sexta-feira, 12 de março de 2010




A coisa alheia móvel.
zé geraldo



Decididamente, não entendo mais nada! Desde que me entendo por gente, furtar é subtrair para si ou para outrem a coisa alheia móvel. É assim que está no art.155 do Código Penal. Bem, está é modo de dizer. Estava até hoje de manhã, quando saí pro trabalho e dei uma olhadinha. Pode ser que à tarde tenha mudado. Pois a E. 5ª Turma do STJ decidiu que a tentativa de furto de um estepe de automóvel não constitui crime. Usou o tal “princípio da insignificância”. Não tenho nada contra o uso do princípio, mas pode chegar a hora em que a mídia vai entender insignificante o próprio papel do juiz. E nem sei se vai dar tempo de mudar de profissão. Concordo com a construção do princípio da bagatela. De verdade. Não se pode botar na mesma cela um ladrão de galinha e o sujeito que fraudou a previdência e desviou para a Suíça um milhão de dólares. O que não se deve é levar ao extremo a ideia de que não houve crime. Houve crime, sim senhor. O que o crime não tem é aquela dose de ofensividade de conduta, aquele grau de periculosidade social e aquele nível de reprovabilidade que justifique a intervenção repressiva do Estado em sua força máxima. Não me parece razoável levar em conta na aplicação do princípio da bagatela a “inexpressividade da lesão jurídica provocada”. Qualquer que seja a expressão jurídica da lesão, a ordem jurídica é afetada. Não importa se o sujeito furtou uma bicicleta ou um colar de diamantes de dois milhões de dólares. Furto é furto, e em qualquer dos seus graus a ordem social é atingida. O que deve variar é a pena, é o grau de repressividade. Tá certo que, no caso dos autos, houve mera tentativa. Mas foi tentativa de furto. Dizer que tentativa de furto não tipifica crime é desprezar toda uma construção doutrinária que diz exatamente o contrário. No furto, há subtração da coisa alheia. O crime se consuma quando o sujeito ativo se apossa, ainda que momentaneamente, da coisa alheia móvel. O crime de furto é doloso, pois o agente quer, efetivamente, apoderar-se do que não é seu. Mas o crime de furto admite tentativa. É, portanto, crime comum, doloso,comissivo, de dano, material e instantâneo. Dizer que o furto do estepe de um fusca não tem “relevância jurídica” é perigoso. Não tem relevância para quem? Para o ministro? Para sociedade? Ou para o dono do fusca? A questão, parece-me, não é essa. Está fora de foco. O que o STJ deve fazer é tipificar o crime, condenar e aplicar pena alternativa ao delinquente. De preferência, serviço social, prestação de uma atividade útil à comunidade.Amanhã, quando o sujeito furtar o estepe do carro do ministro, talvez o conceito de furto mude. O crime de tentativa de furto,senhores, existiu de fato. É na aplicação da pena que o julgador deve levar em conta a pouca ofensividade da ação delituosa, o grau mínimo de periculosidade social do agente e aquele nível baixo de reprovabilidade da conduta que talvez não justifique a intervenção do Estado com todo o seu rigor. É na cominação da pena, e não na tipificação do delito que o princípio da bagatela deve guiar a mão do juiz.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e sempre foi péssimo aluno em Direito Penal. 
2.Fonte:Boletim STJ de 12/3/2010.
3.Ilustração:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjX5_wZxIftovg1AbmNXxzh7dFRAtg1BMkSUeU2ptTkTQeQlmG_fnYa4wq7PGRwrAcrT7RDqtVYZQZX0D0oGVQpIVgJDF4YgekpZ9OPLx9N9FPG9D8bAaqqL_Pb6meW4Enb3Yf0wGVxkUEV/s400/Ladrao.jpg




Sobre o art.475-J do CPC.
zé geraldo

A 1ª Turma do TST entendeu que o art.475-J do CPC se aplica ao processo do trabalho e condenou o Banco Real a pagar multa de 10% sobre o débito corrigido caso não pague espontaneamente a obrigação contida na sentença trânsita em julgado. Prevaleceu o voto divergente do ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho.

Doutrina

Sempre decidi como o ministro Vieira de Mello. Anda em moda dizer-se que o direito processual civil alcançou a sua maioridade e é, agora, entre outras modernices, um “processo sincrético”. Querem com isso dizer que já não há mais um processo híbrido, composto de uma exaustiva fase cognitiva e outra executiva, permeadas por um hiato de dois anos no curso do qual o vencedor tinha, necessariamente, de propor ação para executar a sentença, sob pena de nenhum proveito tirar da condenação que lhe foi favorável. Isso, que anunciam como produto do gênio criativo do legislador processual civil, é posse mansa e pacífica no direito do trabalho há quase setenta anos. De fato, a execução de sentença nunca foi fase autônoma em relação ao conhecimento no processo do trabalho, tanto que ali nunca se aplicou a prescrição intercorrente. Exatamente porque o próprio juiz do trabalho pode provocar de ofício o início da execução, o TST chegou a editar súmula proibindo a aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho. Na omissão do juiz, contudo, não havia e não há prazo peremptório para que as partes liquidem o julgado. A L.nº 11.232/2005 acrescentou a letra “j” ao art.475 do CPC e, agora, depois de transitada em julgado a sentença condenatória, o vencido deve, em quinze dias, apresentar-se sponte propria para pagar o débito. Se não o fizer, e preferir aguardar o início da execução, por requerimento do credor, responderá pelo débito com acréscimo de 10%(dez por cento). De agora em diante, portanto, ou o devedor se apresenta espontaneamente para o cumprimento da sentença, pagando o que deve, ou aguarda o modo clássico de execução, pela iniciativa do credor, já então com acréscimo de dez por cento sobre o débito original. Alguns juízes do trabalho têm adotado a nova disciplina, mas a iniciativa nem sempre é vista com bons olhos. O TST, por algumas de suas Turmas, já se posicionou contra. A doutrina é incipiente e a jurisprudência ainda não sossegou entendimento sobre o ponto.

