domingo, 7 de março de 2010



O Conceito de Empresa para o Direito do Trabalho.
zé geraldo.


A “empresa” como objeto jurígeno.


O conceito de empresa parece ser para o direito um desses mistérios de esfinge. Por mais que soe herético aos puristas do direito empresarial, tenho para mim que esse conceito é absolutamente desimportante. Nisso, estou ao abrigo de BRUNETTI e FRANCESCO FERRARA, este professor de Florença. Em boa companhia, portanto. Empresa não tem personalidade jurídica nem é sujeito de direito, mas objeto dele. O conceito de empresa não é jurídico, mas econômico. A ciência jurídica jamais elaborará um conceito jurídico de empresa que seja melhor ou mais exato que o econômico, ou que não se apoie inteiramente nele, e seja, portanto, desnecessário. BRUNETTI dizia que a empresa, como entidade jurídica, é uma abstração, e os “efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita”. Ao que disse, se, do lado político-econômico a empresa é uma realidade, “do jurídico é un’astrazione, porque, reconhecendo-se como organização de trabalho formada das pessoas e dos bens componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata, devendo-se na verdade ligar à pessoa do titular”. Esse sujeito titular é o empresário. A explicação é simples: o empresário reúne capital, matéria prima, tecnologia e trabalho aliciado a outrem. Organiza, pois, sua atividade voltada ao mercado. Até aí, essa organização é um simples complexo de bens e pessoas, mas não tem vida própria. Quando o empresário atua sobre essa organização e inicia a atividade que alcançará a produção desejada, a empresa propriamente dita nasce para o mundo dos fatos e para o mundo jurídico. Disso se conclui que empresa é uma atividade organizada dos meios de produção posta em ação por vontade do empresário. O empresário atua a empresa e empresa é, no frigir dos ovos, exercício de atividade produtiva. Desse exercício mais não se tem senão uma ideia abstrata. Desde o século XIX já se intuía existirem na sociedade organizações econômicas destinadas à produção. À testa dessas organizações existiam pessoas que reuniam e adaptavam recursos sociais às necessidades sociais, remunerando aqueles que emprestavam seu esforço pessoal à consecução daqueles objetivos. A essa organização dos fatores de produção a economia deu o nome de empresa. Àquele que estava no comando dessa empresa, deu-se o nome de empresário. Empresa é, pois, a atividade organizada para produzir alguma coisa para o mercado. Empresário é o sujeito que comanda essa atividade. Como dito, esses conceitos são econômicos, mas jurista algum conseguiu ou conseguirá elaborar um conceito jurídico de atividade organizada ou de empresário que não seja, rigorosamente, o mesmo que a economia já definiu para essas duas entidades. Tudo o que se fizer daí por diante será dizer a mesma coisa com outras palavras. É melhor desistir. Essa é, por sinal, a advertência de Asquini. A primeira ideia de empresa surgiu no art.632 do Código francês de 1807. Ao enumerar atos de comércio, o Código francês incluiu todas as “empresas de manufatura” e as “empresas de fornecimento”. Como o conceito de empresa era fundado na ideia de que empresa era a organização que praticava atos de comércio, o conceito de comerciante passou a ser, por derivação, o daquele que fazia da prática dos atos de comércio sua profissão habitual. Só depois o conceito de comerciante evoluiu para o de empresário, na medida em que se consolidou o entendimento de que empresário é aquele que organiza e toca a empresa, mas a empresa continuou sendo aquilo que os economistas idealizaram no século XIX, isto é, organização econômica destinada à produção para o mercado. A Vivante, pelo menos, se deve a honestidade de semelhar o conceito jurídico de empresa ao econômico. É dele a lição de que empresa é um organismo econômico que, sob risco próprio, põe em atividade os elementos necessários à obtenção de um produto destinado à troca. Numa palavra: empresa é organização econômica destinada à produção.

O conceito de empresa para o legislador brasileiro.

