segunda-feira, 19 de julho de 2010



Trocaram os defuntos...
José Geraldo da Fonseca
(matéria publicada pelo autor na Coluna Direitos & Deveres do Jornal "A Gazeta de Notícias", do Rio de Janeiro).


Publiquei esta matéria no Jornal carioca "A Gazeta de Notícias"(http://www.jgn.com.br/), onde tenho uma coluna(Direitos & Deveres), toda terça-feira. Por decisão da ministra Eliana Calmon, em 8/6/2010, proferida no Agravo nº 1.251.348, a 2ª Turma do STJ manteve decisão do TJ do Rio de Janeiro no ponto em que entendeu que uma troca de cadáveres num hospital público carioca, e que causou o atraso de uma semana no sepultamento do corpo, gerou danos morais à família do morto. A municipalidade carioca foi condenada ao pagamento da reparação de R$3 mil à ex-mulher e a cada um dos cinco filhos do morto. Segundo a prova dos autos, o hospital público carioca mandou o cadáver errado para o exame de necropsia na Polícia Civil. O equívoco na remessa dos corpos foi verificado pelo filho do morto, o que provocou a desmarcação do enterro, para onde haviam comparecido cerca de 150 pessoas. O sepultamento somente foi feito uma semana depois, quando a troca foi desfeita, por ordem judicial. Para manter a condenação, e reduzir o valor da reparação, o TJ do Rio de Janeiro disse que “embora não se deva subestimar o sofrimento dos familiares do falecido, que com a troca dos cadáveres devem ter experimentado um dissabor acima do que se pode esperar em situação semelhante, este sofrimento não pode ser avaliado na quantia arbitrada”. Os valores arbitrados pelo TJ carioca foram mantidos no STJ.
Dano é toda desvantagem experimentada por um patrimônio. Patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro . Dano moral é qualquer sofrimento que não seja causado por uma perda pecuniária . É a inquietação grave do espírito, a turbação de ânimo, o desassossego aviltante e constrangedor que tira a pessoa do eixo de sua rotina, a ponto de lhe impor sofrimento psicofísico cuja sequela seja facilmente identificável se comparado o comportamento atual e aquele outro, anterior à conduta ofensiva. Nem todo sofrimento, dissabor ou chateação em razão de uma ofensa tipifica dano moral . Para que o dano moral se consume é necessário que a agressão extrapole os “aborrecimentos normais” de quem vive em coletividade . “Aborrecimento normal” é conceito amorfo, impreciso, casuístico. Depende de avaliação objetiva e subjetiva no caso em concreto. A doutrina recomenda que, na avaliação de situações de fato onde se pede reparação moral, o juiz siga a lógica do razoável, isto é, que tome por paradigma o meio-termo entre o homem frio e insensível e o homem extremamente sensível . Como regra, na responsabilidade civil a vítima tem de provar a ação ou a omissão culposa do agressor, o nexo de causalidade e o dano . Na lesão moral não se exige prova do prejuízo concreto porque a sequela moral é subjetiva. Provado o fato lesivo, a sequela moral aflora como presunção hominis ou facti, pois decorre das regras da experiência, do que ordinariamente acontece .Provados o fato e o nexo causal, a dor moral é presumível, pois liga-se à esfera íntima da personalidade da vítima e somente ela é capaz de avaliar a sua extensão. . É presumível a dor moral de quem vê o corpo de um ente querido trocado pelo corpo de outro morto, por relapsia de um hospital público. Essa falha administrativa certamente agrava a dor da família, já abalada pela morte de um dos seus membros. Conquanto se meça a indenização pela extensão do dano , isso não é possível na lesão moral, daí o arbitramento do valor de uma reparação que compense a dor da vítima e desestimule o autor da conduta lesiva . O caráter da reparação é pedagógico-punitivo . Não tem natureza de restitutio in integrum porque não equivale simetricamente ao dano, já que dor moral não tem aferição exata, nem de pretium doloris, isto é, “preço da dor”, porque dor não se paga em dinheiro. É um conforto material pago à vítima, sem natureza de lucro capiendo (captação de lucro), que não deve deixar no ofendido ou no agressor a sensação de impunidade .
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1.O autor é Juiz Feeral do Trabalho no Rio de Janeiro.
2.Ilustração:http://www.google.com.br/images?q=defunto&rlz=1I7GGLL_pt-BR&oe=UTF-8&redir_esc=&um=1&ie=UTF-8&source=og&sa=N&hl=pt-BR&tab=wi

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