“Sincretismo” e Cumprimento de sentença.

Sincretismo”, do latim synkretismus, é um termo dúbio, introduzido na filosofia por Brucker, para significar “conciliação mal feita de doutrinas filosóficas completamente diferentes”. Por ele designa-se, amiúde, toda conciliação mal feita, ou pontos de vista de conciliação indesejável. Também pode significar sobreposição ou fusão de crenças religiosas de origens diversas. No sentido que emprestam às reformas do direito processual civil, “sincretismo” significa a fusão de dois ou mais momentos ou etapas do processo, com a intenção deliberada de enxugar o mecanismo de entrega da jurisdição para torná-la mais ágil, efetiva, simples e econômica. O “sincretismo” do processo civil começou com a antecipação de tutela inscrita no art.273 do CPC (antecipação do provimento do mérito diante de prova inequívoca e verossimilhança da alegação) e com a sentença mandamental executiva (tutela específica da obrigação ou providência judicial que assegure o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação), constantes do art.461, ambas tratadas na L. nº 8.952, de 13/12/94, prosseguiu, em 2002, com a obrigação de entrega de coisa certa, prevista no art.461-A do CPC, e alcançou o apogeu com a L.nº 11.232, em 2005,quando unificou as fases cognitivas e executória para permitir a execução da sentença nos próprios autos da cognição, sem que se possa falar, a partir daí, na necessidade de uma nova ação para executar a obrigação de pagar contida na sentença. No plano teórico, a possibilidade de executar a sentença na mesma relação originária provocou a revisão do conceito de sentença, que deixa de ser, como estava no §1º do art.162 do CPC, “ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”, para ler-se, agora, “ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269”. Quis-se, com isso, dizer que sentença é ato do juiz que se caracteriza pelo seu conteúdo, e não apenas que tenha aptidão para por fim ao processo, por isso a remissão aos arts. 267 e 269 do CPC, que tratam, respectivamente, da extinção do processo, com ou sem resolução do mérito.A execução da sentença, no processo do trabalho, sempre foi vista como mero desdobramento da fase de conhecimento. Nada mais natural. Só dizer o direito não basta. É preciso torná-lo efetivo, e isso, antes de ser do interesse do credor, ou da conveniência do devedor, é obrigação do juiz. Por isso o art.878 da CLT diz que a execução pode ser promovida por qualquer interessado, ou de ofício, pelo próprio juiz. Embora assim o diga, a CLT não estipula prazo para que se liquide a sentença, e se as partes agirem com relapsia, ou o juiz fizer ouvidos moucos ao que está na lei, é possível que o processo durma por anos a fio numa prateleira empoeirada, a prejuízo de todos; da máquina estatal, que terá de manter sob vigilante custódia esse morto-vivo; do empregado, que não recebe o que a sentença lhe deu, e em especial do próprio devedor, que terá de suportar os juros e a correção monetária dessa inércia inadmissível, para a qual ele também concorreu. Os que se opõem à aplicação do art.475-J do CPC ao processo do trabalho argumentam, como regra, que a legislação processual civil comum, e a extravagante, somente se aplicam ao processo do trabalho na omissão da CLT e, mesmo assim, se forem compatíveis com os princípios que a norteiam, e esses princípios são claramente tuitivos. Para esses opositores, a CLT não é omissa sobre cumprimento de sentença, e isso por si seria suficiente para arredar o art.475-J do CPC. Dizem, ainda, que as disposições desse artigo são incompatíveis com a celeridade desejada no processo do trabalho, e com isso pensam ter enterrado a esperança de que a norma civilista fizesse algum sucesso por aqui. Afirmam, também — e isso é verdade —, que o processo de execução trabalhista é regido pela L. nº 6.830/80, que regula o executivo fiscal, e essa lei não prevê multa por não cumprimento voluntário da sentença. E, por remate, insinuam que a aplicação do art.475-J do CPC criaria situações jurídicas intransponíveis no processo do trabalho.

A “mens legis” do art.475-J do CPC.

