sexta-feira, 29 de janeiro de 2010





Limites do Redirecionamento da Execução Fiscal Contra o Sócio de Sociedade Empresária.
zé geraldo



Para fazer frente aos inúmeros encargos que decorrem de sua própria natureza institucional, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituem tributos, que podem assumir a modalidade de impostos, taxas e contribuição de melhoria. Essas três modalidades de tributos são tratadas genericamente na lei tributária como obrigações tributárias, e se sujeitam ao nascimento de um fato gerador. Fato gerador é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. A obrigação tributária pode ser principal ou acessória. É principal, quando surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária; extingue-se ao mesmo tempo que o crédito dela decorrente; é acessória, quando decorre da legislação tributária e visa o interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. A administração não pode exigir tributo sem lei que previamente o estabeleça nem utilizar tributo com efeito de confisco, assim como não pode cobrar tributo no mesmo exercício financeiro que o tenha criado ou majorado ou cobrar tributos de templos ou cultos, patrimônio, renda ou serviços de partidos políticos, fundações, entidades sindicais de trabalhadores, instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos ou exigir tributo sobre fato gerador nascido antes que a lei o definisse como tal.
Imposto é o tributo exigido ao contribuinte e cuja obrigação tem por fato gerador uma situação que não depende de qualquer atividade estatal específica; taxa é um tributo que tem por fato gerador o exercício regular do poder de polícia da administração, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição; entende-se por poder de polícia a atividade da administração pública que limita ou disciplina direitos, interesses ou a liberdade do cidadão, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão do interesse público relativo à segurança, à higiene, à ordem pública, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas que dependam de autorização do Poder Público ou à tranquilidade pública, ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. As taxas não podem ter por base de cálculo a mesma base dos impostos; a contribuição de melhoria decorre das obras públicas criadas, executadas e postas a serviço da população, e os impostos, tanto quanto possível, devem ter caráter pessoal e graduar-se segundo a capacidade econômica do contribuinte; contribuição de melhoria é todo tributo instituído para custear obras públicas das quais decorra valorização imobiliária.
Assim como toda obrigação envolve debitum e obligatio, a obrigação tributária tem um sujeito ativo e um passivo.Sujeito ativo da obrigação tributária é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento, ou, dito doutro modo, sujeito ativo da obrigação tributária é o titular do crédito tributário.Sujeito passivo dessa obrigação tributária é a pessoa obrigada ao seu pagamento. O sujeito passivo da obrigação tributário pode ser principal ou responsável. O sujeito passivo da obrigação é dito principal ou contribuinte quando é diretamente obrigado ao seu pagamento, quando tem relação pessoal e direta com a situação de fato que deu origem ao fato gerador. Por outro lado, diz-se sujeito passivo responsável pela obrigação tributária aquele que, mesmo não tendo a condição jurídica de contribuinte, isto é, mesmo não sendo o responsável direto pela obrigação tributária, passa a obrigar-se pelo seu pagamento por força de lei. O art.128 do CTN diz que a lei pode atribuir expressamente a um terceiro a responsabilidade tributária se esse terceiro estiver vinculado ao fato gerador da obrigação, podendo excluir da responsabilidade direta pela obrigação tributária o contribuinte e devedor originário, sujeito passivo principal da obrigação tributária, ou afetar essa responsabilidade a um terceiro mas manter o devedor originário como corresponsável pela dívida tributária, no todo ou em parte. Nessas hipóteses, embora o sujeito passivo da obrigação tributária seja, por definição da lei, o contribuinte, essa mesma lei pode afetar essa responsabilidade a um terceiro que esteja ligado ao fato gerador responsável pelo nascimento da obrigação tributária sem excluir, total ou parcialmente, o devedor originário do pólo passivo dessa obrigação tributária.


Para a lei, empregador é a empresa. Empresa é uma abstração. Quando dois ou mais sócios, sejam pessoas físicas ou jurídicas, ajuntam seus patrimônios e decidem organizar esses insumos — capital, trabalho, terra, tecnologia, empregados — a fim de produzirem ou fazerem circular bens e serviços para o mercado, diz-se que constituíram uma empresa. Empresa é, portanto, a atividade do empresário organizada para o mercado. Embora, em sentido jurídico, a empresa só passe efetivamente a existir quando o empresário atua sobre os bens físicos e intangíveis que a compõem, quem contrata, quem contrai obrigações e responde por elas é a empresa, isto é, a atividade posta em ação pela vontade do empresário, e não o empresário mesmo. Em regra, portanto, o empresário só responde perante a sociedade até o limite do capital subscrito, mas a sociedade responde perante terceiros com todo o seu patrimônio, presente e futuro. Em princípio, o patrimônio pessoal do sócio pertence a ele, e o da sociedade empresária, a ela; não se confundem, não se misturam. A sociedade não responde pela dívida pessoal do sócio nem o sócio responde com seus bens particulares pela dívida da sociedade empresária. Essa é a regra geral, mas há hipóteses em que a propria lei permite que se desconsidere a face legal da empresa para alcançar o patrimônio do sócio. São hipóteses especialíssimas, convenhamos, e o intérprete não as pode alargar. Fixemos esta premissa: como regra, o sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa jurídica, a sociedade, seja simples ou empresária. Apenas excepcionalmente essa responsabilidade passa aos sócios. Se a obrigação tributária principal não puder ser solvida pelo contribuinte, isto é, pelo devedor original, respondem por ela, solidariamente, nos atos em que intervierem, ou pelas omissões de que forem responsáveis, os pais, pelos tributos devidos pelos filhos menores, os tutores e curadores, pelos tributos devidos pelos tutelados ou curatelados, os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por eles, o inventariante, pelas obrigações do espólio, o síndico e o comissário, nos tributos devidos pela massa e, agora, pelas empresas em recuperação judicial, já que a concordata foi extinta pela L.nº 11.101/2005, os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos pelos atos por eles praticados, ou perante eles praticados em razão do ofício, e os sócios, em caso de liquidação de sociedade de pessoas.


O art.135,III do CTN prevê, expressamente, a responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado nos casos de excesso de poderes ou infração de lei, do contrato social ou dos estatutos. Em princípio, a execução fiscal somente pode ser redirecionada aos sócios-gerentes, diretores e administradores de sociedades anônimas ou por quotas de responsabilidade se demonstrado que agiram com excesso de poder ou infringiram a lei, o contrato ou os estatutos sociais. Os tribunais têm sistematicamente decidido que a simples falta de recolhimento de tributo não dá automaticamente ao Fisco o poder de redirecionar a execução contra os bens pessoais dos sócios, assim como a inexistência de bens no ativo da sociedade não é indício suficiente de que se praticou excesso de mandato ou de que se agiu em fraude, ou se geriu o negócio ultra vires  e, fiando-se nessa ilação, redirecionar-se a execução. A lei tributária define quem é o sujeito passivo da obrigação tributária e em que condições essa obrigação pode ser afetada solidariamente a outrem. O Fisco pode muito, mas não pode tudo. O que o art.135, III do CTN quis punir foi o excesso de mandato, a fraude à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Numa palavra: coibir o mau uso da sociedade ou punir a sociedade que se deslembra de sua função social.Vicissitudes do negócio, especialmente num país perdulário como o nosso, não pode, obviamente, servir de álibi para a caça predatória dos tributos, engendrada pelo Fisco.

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1.O autor é Juiz do Trabalho(7ª Turma do     TRT/RJ).
Seus artigos publicados na Itália estão em http://www.diritto.it/