Basta a possibilidade de que isso ocorra. O empregado tem de agir com culpa ou dolo na revelação do segredo. Revelação por imprudência ou negligência não tipifica esta falta, mas pode configurar desídia ou mau procedimento . Em geral, esta falta configura-se com a violação de um único segredo cujas repercussões negativas desestabilizem a sociedade empresária, mas pode formatar-se com a repetição de segredos de pouca monta. Não viola segredo quem revela fato inverdadeiro, ou ilícito, mas, quanto a este , apenas de o fizer a quem tem o dever de reprimi-lo.

Ofensas à honra ou à boa fama

Pune-se o ato lesivo da honra ou da boa fama praticado em serviço, contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições. “Em serviço“ não quer dizer “no local de trabalho“. O empregado está em serviço no horário de almoço, mesmo que deixe o refeitório da empresa para almoçar, ou antes e depois do expediente, quando chega para trabalhar ou volta para casa. Honra é a dignidade de quem vive honestamente; boa fama, a estima social de que essa pessoa desfruta. Tudo o que possa ferir um valor ou outro (gestos obscenos, apelidos, palavras, comentários jocosos, maldosos ou insinuantes) por qualquer forma (verbal, escrita, por meio de desenhos ou grafite) ou exponha alguém ao desprezo ou escárnio configura esse tipo de falta, pouco importando se a ofensa foi dirigida ao patrão ou a alguém de sua família. O arrependimento do ofensor é irrelevante se o ofendido não o aceitar. Aqui, também, retorsão não configura lesão. Quem ofende revidando agressão verbal não comete falta, mas é preciso que a resposta do ofendido seja conexa com a ofensa e dela seja contemporânea. Esse tipo de justa causa pode configurar-se num único ato. Depende da gravidade . Ofensa física decorrente de legítima defesa, própria ou de terceiros , ou praticada contra colegas de trabalho fora do local de trabalho, ou fora do serviço (num fim de semana, por exemplo, no futebol ou no churrasco entre colegas de bairro) não constitui falta. A legítima defesa descaracteriza-se se é desproporcional à agressão. Quebra-se a fidúcia com um único ato de violência. Ameaça de lesão não configura justa causa, mas pode configurar mau procedimento. Já, a tentativa, sim. Se um empregado promete surrar outro depois do expediente, e nada faz, não há falta; mas se parte para a agressão e é contido, consumou-se a lesão do contrato. No primeiro caso houve simples ameaça; no segundo, tentativa.

Jogo

Jogo é uma convenção em que duas ou mais pessoas, com base na destreza, prática, sorte ou azar, procuram, reciprocamente, um ganho sobre a outra . O vício do jogo é degradante, tão pernicioso quanto o de bebidas alcoólicas ou drogas, e quase sempre arrasta o indivíduo à desonestidade, à miséria, à ruína moral e ao crime. A CLT não se refere a qualquer jogo, nem a jogo ocasional: fala em “prática constante de jogos de azar”. Prática constante é prática habitual, embora não precise ser diária. Jogos de azar são aqueles em que a habilidade do jogador ou a sua técnica não contam. O ganho depende, exclusivamente, da sorte do jogador. Ou do azar do oponente. Falsa imputação de falta grave por vício de jogo não é comum, mas, tanto quanto as outras, fere a honra subjetiva do empregado.

Dano moral por falta imputação de falta grave

Dano é toda desvantagem experimentada por um patrimônio. Patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Dano moral é qualquer sofrimento que não seja causado por uma perda pecuniária . É a inquietação grave do espírito, a turbação de ânimo, o desassossego aviltante e constrangedor que tira a pessoa do eixo de sua rotina, a ponto de lhe impor sofrimento psicofísico cuja sequela seja facilmente identificável se comparado o comportamento atual e aquele outro, anterior à conduta ofensiva. Nem todo sofrimento, dissabor ou chateação em razão de uma ofensa tipifica dano moral. Para que o dano moral se consume é necessário que a agressão extrapole os “aborrecimentos normais” de quem vive em coletividade. “Aborrecimento normal” é conceito amorfo, impreciso, casuístico. Depende de avaliação objetiva e subjetiva no caso em concreto. A doutrina recomenda que, na avaliação de situações de fato onde se pede reparação moral, o juiz siga a lógica do razoável, isto é, que tome por paradigma o meio-termo entre o homem frio e insensível e o homem extremamente sensível. Como regra, na responsabilidade civil a vítima tem de provar a ação ou a omissão culposa do agressor, o nexo de causalidade e o dano. Na responsabilidade civil do empregador, por dano moral, o empregado somente tem de provar o fato e o nexo de causalidade. Não se exige prova do prejuízo concreto porque a sequela moral é subjetiva. Provado o fato lesivo, a sequela moral aflora como presunção hominis ou facti, pois decorre das regras da experiência, do que ordinariamente acontece .Provados o fato e o nexo causal, a dor moral é presumível, pois liga-se à esfera íntima da personalidade da vítima e somente ela é capaz de avaliar a sua extensão. É presumível a dor moral de quem é falsamente acusado de um crime. O dano moral, nessas hipóteses, existe in re ipsa, isto é, deriva do próprio fato ofensivo. Na dúvida, vige o princípio in dubio pro creditoris, isto é, “na dúvida, a atenção do julgador deve voltar-se para a vítima” .

