terça-feira, 23 de março de 2010



Restos.
                 zé

O
que
sobrou do seu amor em mim,
se é que isso algum dia eu tive,
não é amor, nem saudade, nem esperança,
que amor sem cuidar não vive
e não chega a ser amor o que é só lembrança.
Eu
já nem sei ao certo o que de fato sinto,
se finjo que é amor
ou é amor que minto,
se é resto de ilusão da ilusão que tive
e
que não sai de mim mesmo que eu peça,
vive em mim
clandestina, como uma doença,
lembrando a minha dor pela presença
ou
pelo simples prazer de me matar sem pressa.
______
1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro. Alguns colegas o chamam de "poeta", mas o autor vê nisso um certo ar de escárnio.
2.Ilustração:http://reidamoda.files.wordpress.com/2009/07/homem-triste.jpg




Tantas vezes.
                                         zé


Por
você
desci ao inferno tantas vezes,
e
outras tantas renasci por teimosia,
que
agora tanto faz ao meu destino
se deixei em você minhas virtudes, pecados,
quietudes, vilania.
Com
você fui tantas vezes ao paraíso
que
perdi a conta do prazer e das sandices,
e
tantas vezes renasci nessa euforia,
que agora tanto fez,faz ou faria
esta miséria,
este vazio,
esta mesmice
se eu tivesse de volta,
por um dia,
a vida que sua lembrança me traria,
pois é o resto de mim que ainda me resta,
e sem ela, de mim, o que seria?
________
1.O autor é um zé. Um dentre milhares.
2.Ilustração:http://www.oclick.com.br/colunas/fotos/chorando.jpg



Mexendo no vespeiro...
zé geraldo



(Artigo transcrito, na íntegra, do Boletim Eletrônico do TRT da 3ª Região, e publicado, originariamente, pelo Prof.Dr. Antônio Álvares da Silva, Juiz do Trabalho e Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais no Jornal “Hoje em Dia”, em 16/3/2010).


“O Min. Cezar Peluso foi eleito presidente do STF. Prometeu falar menos do que o anterior mas, em sua primeira entrevista a um jornal paulista, foi infeliz. Tocou em assunto polêmico e disse que as férias dos juízes, que são de dois meses, deveriam ser reduzidas para um. A luta para conservá-las seria um "batalha perdida". O tema precisa ser posto em seu devido lugar para ser bem discutido. Toda categoria profissional tem certas vantagens incorporadas a seu patrimônio. As profissões regulamentadas são nada mais do que atividades separadas das regras genéricas da prestação de trabalho exatamente por apresentarem condições especiais, que o legislador houve por bem distinguir. Não ostentam privilégios, mas prerrogativas que permitem seu melhor exercício. Os engenheiros podem ter uma jornada de seis horas e ganhar seis vezes o salário mínimo vigente, conforme a lei 4.950-A. Os médicos têm uma jornada mínima de duas e máxima de quatro horas, ganhando três vezes o salário mínimo conforme a lei 3.999/61. Os servidores públicos trabalham seis horas. O MTE lista sessenta profissões especiais. Todas as profissões regulamentadas garantem certas vantagens aos trabalhadores em relação a salários, jornadas de trabalho e outras. A mulher tem direito ao salário-maternidade. Os que trabalham em condições insalubres ou perigosas têm direito aos respectivos adicionais.

O Direito brasileiro concede ao juiz dois meses de férias. A razão desta exceção se baseia numa realidade que muitos desconhecem. Sua jornada de trabalho é diferente. Na primeira instância, depois dos despachos internos, para dar andamento aos processos, faz as audiências que lhe tomam grande parte da tarde. A seguir, leva os processos para casa. Muitos são questões complexas, que envolvem a vida patrimonial e a liberdade das pessoas. Vai para o escritório e mal tem tempo de jantar e conviver com a família. Muitas vezes, é impossível cumprir a tarefa num dia, julgando todos os processos. Alguns se acumulam. E aqui começa a luta contra o tempo. Se não chegar, eles se ajuntam. Se se trata de caso complexo, a pressa importa em mau julgamento. O cidadão sai prejudicado. O estresse aumenta. A convivência com a família torna-se rara e difícil. Muitos têm problemas psicológicos e relacionais com a esposa e os filhos pelo trabalho cansativo e sem tréguas. Juízes do Trabalho fazem mais de vinte audiências por dia. Com intervalos de cinco minutos. Ouvem partes e testemunhas, num trabalho repetitivo e extenuante. As audiências inevitavelmente se atrasam. Os advogados reclamam. Vão às Ouvidorias dos tribunais. Reclamam com justiça, mas nada pode ser feito. Depois das audiências, já no fim do dia, a rotina de encher o carro de processos e levá-los para casa. Nova jornada extenuante de trabalho noturno. Novo foco de tensões. Se é juiz de segundo grau, nada muda. Julgam-se inúmeros processos nas sessões. Na impossibilidade de prepará-los individualmente, o Desembargador se serve de assessores. Mas tem que rever a proposta de voto e, nos casos complicados, fazer pessoalmente, do começo ao fim, o acórdão. Há ainda as sessões dos Órgãos Especiais em que se julgam questões administrativas e ainda o Tribunal Pleno, para discutir questões fundamentais da instituição. E o tempo para o lazer, o descanso e o convívio com a família? E o tempo para o estudo e o aperfeiçoamento cultural, em razão da mudança permanente de leis, em razão da instabilidade que o mundo pós-moderno vive? Isto tudo fica para depois, à espera de um momento futuro que nunca chega. Só com muita compreensão, a família do juiz compreende seu trabalho e tolera suas ausências. Se está em começo de carreira, vai para interior. Cidade pequena. Problemas de alojamento. Falta de conforto mínimo. Problemas com a escola para os filhos. Muitas varas estão abandonadas, em situações precárias, sem informatização. Cobrança de todo mundo para manter o serviço em dia. Vida solitária, sem convivência com pessoas do mesmo nível cultural. Falta de segurança, ameaças e, em alguns casos, agressões físicas e até mesmo a morte, pois o juiz lida com a vida, a liberdade e o patrimônio das pessoas. Quando entra de férias, emprega parte dela para tentar vencer o acúmulo involuntário e o atraso. Duvido que haja um só juiz no Brasil que, sendo consciente, goze integralmente suas férias. Mesmo que tenha conseguido, depois do trabalho insano, manter o serviço em dia, é preciso estudar para atualizar-se. Se viaja, tem de levar na mala livros doutrinários. Muitos ainda fazem pós-graduação, num esforço redobrado, por amor à ciência, porque o título nada lhe traz economicamente mensurando. Todos os trabalhadores, intelectuais ou braçais, fecham a porta de seus locais de trabalho e recomeçam no dia seguinte. O juiz, ao contrário, prossegue a jornada. Seu mais duro e cansativo trabalho é o noturno, na hora de julgar. Nos tribunais de terceiro grau (STJ e TST, principalmente), a situação é a mesma, se não for pior. Basta lembrar-se do acúmulo nestas instâncias e da demora do julgamento em razão da carga desumana de processos. Aqui se inclui o próprio STF que, mesmo se recuperando no último ano, ainda tem um déficit imenso de atraso. Todos estes fatos devem ser considerados, antes que se veja como privilégio os dois meses de férias dos juízes. Se as demais categorias têm apenas um mês, também é verdade que a execução do trabalho é diferente.