Como dito, até a edição da L. nº 11.232/2005, o credor no processo civil tinha de propor uma ação dentro da outra para haver o que era seu. Passada em julgado a decisão condenatória, tinha até dois anos para cobrar o crédito, por meio de uma outra ação, proposta nos próprios autos, sob pena de decair do direito. No processo do trabalho, viu-se, isso nunca foi necessário porque a execução não era e não é considerada fase apartada da cognição, e até mesmo o juiz pode iniciá-la, à revelia das partes. O propósito do art.475-J do CPC é provocar o pagamento voluntário da obrigação contida na sentença, ao mesmo tempo em que procura desestimular a mora do devedor e encurtar o tempo de duração do processo, como corolário de uma garantia constitucional. O art.769 da CLT diz que, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com suas normas. O processo judiciário na CLT é completamente omisso sobre cumprimento de sentença. O art.882 da CLT diz que o executado que não pagar a quantia reclamada poderá garantir a execução nomeando bens ou depositando a quantia reclamada, atualizada e acrescida das despesas processuais. O art.475-J funciona como desestimulador da mora patronal e garantia do direito constitucional à razoável duração do processo, um dos desdobramentos do devido processo legal. Outro argumento que tenho ouvido a favor dessa aparente incompatibilidade entre o art.475-J do CPC e o art.880 da CLT diz com o prazo do devedor para pagar o débito ou discutir a execução. O art.880 da CLT diz que, requerida a execução, o juiz mandará citar o réu para que pague em 48h, ou garanta a execução, sob pena de penhora. O art.475-J do CPC diz que se o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, ou já fixada em liquidação, não o fizer em quinze dias do trânsito em julgado, pagará o débito com acréscimo de dez por cento. Ou seja: enquanto o art.880 da CLT fixa prazo de 48h, o art.475-J do CPC fala em quinze dias. Em tese, essa regra, por franquear ao devedor prazo de quinze dias para pagamento, contra as quarenta e oito horas da CLT, seria menos benéfica para o credor trabalhista, e inaplicável ao processo do trabalho, portanto. O que os críticos desprezam, é a evidência de que o art.880 da CLT dá ao executado prazo de 48h para garantia do juízo, pelo depósito ou pela penhora, como forma de discutir a execução. Não se trata de prazo para pagamento da obrigação contida na sentença. O art.475-J do CPC diz que o devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação deve efetuar o pagamento em quinze dias, sob pena de sofrer acréscimo de 10%. Há uma diferença fundamental: o prazo exíguo de 48h de que trata o art.880 da CLT é para a garantia de uma execução que pode se eternizar porque pode ser atacada por embargos do devedor, embargos de terceiro, embargos de declaração, agravo de petição e por agravo de instrumento e, na hipótese de erro de procedimento, por reclamação correicional e, em hipóteses excepcionais, até mesmo por mandado de segurança. O prazo do art.475-J do CPC é para que o devedor se apresente e pague o débito, solva a obrigação contida na sentença e ponha fim ao processo. O benefício direto do credor trabalhista é muito maior quando aguarda o cumprimento voluntário da sentença, em quinze dias, com a possibilidade de acréscimo de dez por cento, na relutância do devedor, que quando opta pela execução na forma do art.880 da CLT, com todos os percalços de todos muito conhecidos. O fato de o art.880 da CLT não prever o acréscimo de dez por cento de que trata o art.475-J do CPC apenas mostra a omissão da CLT sobre o ponto, e não a sua opção por um outro critério coercitivo que baste para afastar a nova regra processual. Argumenta-se, ainda, que a aplicação do art.475-J do CPC violaria o art.882 da CLT, que permite ao devedor discutir a execução oferecendo bens à penhora ou garantindo o juízo depositando a quantia atualizada do débito, além dos juros e demais despesas processuais. Trata-se de uma falsa premissa, pois a indicação de bens, atualmente, é prerrogativa do credor, e não mais do devedor. Os críticos dizem, por fim, que a L. nº 6.830/80, que regula o executivo fiscal e rege o processo de execução trabalhista, não prevê qualquer multa para o caso de o devedor não cumprir voluntariamente a sentença. Têm razão. Mas o fato de não haver tal previsão não significa que o art.475-J não deva ser aplicado, mesmo por que a própria CLT já diz que o direito comum é fonte subsidiária do direito do trabalho naquilo em que ela se omitir e no que for com ela compatível. A lei do executivo fiscal é de 1980; o art.475-J do CPC veio com a L. nº 11.232, de 2005. Obviamente, a L. nº 6.830/80 não poderia ter previsto uma regra que só ingressou no sistema vinte e cinco anos depois. Por outro lado, a evidência de que a L. nº 6.830/80 não prevê multa e, portanto, não poderia se aplicar ao processo do trabalho apenas reforça o argumento de que o art.475-J do CPC se aplica ao processo do trabalho porque a CLT é omissa e não há nenhuma incompatibilidade, já que estimula o cumprimento voluntário da obrigação e concorre, na sua medida, para a desejada celeridade processual. A L. nº 6.830/80 também não contém várias inovações trazidas pela reforma processual, mas são usualmente aplicadas à execução trabalhista sem que contra isso se levante a mesma crítica.

Compatibilização entre o art.475-J do CPC e o art.880 da CLT.