O preço da dor

Falsa imputação de falta grave é um ato ilícito que decorre do abuso do direito. A culpa do acusador é presumível. Conquanto se meça a indenização pela extensão do dano, isso não é possível na lesão moral, daí o arbitramento do valor de uma reparação que compense a dor da vítima e desestimule o autor da conduta lesiva. O caráter da reparação é pedagógico-punitivo. Não tem natureza de restitutio in integrum porque não equivale simetricamente ao dano, já que dor moral não tem aferição exata, nem de pretium doloris, isto é, “preço da dor”, porque dor não se paga em dinheiro. É um conforto material pago à vítima, sem natureza de lucro capiendo (captação de lucro), que não deve deixar no ofendido ou no agressor a sensação de impunidade. Um dos modos mais práticos de reparar a dor moral por falsa imputação de falta grave é condenar o acusador ao pagamento de quantia igual à soma dos valores indenizatórios do contrato, sem justa causa, acrescida juros de mora desde o ajuizamento da ação, e de correção monetária desde o dia do evento lesivo. Em todos os casos de crime contra a honra, as sanções do art.141 do Código Penal devem ser aplicadas, dobrando-se o valor da reparação se a ofensa foi cometida na presença de pessoas. Outro critério analógico possível é a conversão da pena média do crime falsamente imputado, em dias-multa, e sua multiplicação pelo valor-dia da maior remuneração recebida pelo empregado. A pena mínima do crime de calúnia é de seis meses de detenção, e a máxima, de dois anos, sem as agravantes. Na injúria, as penas mínima e máxima são de um e seis meses, e na difamação, de três meses a um ano. As penas médias nos crimes de calúnia, injúria e difamação seriam, então, de quinze meses (450 dias), três meses e meio (105 dias) e sete meses e meio (225 dias). Suponha-se que um empregado cujo salário mensal fosse de R$1.200,00 tenha sido dispensado por falsa acusação de furto. Se seu salário-dia era de R$40,00 (R$1.200,00 : 30 =), o valor da indenização seria de R$18.000,00 (450 dias X R$40,00), acrescidos de juros e de correção. Essa indenização poderia ser aumentada de um terço, na hipótese do art.141,II do Código Penal, ou dobrada, se praticada na presença de pessoas, de acordo com o Código Civil. Por suposto, nenhum desses critérios subtrai ao juiz do trabalho a possibilidade de arbitrar outro valor, segundo os fatos da lide, a prova, a gravidade da lesão ou a sua repercussão na vida dos envolvidos e no mundo dos fatos, exatamente como está no art.953 do Código Civil.
___________________________________________
1.O autor é Juiz do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/TJ.
2.O texto acima é parte da monografia entregue à UFF/Escola Judicial do TRT/RJ como requisito de conclusão do Curso de Especialização em Direito Processual Civil com Ênfase em Direito do Trabalho.
3.O julgado transcrito acima está no Boletim do TST de 7/12/2009.



Direito Empresarial — Venda indevida de ações por meio de procuração falsa — Indenização.
(Boletim STJ de 2/12/2009)

