quinta-feira, 15 de abril de 2010






Era uma vez um boi que voava...
zé geraldo



Me lembro como se fosse hoje. Era tarde da noite. Passava das duas. O vinho lhe embrulhara o estômago e as ideias. Sentou-se na cama, nua, linda, os cabelos lisos brincando de se espalhar ao acaso pelo corpo branco feito um cristal raro. Olhou assustada pela janela da pousada e disse “Olha, Zé! Não deixe!”, e eu me virei apressado supondo que algum moleque atrevido estivesse de tocaia espiando aquela prova material de que Deus existe. Que nada! A janelinha continuava fechada como eu a deixara. Fazia frio. “Os bois, Zé. Estão voando! Pega pra mim, Zé, pega? Aquele pretinho, Zé, que tem uma pintinha assim, na bunda. É o que eu mais gosto...”. Jurei que sim. Se dormisse, ia laçar um por um. Onde já se viu? Confiou. Virou pro lado, cobriu-se, murmurou qualquer coisa que não entendi direito e pegou no sono. Tinha no rosto um sorriso doce. Talvez sonhasse com os seus boizinhos e com minha valentia pelos ares, laçando os bichos no meio das nuvens, atrás de algum pé-de-sombra naqueles céus escuros de dar medo. Ei, boi! Sou da roça, sinhá-moça. Lacei e ajudei a laçar muitos bois, mas não tinha nenhuma destreza no laço de bois que voavam. Menti.Foi a minha perdição.Não lacei nenhum dos boizinhos dela. Nem mesmo aquele pretinho, com uma pintinha assim, na bunda. O boizinho de que ela mais gostava. Que pena! Nunca um par de asas me fez tanta falta...
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1.Sou Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e nunca vi boi voar, exceto naquele dia, em Penedo. Depois disso, nunca mais. Me lembro como se fosse hoje. Fazia frio. Era tarde da noite. Passava das duas. Eles voaram. Todos eles. Aquele com a pintinha na bunda era o mais brabo de todos. Eu tinha de ter laçado aquele bicho! Era o boizinho de que ela mais gostava. Não deu, sinhá-moça, queira desculpar! Tudo à noite é muito mais complicoso...
2.Ilustração:http://presentepravoce.files.wordpress.com/2008/07/vaca-voando-254vuad.jpg

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