O Prof. Joaquim Falcão, em artigo na imprensa, cita Portugal, que reduziu as férias dos juízes para 30 dias e acresceu a produção de julgados em 9%. Esta medida, se é que aumentou a produtividade em 9%, está longe de resolver o problema do judiciário português, um dos piores da Europa. Portugal já foi condenado 83 vezes por violação do art. 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos que garante ao cidadão julgamento equitativo, público, por tribunal independente e em prazo razoável. Quem quiser saber como anda a justiça portuguesa é só ler o livro de Boaventura de Sousa Santos, Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas - o caso português. E verá que o encurtamento das férias é apenas uma gota d'água que se lançou num imenso poço de problemas. A seguir, o professor aponta estatística do CNJ de que, se a redução se operasse no Brasil, haveria julgamento de dois milhões de processos a mais. As afirmativas são projeções. Esqueceu-se do lado social das formulações estatísticas e das equações numéricas, quando se trata de ciências sociais. A redução das férias para julgar mais dois milhões de processos é uma teoria, a que a prática vai dar resposta contrária. Haverá mais sobrecarga do juiz, já envolvido por milhares de processos, o que poderá transformar em mal crônico a demora dos julgamentos. A produção moderna não se aumenta com mais trabalho, mas com meios racionais e técnicos que facilitem a produtividade. A produção moderna, em qualquer setor, está na razão inversa do tempo e em proporção direta com a tecnologia e a racionalidade dos métodos.

Querem reformar o Judiciário? Então, tenhamos a coragem de abordar pela frente o problema: reduzir instâncias, extinguindo os tribunais de terceiro grau; reduzir drasticamente os recursos, executando-se definitivamente as sentenças do primeiro grau, que são quase todas mantidas; criar um fundo compensatório de indenizações para garantir a reposição da condenação em caso de mudança do resultado nos tribunais superiores. A EC nº 45 criou o Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas, que na Justiça do Trabalho cumpriria esta função. Por que não foi até hoje regulamentado? Aplicar multas aos perdedores e impor às condenações juros de mercado. Por que o ganhador de uma demanda tem que se submeter à desvalorização de seu patrimônio com correções insuficientes enquanto bancos e empresas se locupletam protelando sua obrigação de pagar? Exigir depósito das condenações. Com isto se evitaria o terrível problema da execução não cumprida. Que fazer dos quase três milhões de execuções que hoje se amontoam nas prateleiras da Justiça do Trabalho, sem possibilidade de cumprimento? Em caso de confirmação de sentença, apenas mantê-la sem redação de acórdão. Por que repetir o desnecessário? Dar força aos juizados especiais que são a mais perfeita concepção de processo que se conhece hoje em direito comparado, constituindo verdadeiro orgulho da Ciência do Direito brasileira. Por que não os estender à Justiça do Trabalho, que deles mais precisa?

Eis aí alguns exemplos de "batalha ganha" que o ministro Peluso e o Congresso Nacional podem encampar e pelas quais o Prof. Falcão deveria ter lutado para implantar, quando fez parte do CNJ.

Não podemos confundir Judiciário com juízes. Culpá-los pelas imperfeições dos tribunais, que são muitas e demandam urgentes e drásticas mudanças, é fazer análise fácil e superficial. Todos os males sociais não têm causa, mas causas. Isolar uma e esquecer as outras é fazer exame pouco profundo e insuficiente. Se quiserem reduzir férias, que o façam. Mas sem falsos motivos. A reforma do Judiciário é muito maior do que as férias dos juízes. É uma necessidade e um bem para o povo brasileiro. Nossa esperança é que apareça alguém com coragem para realizá-la”.
________________
1.O autor deste blog é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e acrescentaria, de bom grado, alguma coisa ao artigo do Prof Antonio Álvares da Silva. Se isso fosse preciso...
2.Ilustração:http://g1.globo.com/Noticias/PlanetaBizarro/foto/0,,20603070-FMM,00.jpg