Diferentemente das sociedades simples, assim nominadas no Código Civil as sociedades que não têm elemento de empresa, as sociedades anônimas, também ditas “companhias”, por terem, necessariamente, atividade econômica organizada, também chamado em Direito Empresarial “elemento de empresa”, são sociedades empresárias por natureza, isto é, por definição de lei. Nelas, o capital social é dividido em ações, “espécie de valor mobiliário, na qual os sócios, chamados acionistas, respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço de emissão das ações que possuem”(ULHOA COELHO,Fábio. Curso de Direito Comercial-Direito de Empresa,Saraiva,SP,12ª ed.,p.67).Segundo a doutrina, “ação é o valor mobiliário representativo de uma parcela do capital social da sociedade anônima emissora que atribui ao seu titular a condição de sócio desta. Ao fracionar o capital social da sociedade anônima em valores mobiliários, a lei facilita a negociação da participação societária desse tipo de sociedade e rassalta a natureza de investimento do ato de ingresso no seu quadro de sócios”. Isto é: “Em razão de representar a ação um investimento de extrema complexidade, a definição do quanto ela vale é uma das questões mais relevantes do direito societário.Dependendo do contexto em que é necessário atribuir valor à participação societária, isto é, em função dos objetivos da avaliação, a ação poderá ter, e normalmente tem, valores diferentes.Ela valerá mais ou menos, de acordo com a finalidade da valoração. De fato, podem-se-lhe atribuir, pelo menos, cinco valores: nominal, patrimonial,de negociação, econômico e de emissão”.(ULHOA COELHO,Fábio,op.cit.,p.83). Referindo-se às ações, Gladston Mamede diz que sua “subscrição e a integralização de ações constituem investimento, definindo a favor do acionista uma série de direitos que podem ser classificados em patrimoniais(aqueles que têm expressividade econômica, como participar dos lucros) e instrumentais(faculdades que tocam à convivência social, como o direito de voz nas assembleias gerais). Esses direitos podem ser diferentes quando se tenha mais de uma espécie ou classe de ações, a exemplo da prerrogativa de eleger, em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração. Há um conjunto de direitos que são essenciais, não podendo o estatuto, nem a assembleia, privar o acionista de seu gozo: (1) participar dos lucros sociais;(2)participar do acervo da companhia, em caso de liquidação;(3)fiscalizar, na forma prevista em lei, a gestão dos negócios sociais;(4)preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto em lei; e (5) retirar-se da sociedade, com reembolso de suas ações, nas hipóteses legais”. (MAMEDE,Gladston.Manual de Direito Empresarial, Ed.Atlas, SP,2005,p.147/148).No julgamento do Resp nº 780.504, a Quarta Turma do STJ condenou a Bolsa de Valores de Minas Gerais, Espírito Santo e Brasília, a Geraldo Corrêa Corretora de Valores Mobiliários S/A e o 10º Ofício de Notas de Belo Horizonte a indenizar em R$ 106.134,01, com juros e correção, uma acionista que teve 258 mil ações vendidas sem o seu consentimento, com uso de procuração falsa. Segundo o relator, ministro João Otávio Noronha, a responsabilidade pela indenização da acionista é da Bolsa de Valores, que negociou as ações por meio da corretora, e do Cartório de Notas, que emitiu a fotocópia falsa do instrumento de mandato. Segundo o ministro, “Bolsa de valores e corretora de valores mobiliários têm por função, a teor dos artigos 11 da Resolução n. 1.655/89, 40 da Resolução n. 1.656/89 e 40 da Resolução n. 2.690/2000, todas do Conselho Monetário Nacional, garantir a legitimidade da procuração necessária à alienação de ações. Competindo ao cartório a emissão de procuração, a ocorrência de irregularidade em sua confecção justifica incluí-lo como demandado no polo passivo da ação”.
_____________________________________________________
1.O autor é Juiz do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ, membro da Comissão de Jurisprudência, de bancas examinadoras de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, Presidente do Conselho Consultivo da ESACS, Membro do Conselho Científico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista de Niterói, Especialista em Processo Civil pela PUC/SP, Mestrando em Direito Processual Civil pela UFF/Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, autor de livros jurídicos, professor universitário e autor de dezenas de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália(www.diritto.it).
2.A referência à doutrina dos Profs.Fábio Ulhoa Coelho e Gladston Mamede é de responsabilidade do autor.