Argumenta-se, de último, que a aplicação do art.475-J do CPC criaria “dificuldades intransponíveis” no processo do trabalho. Não vejo quais. O art.475-J fala em “devedor condenado ao pagamento de quantia certa ou fixada em liquidação”. Se se fala em “devedor condenado”, é intuitivo que há trânsito em julgado. Se a quantia foi fixada na própria sentença, como no caso dos procedimentos sumaríssimos, ou na liquidação, após o trânsito em julgado, não há dúvida de quem seja o devedor, o que deve (an debeatur) e de quanto deve (quantum debeatur). Conquanto o artigo fale em aplicação da multa “a requerimento do credor”, penso que possa ser aplicada de ofício, com base no próprio art.880 da CLT, no ponto em que diz que o juiz mandará expedir mandado pelo modo e com as cominações (por ele) estabelecidas. O momento da sua fixação — se na sentença ou na fase de execução — não é, até onde entendo, uma dificuldade. A cominação de pagamento espontâneo, após o trânsito, sob pena de pagar com multa, deve constar da decisão porque é cláusula penal e compõe, no dizer de Dinamarco, um dos capítulos da sentença, mas pode ser estipulada a qualquer tempo pelo juiz, ainda que apenas na fase de execução. Penso que não seja possível exigir a multa do art.475-J do CPC na execução provisória, porque se exige trânsito em julgado. Será sempre cabível no procedimento sumaríssimo porque a condenação é líquida e o devedor sabe, desde o trânsito em julgado da decisão condenatória, o valor do débito. O termo a quo para a exigência da multa é o trânsito em julgado. Não há necessidade de intimação expressa do executado para que pague sponte sua, sob pena de multa, porque isso já está na lei. A intimação, quando necessária, poderá ser feita na pessoa do advogado, especialmente se detém poderes especiais. Na justiça do trabalho não se pede citação in faciem (pessoal) do devedor.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).

Relação de Emprego de Motorista de Transporte de Carga.
zé geraldo

Introdução

São comuns no foro pedidos de reconhecimento de vínculo de emprego de motoristas profissionais ocupados no transporte de carga. Quase sempre, os sedizentes empregados prestam serviços às sociedades empresárias com veículos próprios, com ou sem exclusividade ao encomendante, onde o dono da carga, além do preço do frete livremente estipulado entre as partes ou fixado unilateralmente ora pelo dono do caminhão, ora pelo dono da carga, paga os custos com o combustível e com a manutenção do veículo. Invariavelmente, nega-se a relação de emprego contrapondo a autonomia do prestador, ou parceria, em que os riscos são divididos meio a meio. Este texto é fruto dessas inquietações e foi escrito com a pretensão de separar o joio.

