O Preço da Dor!
zé geraldo
Quantificar a dor moral talvez seja hoje a questão que mais tira o sossego dos juízes. A construção de uma ordem jurídica justa se assenta no princípio universal do neminem laedere (não prejudicar a ninguém). Dano é a efetiva diminuição do patrimônio, e consiste na diferença entre o valor atual do patrimônio do credor e aquele que teria se a obrigação tivesse sido exatamente cumprida, ou toda desvantagem que experimentamos em nossos bens jurídicos (patrimônio, corpo, vida, saúde, honra, crédito, bem-estar, capacidade de aquisição etc), qualquer lesão experimentada pela vítima em seu complexo de bens jurídicos, materiais ou morais. Patrimônio é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro. Dano é pressuposto da responsabilidade civil. FORMICA, adotando conceito de MINOZZI, define dano como toda diminuição ou subtração de um bem jurídico. Para que um dano seja reparável não basta a prova da lesão, mas a de que esse bem lesionado seja um bem jurídico ou, como o disse HENRI DE PAGE, que esse prejuízo “seja resultante de uma lesão a um direito”, isto é, que haja prova do nexo de causa entre o prejuízo e a ação do ofensor. Apoiando-se em GABBA, diz que dano moral é todo aquele causado injustamente a outrem, que não atinja ou diminua o seu patrimônio. Dano moral é qualquer sofrimento que não seja causado por uma perda pecuniária. É a “penosa sensação de ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provocada pela recordação do defeito da lesão, quando não tenha deixado resíduo mais concreto, seja pela atitude de repugnância ou de reação ao ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam”. Como regra, todo aquele que causar prejuízo a outrem deve indenizá-lo (neminem laedere) .Na responsabilidade civil, a vítima tem de provar a ação ou a omissão culposa do agressor, o nexo de causalidade e o dano. Na responsabilidade civil do empregador por dano moral, o empregado somente tem de provar o fato e o nexo de causalidade. Não se exige prova do dano (prejuízo concreto) porque a seqüela moral é subjetiva. O dano moral existe in re ipsa, isto é, deriva do próprio fato ofensivo, de tal sorte que, provada a ocorrência do fato lesivo, a seqüela moral aflora como presunção hominis (ou facti) que decorre das regras da experiência comum, daquilo que ordinariamente acontece. Provados, pois, o fato e o nexo causal, a dor moral é presumível, pois liga-se à esfera íntima da personalidade da vítima e somente ela é capaz de avaliar a extensão de sua dor. Na dúvida, vige o princípio in dubio pro creditoris, isto é, “na dúvida, a atenção do julgador deve voltar-se para a vítima”. Nem todo dano é indenizável. Apenas o injusto o é. São danos justos, e portanto irreparáveis, os que provêm das forças da natureza ou do acaso (caso fortuito e força maior) e os definidos no direito posto(legítima defesa própria ou de terceiros, devolução da injúria, desforço pessoal, destruição de coisa para remoção de perigo, entre outros) ou aqueles causados pelo próprio lesado (culpa exclusiva da vítima). É claro que nem todo sofrimento, dissabor ou chateação em razão de uma ofensa tipifica dano moral. É necessário que a agressão extrapole os aborrecimentos normais de tantos quantos vivem em coletividade. O que se pode entender por “aborrecimentos normais” é também casuístico e depende de uma avaliação objetiva e subjetiva que somente o juiz pode fazer diante do caso concreto. A doutrina recomenda que, na avaliação de situações de fato onde se pede reparação moral, o juiz siga a lógica do razoável, isto é, que tome por paradigma o meio-termo entre o homem frio e insensível e o homem extremamente sensível. Os danos morais são inquietações graves do espírito, turbações de ânimo, desassossego aviltante e constrangedor que tira a pessoa do eixo de sua rotina, a ponto de lhe impor sofrimento psicofísico cuja seqüela seja facilmente identificável se comparado o comportamento atual e aquele outro, anterior à conduta ofensiva. A obrigação de indenizar não pressupõe existência de culpa porque na responsabilidade civil importa a pessoa do ofendido, e não a do ofensor, a quantificação do prejuízo, e não da culpa no evento lesivo . O objeto da indenização não está na lesão em si, mas no dano produzido. O que se repara com a fixação de certa soma em dinheiro evidentemente não é a lesão, abstratamente considerada — que essa, sendo subjetiva, não pode ser medida eficazmente nem mesmo pela própria vítima —, mas a dor moral, o sofrimento (ainda que físico), a humilhação, a quebra do decoro, da autoestima, a diminuição social, o afeamento da pessoa considerado do seu ponto de vista, isto é, do conceito que faz de si mesma (honra subjetiva), e do ponto de vista das pessoas com quem se relaciona habitualmente (honra objetiva).A indenização mede-se pela extensão do dano, mas, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, o juiz pode reduzir, equitativamente, o valor da indenização. Como essa adequação equitativa refere-se a graus de culpa, a regra do parágrafo único do art.944 do Código Civil somente se aplica aos casos de responsabilidade subjetiva, porque, nos demais, a responsabilidade é objetiva e prescinde da culpa. A doutrina faz crítica severa a essa possibilidade de diminuição, pelo juiz, porque se indenizar é repor a vítima ao statu quo ante, indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo resto. A natureza jurídica da quantia em dinheiro que se pede por lesão moral é compensatória, e não indenizatória. A locução indenizar provém de in + damnum, isto é, sem dano, o que implicaria tornar as coisas ao exato ponto em que estavam se a lesão não tivesse ocorrido. Como na lesão moral isso não é possível, o juiz arbitra uma quantia que possa, ao mesmo tempo, compensar a dor moral da vítima e desestimular o agressor de reincidir na conduta lesiva. Não pode ser restitutio in integrum (restituição integral, indenização pelo todo) pela só-razão de que não se pode conhecer, exatamente, a extensão do dano, nem de pretium doloris (preço da dor) porque dor não se paga em dinheiro, mas a de um conforto material que não seja exorbitante a ponto de constituir-se em lucro capiendo (captação de lucro) nem minguado a ponto de deixar na vítima e no agressor a sensação de impunidade. De fato, ao fixá-la, o juiz deve ater-se ao princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. Essa soma compensatória que se arbitra em favor da vítima do dano moral tem caráter marcadamente punitivo, conquanto parte da doutrina o negue. A quantia estipulada para a lesão moral tem sob a óptica da vítima natureza compensatória, e pedagógica, preventiva e punitiva sob a óptica do ofensor, e que deve ser fixada pelo juiz com prudência, de modo a que não se constitua em fonte de lucro para o lesado nem de empobrecimento desnecessário do causador do dano.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), professor, autor de livros jurídicos e artigos publicados na Itália (www.diritti.it) e no Brasil.
2.ilustração: http://lh6.ggpht.com/AddamBR/SQG7Hyd.
2.ilustração: http://lh6.ggpht.com/AddamBR/SQG7Hyd.
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