“Rebus sic stantibus”
zé geraldo


A expressão latina “rebus sic stantibus” significa, em tradução livre, “pelas coisas, como estavam”, ou “pelas coisas, no estado em que estiveram”. Aplicada aos contratos de trato continuativo, isto é, àqueles tipos de contrato que, como os de trabalho, envolvem prestações sucessivas(a cada mês trabalhado, um salário devido etc), significa que as condições pactuadas devem permanecer inalteradas desde que as condições iniciais se mantenham como estavam no momento da contratação. É o princípio da paridade contratual, do contrato justo ou da justiça contratual. Enquanto as condições de fato que cercaram a contratação não se alterarem, não há razão para modificar o contrato. Se se alterarem de modo substancial, a tal ponto que torne impossível ou excessivamente oneroso manter o combinado, aí sim novas cláusulas poderão ser ajustadas. Fiando-se nisso, a relatora do RR nº 154991/2005-900-01-00.0, Ministra Maria de Assis Calsing(foto), da Quarta Turma do TST, aplicou a Súmula nº 277 da SDI-1 do TST, que declara inválidas as condições de trabalho fixadas em convenções coletivas de prazo indeterminado, firmou o entendimento de que as cláusulas de convenção ou acordo coletivo não integram, de forma definitiva, os contratos de trabalho e têm prazo máximo de duração de dois anos(CLT, art.614, §3º): não conheceu de recurso da ex-empregada do Metrô do Rio de Janeiro, que pretendia reintegração no emprego com base em cláusula de acordo coletivo firmado há mais de dois anos.
_____________________________
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Este post baseia-se no Boletim Informativo do TST de 24/11/2009.


Natureza Jurídica do Aviso Prévio
  Zé Geraldo



A natureza jurídica do aviso prévio é de uma condição resolutiva (Cezarino Jr, Direito Social,Ed.LTR,1.980, p.320), tanto que “dado o aviso prévio,a rescisão torna-se efetiva depois de expirado o respectivo prazo“(CLT,art.489).No contrato de execução continuada,de tempo indeterminado, a parte que o quiser rescindir deve avisar à outra com antecedência mínima de trinta dias(CLT,art.487,II c/c CF/88,art.7º,XXI). Por isso se diz que o aviso prévio é o exercício de um direito potestativo que se subordina a uma declaração receptícia de vontade(Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Curso de Direito do Trabalho,Forense,1.984 ,9ª edição,p.451). Potestativos são todos os direitos cujo exercício não pressupõe deveres da outra parte.Não se exige denúncia escrita do contrato, mas a prova da dação do aviso prévio ao empregado, como ato positivo, deve ser plena e impõe-se ao patrão(CPC,art. 333,I c/c CLT,art.787 e 818),já que a indeterminação do prazo e a continuidade do vínculo de emprego são presunções favoráveis ao trabalhador.Se não houver prova conclusiva do pré-aviso nos trinta dias anteriores à terminação do contrato de trabalho, presumem-se(1º) inexistente a denúncia prévia ou (2º) configurado o pré-aviso antedatado(ou seja: que o empregado só soube da dispensa no ato da assinatura do termo de rescisão, firmando-o como se tivesse sido pré-avisado trinta dias antes da dispensa).O recibo rescisório não aperfeiçoa o ato jurídico,nulo por defeito congênito, porque preterida formalidade que a lei reputa essencial(CLT, art.487 ,II e CF/88,art.7º,XXI). Nessas hipóteses, o recibo de salário do último mês trabalhado não quita o aviso prévio,em rigor inexistente,e sim o mês trabalhado.O empregado faz jus à indenização do aviso, mas de forma simples, e não dobrada porque, embora equivalha ao valor do último salário,tem natureza jurídica de indenização.
__________________________
O autor é juiz do trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ, da Comissão de Jurisprudência, presidente do Conselho Consultivo da ESACS e da Escola Superior de Advocacia Trabalhista, membro de banca examinadora de Concurso da Magistratura, professor universitário, Especialista em Processo Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil pela UFF/Ematra, autor de livros jurídicos e de diversos artigos publicados no Brasil e na Itália(http://www.diritto.it/).












Ônus da prova.




Segundo o ministro Aldir Passarinho Junior(foto), para que o credor possa penhorar a meação cabente ao cônjuge do devedor de sociedade empresária, deve provar que o empréstimo contraído pelo marido beneficiou a família, especialmente se o aval foi prestado a pessoa jurídica da qual nenhum dos cônjuges é sócio. A regra é a de que a meação da mulher não responde pelas dívidas contraídas pelo marido, salvo se provado que o empréstimo beneficiou o casal. O ônus dessa prova cabe ao credor.






