quinta-feira, 15 de abril de 2010





Recusa de cheque pode dar dano moral.
zé.

Cheque é uma ordem de pagamento, à vista, que alguém, chamado emitente, ou sacador, com fundos disponíveis mantidos em uma instituição bancária ou financeira, chamada sacada, dá a essa instituição, para que pague a alguém, chamado tomador, beneficiário ou portador, ou a si mesmo, a importância nele especificada. No sistema anglo-americano, o cheque é tido como “letra de câmbio à vista”. A doutrina ensina que o cheque, ou documento muito próximo de suas características, era conhecido desde o antigo Egito, além de Grécia e Roma. A maioria da doutrina aceita que o cheque, tal como se conhece hoje, passou a ser comum nos negócios comerciais na segunda metade da Idade Média. Na Itália, eram conhecidos como polizze notata fede, e na Inglaterra, bills of saccario. No Brasil, a primeira referência ao uso do cheque está no Regulamento do Banco da Província da Bahia, aprovado pelo Decreto nº 438, de 13 de novembro de 1.845. No Congresso Internacional de Direito Comercial da Antuérpia, em 1.885, tentou-se, sem êxito, uniformizar o cheque no plano do direito cambiário, assunto retomado com maior profundidade nas Conferências de Bruxelas, em 1.888, e Haia, em 1.912. O assunto somente voltou à discussão depois da guerra de 1914/1918, pela Liga das Nações, em 1.930. Em 1.931, a Lei Uniforme de Genebra(LUG) finalmente uniformizou as diretrizes gerais sobre o cheque. Atualmente, no Brasil, o cheque é regulamentado pela L.nº 7.357, de 2 de setembro de 1985.
Fran Martins (Títulos de Crédito. Rio de Janeiro:Forense,1.996, 10ª edição, p.11)diz que o cheque, em princípio, não deve ser considerado título de crédito autêntico porque o fator crédito está ligado à circunstância de o sacado possuir, efetivamente, a provisão de fundos sobre o qual o cheque é emitido. Por isso, diz que se trata de título de crédito impróprio, isto é, "um documento que, embora não ateste, originariamente, uma pura operação de crédito, com a sua circulação faz uso desse elemento, sujeitando os que participam dessa circulação ao direito próprio, garantidor da obrigação decorrente do título”(op.cit.,p.11).
Por lei, ninguém está obrigado a aceitar pagamento em cheque. Segundo a ministra do STJ Nancy Andrighi, contudo, apesar de o recebimento do cheque não ser obrigatório, se o comerciante normalmente aceita pagamentos por esse meio, não pode recusá-lo sem motivo justo, sob pena de causar dano moral ao emitente, ou ao portador. A 3ª Turma do STJ, por maioria, acompanhou o entendimento da ministra. 
No caso julgado, uma consumidora pretendeu comprar um carrinho de bebê e pagá-lo por meio de cheque, mas o comerciante recusou o pagamento alegando insuficiência de fundos da emitente. Esse dado - insuficiência de fundos- foi anotado pelo empresário no verso do cheque, mas, na mesma hora, a consumidora pagou o produto por meio de débito automático, o que comprovava o equívoco da recusa do cheque por falta de provisão de fundos. A cliente ajuizou ação pedindo danos materiais e morais pelo constrangimento.A primeira e segunda instâncias entenderam não ter havido dano moral, mas simples aborrecimento comum na vida em sociedade. O STJ não teve o mesmo entendimento. Segundo a relatora, apesar de não haver norma legal obrigando à aceitação do cheque, a loja permitia essa prática e, com isso, renunciara à faculdade de recusar o pagamento por cheque. Como não houve prova da insuficiência de fundos, tanto que a consumidora pagou o produto por débito automático, teria havido malferimento à sua honra subjetiva, já que a consumidora não estava inscrita em qualquer cadastro restritivo de crédito.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e odeia direito empresarial, título de crédito, falência, franchising, recuperação de empresas. Essas coisas.
2.Ilustração:http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://geekchic.com.br/wp-content/uploads/2008/03/kensington-midnight-navy.jpg
3.Os conceitos sobre cheque foram tirados pelo autor do livro do Prof.Fran Martins, já citado.
4.Fonte: Boletim Eletrônico do STJ de 15/4/2010.