A mesma dificuldade que se abateu no estrangeiro na definição de empresa alcançou os estudos brasileiros de direito comercial. Ao enumerar os atos de comércio, o art. 19 do Regulamento nº 737, de 1850, incluiu as empresas. A partir daí, a doutrina pátria debate-se, sem nenhum êxito, na sua conceituação. Segundo REQUIÃO, ao incluir as empresas entre os atos de comércio, o Regulamento 737 deu ao conceito de empresa a ideia de repetição de atos de comércio, praticados profissionalmente, exatamente como estava no direito francês, como já observado por JEAN ESCARRA e expressamente anotado por INGLEZ DE SOUZA. O sentido que emprestam ao termo “empresa” o direito do trabalho e o empresarial é sabidamente colidente, em especial quando se trata de sucessão de empregadores, falência, recuperação judicial ou extrajudicial ou da desconsideração da pessoa jurídica para fins de responsabilização dos sócios por obrigações civis, trabalhistas, previdenciárias, fiscais ou tributárias,de pagar ou de fazer. Para os civilistas, “empresa” é a atividade econômica organizada, exercida pelo empresário, pessoa física ou jurídica, que, com intuito de lucro, reúne insumos, capital, tecnologia e trabalho para a produção de bens ou serviços para o mercado. Para o direito do trabalho, o “empregador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Bem se vê que, enquanto o direito econômico funda o conceito de empresa na atividade negocial, o trabalhista mistura “atividade” com “tipos de empresário”(“empresa individual ou coletiva”) e, em outros artigos, com estabelecimento, fundo de comércio e outros elementos de empresa. Empresa é uma realidade econômica, centro de decisão capaz de adotar estratégia voltada à produção de bens e serviços , uma combinação de fatores de produção — terra, capital,trabalho — ou unidade de produção que trabalha para o mercado. O fim da empresa resulta da atuação de três fatores: dissociação entre propriedade e controle, interferência sindical e intervencionismo estatal. A dissociação entre a propriedade e controle da empresa moderna gerou o que GALBRAITH chamou de tecnoestrutura , isto é, controle e administração da empresa por técnicos, longe das mãos dos “donos”. A intervenção dos sindicatos também altera a face legal da empresa porque pulveriza o poder do empresário, já que os delegados sindicais, de pessoal, de empresa, as comissões internas e os representantes dos trabalhadores participam, de uma ou de outra forma, dos órgãos de administração, da divisão de lucros, dos desígnios do negócio.Por último, como a atividade econômica é exercida sob a forma de empresa (atividade), é sobre ela que recai a gula intervencionista estatal, seja impondo restrições à própria forma de atividade, à característica dos produtos ou serviços ou às garantias do consumidor, seja estipulando um estatuto mínimo de direitos sociais dos empregados, abaixo do qual não se pode transigir. Para os direitos do trabalho, empresarial, tributário e econômico, empresa é categoria jurídica. O caráter tuitivo do direito do trabalho empresta à noção de empresa outro formato, tanto que a CLT ora se refere a ela como a atividade do empresário, ora como estabelecimento, ora como grupo econômico. Quando o legislador celetista diz que “empregador é a empresa”, empresta ao conceito a funcionalidade que esse ramo especializado do direito reclama, na medida em que acentua a importância do fenômeno da despersonalização da figura do empregador de modo a antecipar que nenhuma modificação da estrutura da empresa ou a alteração do seu titular será relevante para os direitos do empregado e para a sorte do contrato de trabalho, premissas, aliás, ditas, com todas as letras, nos arts.10 e 448 da CLT.Para o direito do trabalho, empresa é sociedade hierarquizada não dotada de personalidade, e que tem por objetivo realizar o bem comum da comunidade em que se insere. É essa ideia de sociedade hierarquizada que legitima, na pessoa do empresário, o direito potestativo sobre o contrato de trabalho e os poderes disciplinar e diretivo. No direito tributário, o sujeito passivo do débito é a pessoa física ou jurídica, mas de costume se desconsidera essa premissa em favor da empresa porque os princípios do direito fiscal visam legitimar o erário na coleta de dinheiro. Para os direitos empresarial e econômico, empresa é a atividade que dela deflui.

O "perfis" da empresa.