Natureza Jurídica da Participação nos Lucros e Resultados da Empresa.
zé geraldo

O art.7º,XI da CF/88, previa a participação dos empregados nos lucros e resultados das sociedades empresárias, e era, até o advento da L.nº 10.101/2000, norma de eficácia retida, ou de conteúdo programático. Parte da doutrina entendia que, por força do art.457/CLT, a participação nos lucros tinha natureza salarial. O art.457 da CLT diz que se compreendem na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. Pela regra do §3º desse artigo, gorjetas são as quantias dadas espontaneramente pela clientela e aquelas taxas já cobradas na nota pela empresa ao cliente, desde que destinadas à divisão entre os empregados.O §1º do artigo diz que integram o salário não apenas a importância fixa estipulada, mas as comissões, as percentagens, as gratificações ajustadas, as diárias para viagens e os abonos pagos pelo patrão. Segundo a letra do §2º, não se incluem nos salários as ajudas de custo e as diárias para viagem que não excederem de 50% do salário recebido pelo empregado.Esses pagamentos devem ser verdadeiramente indenizatórios das despesas de viagens. Se não o forem, terão natureza salarial. Segundo a Súmula nº 318 do TST, nos casos do empregado mensalista, a integração das diárias no salário deve ser feita tomando-se por base o salário mensal pago, e não o salário-dia. A integração somente será devida se a soma das diárias exceder a metade do valor do salário mensal. As gratificações são consideradas ajustadas se forem pagas com habitualidade; as pagas de modo episódico não se consideram ajustadas e não têm, por isso, natureza salarial.O E.nº 251/TST, por algum tempo, endossou esse entendimento ao dizer que “a participação nos lucros da empresa, habitualmente paga, tem natureza salarial, para todos os efeitos legais.”.Essa súmula foi cancelada pela Resolução nº 33, de 27 de julho de 1994, porque o próprio art.7º,XI da CF/88 desvincula a participação nos lucros da remuneração do empregado. O entendimento mais atual sobre o ponto é o de que se trata de um tipo de ganho sui generis, um efeito indireto do contrato de trabalho, que não tem natureza jurídica de salário. É o que deflui da própria L.nº 10.101/2000, que "regula a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa como instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade"(art.1º). A participação nos lucros ou resultados deve ser objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, através de comissão escolhida pelas partes, integrada necessariamente de um representante indicado pelo sindicato da categoria(art.2º, I) ou por meio de convenção ou acordo coletivos(art.2º, II). Os acordos e convenções coletivos devem conter regras claras e objetivas sobre os critérios e mecanismos de aferição dos lucros para propiciarem a divisão justa dos lucros e resultados. Devem, ainda, prever, expressamente, a periodicidade dessa distribuição de resultados e os prazos para a revisão dos acordos que fixam a distribuição. Esses acordos podem prever, entre outros mecanismos, índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa e programas de metas, resultados e prazos. O acordo deve ser arquivado na sede da entidade sidical convenente. Pela lei, não se equiparam a pessoa jurídica (1) a pessoa física e (2) a entidade sem fins lucrativos que (1º) não distribua resultados, a qualquer título, ainda que indiretamente, a dirigentes, administradores ou empresas vinculadas, (2º) aplique integralmente os seus recursos em sua atividade institucional, e no país, (3º) destine o seu patrimônio a entidade congênere ou ao poder público, em caso de encerramento de suas atividades e (4º) mantenha escrituração contábil regular, capaz de comprovar esses requisitos e os das outras normas fiscais, comerciais e de direito econômico.O art.3º da L.nº 11.101 diz que a participação nos lucros e resultados não substitui ou complementa a remuneração devida a qualquer empregado, nem constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista, ainda que paga habitualmente. É proibido o pagamento de qualquer antecipação ou distribuição de valores a título de participação nos lucros ou resultados da empresa em período inferior a um semestre civil, ou por mais de duas vezes no mesmo ano.  Os pagamentos feitos em razão dos planos de participação nos lucros ou resultados, mantidos espontaneamente pela sociedade empresária, poderão ser compensados com as obrigações decorrentes de acordos ou convenções coletivas de trabalho que versem o mesmo benefício, isto é, participação nos lucros e resultados. O imposto de renda deve incidir sobre a participação nos lucros em rubrica separada dos demais rendimentos pagos no mês. Cabe ao empregador reter e recolher o imposto de renda; reter e recolher não significa que deva pagar o imposto com exclusividade; cada um responde por sua parte na cota fiscal incidente sobre o benefício. Não havendo consenso sobre os critérios e valores da participação nos lucros ou resultados da empresa, as partes poderão resolver o dissenso por mediação ou arbitragem. Firmado o compromisso arbitral, não mais se admite a desistência unilateral de qualquer das partes. O laudo arbitral tem força normativa e não depende de homologação judicial. Os empregados de empresas estatais(empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias ou controladas e demais empresas em que a União detenha a maioria do capital social, direta ou indiretamente) participam dos lucros segundo regras fixadas pelo Poder Executivo.
_____________________________
O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).