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Era uma vez um boi que voava...
zé geraldo



Me lembro como se fosse hoje. Era tarde da noite. Passava das duas. O vinho lhe embrulhara o estômago e as ideias. Sentou-se na cama, nua, linda, os cabelos lisos brincando de se espalhar ao acaso pelo corpo branco feito um cristal raro. Olhou assustada pela janela da pousada e disse “Olha, Zé! Não deixe!”, e eu me virei apressado supondo que algum moleque atrevido estivesse de tocaia espiando aquela prova material de que Deus existe. Que nada! A janelinha continuava fechada como eu a deixara. Fazia frio. “Os bois, Zé. Estão voando! Pega pra mim, Zé, pega? Aquele pretinho, Zé, que tem uma pintinha assim, na bunda. É o que eu mais gosto...”. Jurei que sim. Se dormisse, ia laçar um por um. Onde já se viu? Confiou. Virou pro lado, cobriu-se, murmurou qualquer coisa que não entendi direito e pegou no sono. Tinha no rosto um sorriso doce. Talvez sonhasse com os seus boizinhos e com minha valentia pelos ares, laçando os bichos no meio das nuvens, atrás de algum pé-de-sombra naqueles céus escuros de dar medo. Ei, boi! Sou da roça, sinhá-moça. Lacei e ajudei a laçar muitos bois, mas não tinha nenhuma destreza no laço de bois que voavam. Menti.Foi a minha perdição.Não lacei nenhum dos boizinhos dela. Nem mesmo aquele pretinho, com uma pintinha assim, na bunda. O boizinho de que ela mais gostava. Que pena! Nunca um par de asas me fez tanta falta...
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1.Sou Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e nunca vi boi voar, exceto naquele dia, em Penedo. Depois disso, nunca mais. Me lembro como se fosse hoje. Fazia frio. Era tarde da noite. Passava das duas. Eles voaram. Todos eles. Aquele com a pintinha na bunda era o mais brabo de todos. Eu tinha de ter laçado aquele bicho! Era o boizinho de que ela mais gostava. Não deu, sinhá-moça, queira desculpar! Tudo à noite é muito mais complicoso...
2.Ilustração:http://presentepravoce.files.wordpress.com/2008/07/vaca-voando-254vuad.jpg



Cortando o mal pela raiz...
zé.


Não sei se é fato.
Registra-se que o Instituto Histórico de Alagoas guarda em seu acervo uma sentença de 1.883, na qual um homem acusado de crimes sexuais foi condenado à castração pelo juiz da Comarca de Porto da Folha, nestes termos:


“SENTENÇA DO JUIZ MUNICIPAL EM EXERCÍCIO, AO TERMO DE PORTO DA FOLHA — 1.883".
Súmula: Comete pecado mortal o indivíduo que confessa em público suas patifarias e seus boxes e faz gogas de suas víctimas desejando a mulher do próximo, para com ella fazer suas chumbregâncias.
Vistos, etc.
O adjunto Promotor Público representou contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Senhora Sant´Anna, quando a mulher de Xico Bento ia para a fonte, já perto dela, o supracitado cabra que estava de tocaia em moita de matto, sahiu dela de sopetão e fez proposta a dita mulher, por quem roía brocha, para coisa que não se pode traser a lume e como ella, recusasse, o dito cabra atrofou-se a ella, deitou-se no chão deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará, e não conseguio matrimônio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreyo Correia e Clemente Barbosa, que prenderam o cujo flagrante e pediu a condenação delle como incurso nas penas de tentativa de matrimônio proibido e a pulso de sucesso porque dita mulher taja pêijada e com o sucedido deu luz de menino macho que nasceu morto. As testemunhas, duas são vista porque chegaram no flagrante e bisparam a pervesidade do cabra Manoel Duda e as demais testemunhas de avaluemos. Dizem as leises (sic) que duas testemunhas que assistem a qualquer naufrágio do sucesso faz prova, e o juiz não precisa de testemunhas de avaluemos e assim: Considero-que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento, por quem roía brocha, para coxambrar com ella coisas que só o marido della competia coxambrar porque eram casados pelo regime da Santa Madre Igreja Cathólica Romana. Considero-que o cabra Manoel Duda deitou a paciente no chão e quando ia começar as suas coxambranças viu todas as encomendas della que só o marido tinha o direito de ver. Considero-que a paciente estava pêijada e em consequência do sucedido, deu a luz de um menino macho que nasceu morto. Considero-que a morte do menino trouxe prejuízo a herança que podia ter quando o pae delle ou mãe falecesse. Considero-que o cabra Manoel Duda é um suplicado deboxado, que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quis também fazer coxambranças com a Quitéria e a Clarinha, que são moças donzellas e não conseguio porque ellas repugnaram e deram aviso a polícia. Considero-que o cabra Manoel Duda está preso em pecado mortal porque nos Mandamentos da Igreja é proibido desejar do próximo que elle desejou. Considero-que sua Magestade Imperial e o mundo inteiro, precisa ficar livre do cabra Manoel Duda, para secula, seculorum amem, arreiem dos deboxes praticados e as sem vergonhesas por elle praticados e apara as fêmeas e machos não sejam mais por elle incomodados. Considero-que o Cabra Manoel Duda é um sujeito sem vergonha que não nega suas coxambranças e ainda faz isnoga da incomendas de sua víctima e por isso deve ser botado em regime por esse juízo. Posto que: Condeno o cabra Manoel Duda pelo malifício que fez a mulher de Xico Bento e por tentativa de mais malifícios iguais, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete. A execução da pena deverá ser feita na cadeia desta villa. Nomeio carrasco o Carcereiro solte o cujo cabra para que vá em paz. O nosso Prior aconselha: Homine debochado debochatus mulherorum inovadabus est sentetia qibus capare est macete macetorim carrascus sine facto nortre negare pote. Cumpra-se e apregue-se editaes nos lugares públicos. Apelo ex-officio desta sentença para juiz de Direito desta Comarca. Porto da Folha, 15 de outubro de 1.833. Assinado: Manuel Fernandes dos santos, Juiz Municipal suplente em exercícios.”
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma). Se fosse relator, manteria a sentença pelos próprios macetamentos...
2.Ilustração:http://static.panoramio.com/photos/original/20423077.jpg



Dano em ricochete.
zé.