Relação de emprego

É presunção comum, favorável ao empregado, que todo trabalho salariado decorre de um contrato de trabalho. Não há contrato de trabalho sem subordinação jurídica. Contrato de trabalho é o acordo tácito, ou expresso, que correspondente à relação de emprego[2]. Segundo a doutrina[3], essa definição é tautológica. ANTONIO LAMARCA[4] diz que relação de emprego e contrato individual de trabalho são a mesma coisa. O contrato de trabalho é de atividade. Não tem conteúdo específico e resume uma obrigação de fazer[5]. Para GHIDINI[6], é um negócio jurídico por meio do qual um sujeito (trabalhador) se obriga a prestar a própria atividade laboral a outro, sob subordinação e mediante pagamento. Sendo expresso, pode ser escrito ou verbal. Podendo ser tácito, a obrigação jurídica deflui de um estado de fato, isto é, as partes se conduzem de tal forma que acabam por amoldar as suas relações recíprocas ao standard que a legislação de antemão define como contrato de trabalho. Não é possível distinguir onde há contrato de trabalho e, portanto, relação de emprego, sem que se examinem a priori os conceitos de empregador e de empregado[7]. Empregador é a empresa, individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços[8]. Empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário[9]. O conceito de empresa não é unívoco. É econômico e não jurídico. Empresa é a atividade empresarial[10]. Por isso se diz que nenhuma modificação na estrutura jurídica da empresa (entendamos: da atividade empresarial) afeta o direito dos empregados[11]. Haverá relação de emprego e, pois, contrato de trabalho, sempre que, no caso em concreto, se fizerem presentes tanto os requisitos dos arts.2º e 3º quanto os do art.442 da CLT. Na doutrina e na jurisprudência é cediço que, negada a prestação do trabalho, ao sedizente empregado incumbe o ônus da prova porque o fato é constitutivo do direito de invocar a proteção normativa e de receber a indenização taxada em lei[12]. Admitida a relação de trabalho, ainda que de forma eventual ou sob o rótulo da autonomia, de representação comercial, de trabalho temporário, de contrato de estágio, de empreitada, de obra certa ou sob outra modalidade de contrato que não seja o de emprego, qualquer que seja a forma de pagamento, incumbe ao empregador demonstrar que de fato de relação de emprego não se tratava. Não se trata de exigir do réu prova do fato negativo, mas de lhe impor o encargo da prova do fato impeditivo do direito do trabalhador de se ver amparado pela legislação laboral, em decorrência do contrato de trabalho que de antemão se presume existente. Conquanto se trate de uma presunção relativa, ao empregado basta demonstrar o fato objetivo, isto é, a prestação efetiva do serviço para que se imponha ao empresário a prova de que o consórcio se travara por qualquer das outras formas lícitas de comércio que não tipificam relação de emprego. Prova é a soma dos meios produtores de certeza. Tem por fim levar a convicção ao juiz[13]. Meios de prova são as fontes probantes, os meios pelos quais o juiz recebe os elementos ou motivos de prova. Elementos ou motivos de prova são os informes sobre fatos, ou julgamentos sobre eles[14]. A prova refere-se a fatos. Direitos, pretensões, ações e exceções são efeitos dos fatos jurídicos pretendidos por quem os alega. Quando se diz que tal e qual deve provar o fato, o que se quer dizer é que tem o ônus de provar o fato jurídico donde irradia o direito que pretende[15]. Ônus da prova[16] é o ônus que tem alguém de dar a prova de algum enunciado do fato[17]. Antes de se saber a quem cabe o ônus de provar este ou aquele fato, impõe-se saber quem tem o ônus de afirmar, e o que lhe toca afirmar[18]. Por exigência da lei[19], cabe ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, presumindo-se verdadeiros os não impugnados, exceto se não for admissível a confissão[20], se a inicial não se fizer acompanhar do instrumento público que a lei considerar da substância do ato[21] ou se estiverem em contradição com a defesa, tomada em seu conjunto[22]. Ao contestar, o réu assume uma de duas posições: a) — afirma que o fato não é verdadeiro, mas invenção ou ficção do autor; b) — afirma que o fato ocorreu de modo diferente dos narrados pelo autor[23]. No primeiro caso (quando o réu afirma que o fato não é verdadeiro), trata-se de uma inexatidão absoluta. No segundo (quando o réu admite o fato, embora diga ter ocorrido de outro modo), de inexatidão relativa. Na inexatidão absoluta, é suficiente afirmar a inexistência do fato, mas é conveniente que se alegue fato ou fatos incompatíveis com a narrativa do autor. Na inexatidão relativa, o réu deve restabelecer a verdade, provando o que ocorreu verdadeiramente[24]. Não se admite contestação por negação geral[25]. Se o réu deixa de contestar um ou vários fatos, cessa sobre eles a controvérsia, não se exigindo outra prova, nem se permitindo que o réu a produza, exceto se o autor pretender produzi-la se a confissão lhe parecer insuficiente[26]. A defesa pode ser direta ou indireta. Na defesa direta, o réu limita-se a enfrentar os fatos do autor, mas não aduz fatos novos: nega a verdade dos fatos deduzidos pelo autor ou nega-lhes as consequências jurídicas[27]; na indireta, opõe-se aos fatos deduzidos contrapondo fatos novos, extintivos ou impeditivos do direito do autor. Tratando-se de fatos novos — fatos do réu —, não são propriamente impugnações dos fatos alegados na inicial. “Quem apenas oferece defesa indireta aceita os fatos do autor, não os impugna”[28].

