quinta-feira, 15 de abril de 2010




Dano em ricochete.
zé.


O STJ acaba de decidir um caso de dano em ricochete. Esse negócio de dano em ricochete me lembra uma amiga muito querida, moça linda e muito versada nas coisas do direito. Numa conversa de trabalho, tinha ouvido de uma colega um comentário sobre um trabalho acadêmico que a outra fizera, e falara o tempo todo em dano de ricochete. A minha amiga entendeu que a outra dissera ricochê, e não ricochete, e supôs que a sujeita estivesse se referindo a algum pensador francês chamado Ricochet, sobre o qual ela, decididamente, nunca ouvira falar.Incomodada, mas esperta o bastante pra não dizer à autora da monografia que não estava entendendo o núcleo daquele magnífico trabalho jurídico, minha amiga se segurou o que pode e, assim que me viu, me agarrou pelo braço, no meio da Avenida Presidente Antonio Carlos, e me confidenciou assim, quase em segredo: “Zé, quem é esse francês, um tal de Ricochet, que escreve tão bem sobre dano moral?”. Dentro daquele código de civilidade que a nossa longa amizade permitia, ri de mijar nas calças.“Não é francês, coisa linda! — eu disse —;nem é “ricochet” que se diz! É ricochete! É aquele tipo de dano reflexo, em que se pratica uma agressão contra um, mas atinge um outro que não tem nada a ver com o caso”. “Ah, bom” — ela disse. E seguiu seu caminho com cara de quem diz "era justamente isso que eu estava pensando". Pois agora leio no Boletim Eletrônico do STJ de 6/4/2010 que por voto divergente do ministro Luis Felipe Salomão, a companhia aérea Air France foi condenada a pagar indenização à sociedade empresária Dell’Arte Promoções Artísticas S/C pelo extravio de partituras transportadas por um maestro por ela contratado para dirigir uma apresentação do Ballet Kirov e orquestra. As partituras se extraviaram no trajeto São Petesburgo(Rússia) e Paris. A Air France entendia que o dano fora sofrido pelo maestro, e não pela Dell’Arte, e pediu a extinção do processo por violação dos artigos 222, 234 e 256 a 261 do Código Brasileiro de Aeronáutica; dos artigos 4º, 32 a 36 e 666 da Portaria 676/GC5; e dos artigos 17 e 18 da Convenção de Varsóvia, já que a responsabilidade por danos em voos é em relação aos passageiros e suas bagagens, não a eventuais terceiros. O dano, segundo a sociedade empresária, era direto, e o ofendido era o maestro. A sociedade empresária organizadora do evento não tinha interesse no caso. O ministro Salomão disse que não. Embora o dano tenha sido direto em relação ao maestro, a Dell’Arte o sofreu por ricochete, ou “ricochet”, segundo essa minha amiga. Se esse pessoal da Air France conhecesse um pouquinho de francês, ou falasse antes com essa minha amiga, não pagaria esse mico. Como dizia um antigo humorista do programa Chico Anysio, “é a inguinorança que astravanca o pogréssio!”. Por onde andará essa minha amiga?
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma) e não fala francês. Quando tem alguma dúvida, recorre a essa amiga.
2.Ilustração:http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.defesabr.com/MD/Brasil_Franca_01.JPG&imgrefurl=http://www.defesabr.com/MD/md_franca.htm&usg=__QMyx_07s4RV6v0DqThNavNQjazc=&h=265&w=400&sz=28&hl=pt

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