O STJ acaba de decidir um caso de dano em ricochete. Esse negócio de dano em ricochete me lembra uma amiga muito querida, moça linda e muito versada nas coisas do direito. Numa conversa de trabalho, tinha ouvido de uma colega um comentário sobre um trabalho acadêmico que a outra fizera, e falara o tempo todo em dano de ricochete. A minha amiga entendeu que a outra dissera ricochê, e não ricochete, e supôs que a sujeita estivesse se referindo a algum pensador francês chamado Ricochet, sobre o qual ela, decididamente, nunca ouvira falar.Incomodada, mas esperta o bastante pra não dizer à autora da monografia que não estava entendendo o núcleo daquele magnífico trabalho jurídico, minha amiga se segurou o que pode e, assim que me viu, me agarrou pelo braço, no meio da Avenida Presidente Antonio Carlos, e me confidenciou assim, quase em segredo: “Zé, quem é esse francês, um tal de Ricochet, que escreve tão bem sobre dano moral?”. Dentro daquele código de civilidade que a nossa longa amizade permitia, ri de mijar nas calças.“Não é francês, coisa linda! — eu disse —;nem é “ricochet” que se diz! É ricochete! É aquele tipo de dano reflexo, em que se pratica uma agressão contra um, mas atinge um outro que não tem nada a ver com o caso”. “Ah, bom” — ela disse. E seguiu seu caminho com cara de quem diz "era justamente isso que eu estava pensando". Pois agora leio no Boletim Eletrônico do STJ de 6/4/2010 que por voto divergente do ministro Luis Felipe Salomão, a companhia aérea Air France foi condenada a pagar indenização à sociedade empresária Dell’Arte Promoções Artísticas S/C pelo extravio de partituras transportadas por um maestro por ela contratado para dirigir uma apresentação do Ballet Kirov e orquestra. As partituras se extraviaram no trajeto São Petesburgo(Rússia) e Paris. A Air France entendia que o dano fora sofrido pelo maestro, e não pela Dell’Arte, e pediu a extinção do processo por violação dos artigos 222, 234 e 256 a 261 do Código Brasileiro de Aeronáutica; dos artigos 4º, 32 a 36 e 666 da Portaria 676/GC5; e dos artigos 17 e 18 da Convenção de Varsóvia, já que a responsabilidade por danos em voos é em relação aos passageiros e suas bagagens, não a eventuais terceiros. O dano, segundo a sociedade empresária, era direto, e o ofendido era o maestro. A sociedade empresária organizadora do evento não tinha interesse no caso. O ministro Salomão disse que não. Embora o dano tenha sido direto em relação ao maestro, a Dell’Arte o sofreu por ricochete, ou “ricochet”, segundo essa minha amiga. Se esse pessoal da Air France conhecesse um pouquinho de francês, ou falasse antes com essa minha amiga, não pagaria esse mico. Como dizia um antigo humorista do programa Chico Anysio, “é a inguinorança que astravanca o pogréssio!”. Por onde andará essa minha amiga?
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e não fala francês. Quando tem alguma dúvida, recorre a essa amiga.
2.Ilustração:http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.defesabr.com/MD/Brasil_Franca_01.JPG&imgrefurl=http://www.defesabr.com/MD/md_franca.htm&usg=__QMyx_07s4RV6v0DqThNavNQjazc=&h=265&w=400&sz=28&hl=pt



Comeram o cantor no almoço...
zé geraldo



A 1ª Vara Civil de Viamão, Rio Grande do Sul, julgou improcedente o pedido de um morador que queria indenização por danos morais pela cantoria de um galo. Segundo disse, a cantoria do galináceo esgoelante, em plena madrugada, tirava o sossego de sua família, em especial de sua filha, de três anos. O autor queria a retirada do galinheiro da divisa de sua propriedade e indenização por danos morais. Os donos do galo defenderam-se pedindo a extinção do processo, pela perda do objeto: tinham sacrificado o bicho e, com esse trágico “galicídio”, posto fim aos transtornos da vizinhança. Julgado improcedente o pedido, o autor recorreu, mas o TJ gaúcho disse que em se tratando de direito de vizinhança, o dano não é presumível, sendo necessária a comprovação do nexo de causalidade entre a cantoria do animal pertencente ao vizinho e o desassossego do autor. Como não foram provados a perturbação do sossego e os eventuais danos causados pelo menestrel penoso, o Tribunal manteve a sentença.  Compreendo a angústia desse vizinho com essa cantoria madrugosa. Eu também não tenho a menor paciência para cantoria de galo. Nem de galo nem de qualquer outro ser vivo penoso e avoante. De gente, às vezes. Mas não tenho paciência pra ópera. Tinha um passarinho amarelo que todo dia de madrugada vinha cantar na minha janela. Enchia o saco. Acho que algum moleque bom de pontaria acabou com a carreira de barítono dessa criaturinha. Nunca mais apareceu. Até fiz pro pobrezinho uma poesia. Meu filhinho fez a ilustração. Se não gostarem da poesia, poupem pelo menos o artista. O coitadinho não tem culpa de ter um pai assim. Vejam que profundidade lírica:
O Passarinho da Cabecinha Amarela
zé geraldo
Tão logo o dia amanhece,
no batente da janela
vem cantar um passarinho
da cabecinha amarela.
Canta alto,estridente,
enche o saco,
acorda a gente.
Vai pra mãe que te pariu,
seu passarinho
bundão! Vai
cantar no Raul Gil,
respeite a minha depressão!
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Fonte: Boletim Eletrônico “Migalhas”, de 30/3/2010(Apelação nº 70.031.969.942).
3.Ilustração:http://www.insanianews.com.br/home/wp-content/uploads/2009/04/a-juiza-e-o-galo-cantador.png