Motorista de carga

A L. nº 11.442, de 5/1/2007, dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas —TRC— realizado em vias públicas, no território nacional, por conta de terceiros e mediante remuneração, os mecanismos de sua operação e a responsabilidade do transportador. O transporte rodoviário de cargas é de natureza comercial, exercida por pessoa física ou jurídica, em regime de livre concorrência, e depende de prévia inscrição do interessado em sua exploração no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas — RNTR-C— da Agência Nacional de Transportes Terrestres — ANTT—[29]. Se a sociedade empresária tem por objeto social transporte de cargas ou de pessoas, deve ter no seu quadro de pessoal motoristas profissionais. Em tese, pelo menos, esses motoristas têm de ser empregados, mas a empresa de transportes também pode contratar motoristas profissionais autônomos, cooperativas de trabalho[30], empregados temporários[31]ou mesmo outra empresa especializada em transportes. Se opta por suprir parte do seu pessoal permanente com motoristas autônomos, é indispensável que se trate, verdadeiramente, de autônomos, pena de se inferir que, por se ligarem à atividade-fim da sociedade empresária, são, em rigor, empregados dela, travestidos de autônomos. O conceito de motorista autônomo não deflui da vontade das partes, ou de como se comportam na relação civil que entendem não configurar relação de emprego, mas da própria lei. Tanto faz que a sociedade empresária empreste ao motorista o rótulo da autonomia se o prestador do serviço de motorista não é, efetivamente, autônomo, ou se a sociedade empresária continua dirigindo a atividade do prestador como se de empregado se tratasse. Transportador autônomo de cargas é a pessoa física que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade profissional[32]. Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas é a pessoa jurídica constituída por qualquer forma prevista em lei que tenha no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal[33]. Para que o motorista seja, verdadeiramente, autônomo, deverá comprovar ser proprietário, coproprietário ou arrendatário de, pelo menos, um veículo automotor de carga, registrado em seu nome como veículo de aluguel no órgão de trânsito e comprovar ter experiência de, pelo menos, três anos na atividade, ou ter sido aprovado em curso específico. Entre a empresa de transporte rodoviário de cargas e o transportador autônomo de cargas deve haver contrato escrito disciplinando a forma dessa prestação de serviço do transportador, se agregado ou independente[34]. Agregado[35] é quem coloca veículo de sua propriedade, ou de sua posse, a ser dirigido por ele próprio ou por preposto seu, a serviço do contratante, com exclusividade, mediante remuneração certa. Independente[36],é todo aquele que presta os serviços de transporte de carga de que trata essa lei, em caráter eventual e sem exclusividade, mediante frete ajustado a cada viagem. Uma relação contratual travada nesse molde é de natureza comercial, não ensejando vínculo de emprego[37]. O transporte rodoviário de cargas será efetuado sob contrato ou conhecimento de transporte, que deverá conter informações para a completa identificação das partes e dos serviços, e de natureza fiscal[38], assumindo, ambos — empresa de transporte de cargas e transportador autônomo de cargas —, responsabilidade perante o contratante. Se esses cuidados forem deslembrados, a hipótese será de vínculo de emprego, e não de autonomia.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
[2] CLT, art.442.
[3] SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Delio; SEGADAS VIANNA e LIMA TEIXEIRA, João Lima. Instituições de Direito do Trabalho,Vol.1,150, LTR,p.236.
[4] LAMARCA, Antonio. Contrato Individual de Trabalho, Ed.RT.,1.969, p.96.
[5] GARCIA, Manuel Alonso, Curso de Derecho del Trabajo, Ariel, Barcelona,100 ed.,1987, p.310.
[6] GHIDINI, Mario.Diritto del Lavoro,90 ed.,Padova,Cedam, 1985,p.159:“Il contratto individuale di lavoro è il negozio giuridico(contratto)col quale un soggetto(lavoratore)si obbliga a prestare la propria attività lavorativa a favore di altro soggetto(datore di lavoro),in posizione di subordinazione, verso un corrispettivo, la retribuzione“.
[7] CLT, arts.21 e 31.
[8] CLT, art, 21.
 [9] CLT, art.31.
[10] BULGARELLI, Valdírio. Teoria Jurídica da Empresa, T.,1.985,p. 214/297.
[11] CLT, arts. 10 e 448.
[12] CLT, arts.787 e 818.
[13] MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1996, 3ª edição, Tomo IV, p. 257.
[14] MIRANDA, Pontes. Op. e loc. cit.
[15] MIRANDA, Pontes. Op.cit., p.245.
[16] MIRANDA, Pontes. Op.cit., p.270/271: “O ônus da prova é objetivo, não subjetivo. Como partes, sujeitos da relação jurídica processual, todos os figurantes hão de provar, inclusive quanto a negações. Uma vez que todos têm de provar, não há discriminação subjetiva do ônus da prova. O ônus da prova, objetivo, regula consequência de se não haver produzido prova. Em verdade, as regras sobre consequências da falta da prova exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta prova, é que se tem de pensar em se determinar a quem se carga a prova. O problema da carga ou ônus da prova é, portanto, o de determinar-se a quem vão as consequências de se não haver provado; ao que afirmou a existência do fato jurídico( e foi, na demanda, o autor), ou a quem contra-afirmou(=negou ou afirmou algo que exclui a validade ou eficácia do ato jurídico afirmado), seja o outro interessado, ou, na demanda, o réu. Enquanto alguém se diz credor, e não no prova, não pode esperar de que trate como credor. Por isso, intentada a demanda, se o autor afirma a existência de algum fato jurídico(=a juridicidade de algum fato = a entrada, antes ou agora, de algum fato no mundo jurídico), e não no prova, até precluir o tempo em que em que poderia provar, a consequência é contra ele:actore non probante reus absolvitur. Se o adverso afirmou, por sua vez, que houve deficiência no suporte fático(=entrou no mundo jurídico com a falta de algum elemento ou presença de elemento que vicia o ato jurídico = entrou nula ou anulavelmente), e o afirmante provou a existência, a prova do afirmante está de pé e a falta de prova pelo adverso importa em que a consequência seja contra ele”. 17] MIRANDA, Pontes. Op.cit. p.253: “Não se pode pensar em dever de provar, porque não existe tal dever, quer perante a outra pessoa, quer perante o juiz; o que incumbe ao que tem o ônus da prova é de ser exercido no seu próprio interesse. Dever somente há onde se há de acatar ou corresponder ao direito de outrem, ou onde se há de ter certa atitude, concernente a si mesmo”.
[18] MIRANDA, Pontes. Op.cit., p.249, diz: “Cada parte tem de afirmar os fatos que sejam necessários e suficientes para que se conheça o caso da demanda judicial e se possa verificar se está compreendido no caso da lei invocada”.
[19] CPC, art. 302, caput.
[20] CPC, art.302,I.
[21] CPC, art. 302,II.
[22] CPC, art.302, III.
[23] CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. Forense, Rio de Janeiro, 6ª ed., 1989,p.329.
[24] CALMON DE PASSOS. Op.cit.,p.329.
[25] CALMON DE PASSOS. Op.cit.. p.328, diz:”A primeira consequência a retirar-se do dispositivo é a da impossibilidade da contestação por negação geral. Não só a tradicional contestação por negação geral, mas também a contestação que se limita a dizer não serem verdadeiros os fatos aduzidos pelo autor. Firmar isso e não impugnar são coisas que se equivalerão. Quer a exigência primitiva de manifestação específica, quer a constante do texto, de manifestação precisa, brigam de modo irreconciliável com a pura e simples negação dos fatos. Cumpre ao réu dizer não somente que os fatos são inverídicos, mas também como ocorreram ou que outros fatos são verdadeiros. A pura e simples negação pelo réu carece de eficácia para impedir que se estabeleça a presunção de verdade referida no art.302”.
[26] MIRANDA, Pontes. Op.cit., p.140.
[27] CALMON DE PASSOS. Op.cit. p.334.
[28] CALMON DE PASSOS. Op.cit. p.333.
[29] L .nº 11.442/2007, art.2º, caput.
[30] L. nº 11.442/2007, art.,§3o : “Para efeito de cumprimento das exigências contidas no inciso II do §2o deste artigo, as Cooperativas de Transporte de Cargas deverão comprovar a propriedade ou o arrendamento dos veículos automotores de cargas de seus associados”.
[31] Nas hipóteses da L. nº 6.019/74.
[32] L.nº 11.442/2007, art. 2º,I.
[33] L. nº 11.442/2007,art.2º, II.
[34] L. nº 11.442/2007,art.4º.
[35] L. nº 11.442/2007,art.4º, §1º.
[36] L. nº 11.442/2007,art.4º, §2º.
[37] L. nº 11.442/2007, art.5º.
[38] L. nº 11.442/2007, art. 6º.