Sendo uma realidade econômica, é natural que a empresa possa ser vista de vários modos, daí a lição tantas vezes lida de Asquini, para quem a empresa deve ser vista sob os perfis subjetivo, funcional, objetivo (ou patrimonial) e corporativo(ou institucional). Sob o perfil subjetivo, a empresa identifica-se com o empresário. Dizer que a empresa tem perfil subjetivo é fazer uso de metonímia para explicar o fato de que o empresário se insere na empresa. É sua cabeça e alma. A expressão presta-se, também, para explicar a subjetivação do patrimônio do empresário, ou como teoria tendente a superar a dissociação entre empresa e empresário. Sob o perfil funcional, a empresa se identifica à atividade empresarial e representaria um conjunto de atos tendentes a organizar os fatores da produção para a distribuição ou produção de certos bens ou serviços. A empresa seria aquela “particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo”, isto é, a atividade desenvolvida profissionalmente e organizada para a produção de bens e serviços. A empresa não é mero conjunto de atos, mas pressupõe continuidade, duração e orientação destinada à produção para o mercado. Sob o perfil objetivo ou patrimonial, a empresa se identificaria ao conjunto de bens destinado ao exercício da atividade empresarial, isto é, seria um patrimônio afetado a uma finalidade específica. Nessa óptica, o empresário opera um conjunto de bens que lhe serve de instrumento para alcançar o objetivo empresarial (produção de bens ou serviços para o mercado, com intuito de lucro). Esses bens são o objeto de sua atividade, mas não se confundem com os bens que integram seu patrimônio pessoal. Sob a óptica do estabelecimento, a empresa pertence à categoria dos objetos. Por fim, pelo perfil corporativo ou institucional, a empresa seria a instituição que reúne o empresário e seus colaboradores, “...aquela especial organização de pessoas que é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviço, seus colaboradores (...) um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum”. Isto é: “...o empresário e seus colaboradores dirigentes, empregados e operários não são apenas uma pluralidade de pessoas vinculadas entre elas por uma soma de relações individuais de trabalho, com fins individuais; formam, ao contrário, um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundam os fins individuais do empresário e de cada colaborador considerado individualmente: a consecução do melhor resultado econômico da produção”. A ideia de empresa como instituição não é isenta de críticas. Opõe-se a ela a objeção de que o conceito de empresa como instituição pressupõe unidade de propósito e objetivos comuns, quando a prática mostra que, em regra, há permanente conflito de interesses entre dirigentes e trabalhadores. A essa restrição opõe-se MAGANO, remarcando que posições potencialmente conflitantes das individualidades que compõem a comunidade empresarial não obstam que, num processo dialético de superação, a empresa persiga e alcance objetivos próprios, que não se confundem com os objetivos dos diversos grupos em conflito. Em suma: o fato de existirem na empresa interesses particulares ocasionalmente em conflito não retira a evidência de que a empresa tem interesse unitário, diverso dos interesses fragmentários que compõem o seu universo de diretores, empregados e colaboradores. Qualquer que seja o conceito que se adote, a empresa, como uma realidade econômica, é sujeito de direitos e obrigações, e essa evidência não pode escapar à preocupação do direito.
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1.O autor é juiz do trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do E.TRT/RJ, professor universitário, especialista em Processo Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil pela UFF/Ematra, autor de livros e de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália(http://www.diritto.it/), palestrante, conferencista,membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, presidente do Conselho Consultivo da Esacs.
2.O texto acima é parte da monografia Dano Moral da Pessoa Jurídica, registrada pelo autor no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, em 9/4/2009, sob nº 455.957, livro 857,folha 124, e publicada, antes disso, na Rivista Diritto & Diritti(Itália), e nas Revistas LTr e Justiça e Cidadania(Brasil). 
3.A doutrina citada no artigo está melhormente referida na dita monografia, mas consiste, basicamente, da pesquisa destas obras:
• REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Ed. Saraiva,SP,2008,27ª ed., 2ª tiragem, p.59.
• PERROUX, François. Capitalisme et communité de travail. Paris, Sirey,s.d., p.181.
• BIENHAYMÉ, A.La croissance des entreprises, Paris, Bordas, 1971.
• NOGARO, Bertrand. Éléments d’économie politique.Paris,LGDJ,1954,p.14.
• GALBRAITH, John Keneth. The New industrial State. London. Hamish Hamilton, 1968,p. 62/65.
• MAGANO, Octavio Bueno. Do Poder Diretivo na Empresa. Saraiva,SP,1982,p.41.
• ALCAZAR, Mariano Baena. Régimen jurídico de la intervención administrativa em la economia. Madrid, Technos, 1966, p.36.
• TEYSSIÉ, Bernard. Droit social et modifications des structures de l’entreprise, Montpellier, Libr.Techniqus, 1978, p.14.
• DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. LTr,SP.,4ª ed.,2005,p.390.
• DURAND, Paul. Traité de droit du travail.Paris, Dalloz,1947,p.422/423.
• PARDES, Markus. Le statut juridique de l’entreprise — Cahiers de Droit Comparé, Strasbourg, 1964,p. 65.
• PONT, Manuel Broseta. La empresa, la unificación del derecho de obligaciones y el derecho mercantil.Madrid, Technos, 1965, p. 294.
• ASQUINI, Alberto. Profili dell’impresa. Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale delle Obbligazioni. Milano,Vallardi, 1943, ano XII,p.1/20.
• FERRARA,Francesco. Teoria jurídica de la hacienda mercantil.Madrid, Revista de Derecho Privado,1950,p.98.
• DESPAX, Michel. L’entreprise et le droit.Paris, LGDI, 1975,p.337.
• GHIDINI, Mario. Lineamenti del diritto dell’impresa. Milano, Giuffrè, 1961, p.119.
• CASANOVA,Mario. Azienda, in Novissimo Digesto Italiano, Torino,1958,p.3/4.
• CATALA, Nicole. Droit du travail: l’intreprise.Paris, Dalloz, 1980, p.148.
• MELO DA SILVA, Wilson. O dano moral e sua reparação. Forense, RJ, 3ª ed., n.272, p.650/652.

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