A relação entre advogado e cliente é de consumo!
zé geraldo



A relação entre advogado e cliente é de consumo, e não de trabalho, e os honorários contratados no mandato têm de ser cobrados na justiça comum, e não na trabalhista. Foi o que disse o ministro carioca Aloysio Corrêa da Veiga (foto) no julgamento do E-RR-781/2005-005-04-00.5. Depois de ensinar as premissas que tipificam uma relação de trabalho, e de distingui-la de uma autêntica relação de consumo, o ministro disse que os serviços do advogado, assim como do médico em uma cirurgia estética ou reparatória, tanto quanto o conserto ou assistência técnica caracterizam relação de consumo. Referiu-se, expressamente, ao art.2º do CDC, no ponto em que define consumidor como toda pessoa física ou jurídica que adquira ou utilize produto ou serviço como destinatário final. Ao que explicou, o consumidor, ao contratar a prestação de serviços como destinatário final, age para atender a uma necessidade própria, e não para desenvolver outra atividade negocial. Venho decidindo assim desde a promulgação da Emenda 45/2004, mas ninguém nunca me deu bola. Como disse Millor, é duro nascer com talento pra tocar violino numa tribo onde só tocam tambor”. Copiando a frase, digo sempre que é muito duro a gente se chamar zé num lugar onde os caras se chamam walter, edward, george, peter, mcgreen etc. Se ao menos eu me chamasse “joseph nobody”, talvez me dessem valor...Advogado e cliente têm relação de consumo. Dalazen, do mesmo TST, já havia dito que “a relação de consumo traduz uma obrigação contratual de resultado, em que o que menos importa é o trabalho em si”. Fiando-se nisso, o ministro Aloysio disse que, para ele, no contrato de mandato, o objeto do ajuste é um resultado, embora decorrente da prestação de serviços. No caso, o trabalho não é o cerne do contrato, mas sim um bem de consumo que se traduziu nele, que é o resultado esperado diante de um contrato realizado entre as partes, qual seja, prestação de serviços de advocacia como profissional liberal”. A competência para a cobrança de honorários é da justiça comum, e não da Justiça do Trabalho. O STJ tinha já dito isso por várias vezes. Vamos ver se agora, quando a lição sai da boca do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, um dos mais sérios e respeitados da mais alta Corte trabalhista do país, o pessoal cá de baixo começa a prestar mais atenção...
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e tem apenas dois neurônios. Mas funcionam!





Um erro não justifica o outro.
zé geraldo


O povo diz que um erro não justifica o outro. Foi isso o que também disse o ministro Luiz Fux, relator do REsp 1.073.390-PB,julgado em 2/3/2010. Nos autos de uma execução fiscal, a Fazenda(por favor, não me exijam "Fazenda Pública", que não há outra "Fazenda" que não seja pública!) pediu, de modo desastrado, que a lide fosse extinta, por ter havido pagamento. O juiz da causa atendeu o pedido e pôs fim à execução. Quando a sentença passou em julgado, a Fazenda voltou aos autos para pedir a sua "reconsideração", alegando erro material. Segundo disse, o contribuinte ainda devia aos cofres públicos e o juiz tinha de desprezar a sentença e retomar a execução. O juiz negou o pedido e a Fazenda apelou para o Tribunal de Justiça, que deu razão ao juiz e manteve a extinção: se a sentença passou em julgado, só por rescisória o nó tinha de ser desfeito. A Fazenda não se conformou e apelou para o STJ. O ministro Fux deu razão ao Tribunal.Certíssimo! Um erro não justifica o outro. Se a Fazenda errou ao pedir a extinção da execução por um pagamento que não tinha sido feito, o caminho era cortar a sentença por rescisória, e não pedir que o juiz "reconsiderasse" a sentença de mérito trânsita em julgado. Sentença não se reconsidera. Ou se reforma ou se anula, por meio de recurso de apelação, ou se rescinde, por meio de ação própria. Reconsidera-se despacho, que é ato de mera ordenação.Trocando em miúdos: não se desce do cavalo no meio do banhado...
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e detesta advogado trapalhão.
2.Ilustração:http://www.zaroio.com.br/i/o/2009012701292717.jpg



Nem todos são iguais perante a lei.
zé geraldo.

Segundo o art.461 da CLT, sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor deve pagar-se salário igual, sem distinção de sexo, nacionalidade, idade. E, obviamente, também sem distinção de cor. Para que ao trabalho igual seja pago salário igual, a lei exige que seja prestado ao mesmo empregador e na mesma localidade, com mesma produtividade e perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença na função não seja superior a dois anos. Trabalhos intelectuais e artísticos não são mensuráveis e não podem ser objeto de equiparação (CARRION, Valentim.Comentários à CLT. São Paulo:Saraiva, 2009, 34ª ed.,p.326). Nada disso vale se a sociedade empresária tem pessoal organizado em quadro de carreira; nesse caso, as promoções dão-se por antiguidade e merecimento. A jurisprudência ainda não tem consenso sobre o que se deve entender por “mesma localidade”, mas inclina-se no sentido de que  “mesma localidade” equivale a “mesmo município”, ou a municípios distintos, desde que contíguos e que integrem a mesma região metropolitana. Fiando-se nisso, o TST negou provimento a um recurso onde a gerente de banco de um Estado queria equiparação à gerência do mesmo empregador, lotada em Estado distinto da Federação. Para o relator, ministro Emmanoel Pereira, embora as funções possam ser idênticas, o grau de responsabilidade pode variar de acordo com as atribuições da agência, as peculiaridades da região, a complexidade dos serviços.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2. Fonte: Boletim do TST de 12/3/2010(RR nº 75940-30-2007-5-13-0004).
3.Ilustração: ttp://www.globalframe.com.br/gf_base/empresas/MIGA/imagens/7291592ECA999CE60759603BBCEA96AD4CAD_martelo.jpg



Não incide INSS sobre Vale-transporte.
zé geraldo



Segundo os arts.1º da L. nº 7.418/85 e 1º do D. nº 95.247/87, o vale-transporte é um direito do empregado, condicionado à satisfação de certos pressupostos (uso exclusivo em transporte coletivo público, regular, urbano, municipal, intermunicipal ou interestadual e não seletivo e só para custeio de despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa). Não tem natureza salarial, não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou do FGTS, não é rendimento tributável do trabalhador (L. nº 7.418/85, art.2º, “a”, “b” e “c”) e não integra a remuneração do empregado para cálculo do 13º salário (D. nº 95.247/87, art.6º,III).É proibida sua substituição por dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento (D. nº 95.247/87, art.5º). Declarações falsas feitas para o fim de receber vale-transporte ou seu uso indevido tipificam falta grave (CLT, art.482) para a terminação do contrato (D. nº 95.247/87, art.7º, §3º). Tudo o que o empregado gastar com passagens durante o mês e que exceder a 6% do seu ganho básico (salário sem quaisquer outros acréscimos) é de responsabilidade do patrão. Se o total das despesas mensais com transporte não exceder a 6% do seu ganho básico, seu custeio será de inteira responsabilidade do empregado. Exigir que o empregado prove no processo que declarou à empresa necessitar o uso do vale-transporte é inverter completamente o princípio da partição do encargo probatório (CPC, art. 333, I e II e CLT, arts. 787 e 818). Se o vale-transporte é um direito do empregado, que se condiciona, entre outras coisas, ao seu requerimento à empresa, é ônus do patrão provar que o empregado não fez a declaração que o habilitava à percepção do benefício. O INSS sempre entendeu que o vale-transporte pago em desacordo com a lei passa a ter natureza salarial e deve sofrer incidência da contribuição previdenciária.

O STF acaba de decidir que o vale-transporte não perde a sua natureza indenizatória ainda que pago em dinheiro, e não pode, portanto, ser tributado. O TRF da 3ª Região havia decidido que o vale-transporte pago em dinheiro constituía ganho habitual que se incorporara ao salário e deveria ser tributado para fins previdenciários. Segundo o ministro Eros Grau, “pagar o benefício do vale-transporte em dinheiro não afeta o caráter do benefício". Cezar Peluso, recém-eleito Presidente do STF, ponderou que mesmo existindo o risco de que as empresas dissimulem salários sob a forma do vale-transporte, o desvio deve ser combatido por meio de sanções administrativas, e não tributárias. Segundo o ministro Ricardo Lewandowski, “o recolhimento exigido pelo INSS fere o princípio da boa fé do empregador, que paga o vale em dinheiro com a expectativa de que o valor não integre o salário e que, portanto, não incida a contribuição previdenciária". Foram vencidos os ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa.

Clique aqui e leia,
na íntegra,
o voto do Ministro Eros Grau.

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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Ilustração:http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.aaparaxa.com.br/wp-content/uploads/2009/12/martelo-da-lei.jpg.