Tanto barulho por nada!
zé geraldo
Os conceitos de relação de trabalho e relação de emprego têm tirado o sono de muita gente.Para boa parte da doutrina, relação de trabalho e relação de emprego são uma coisa só. Não há diferença. Relação de trabalho seria gênero de um comércio jurídico do qual a relação de emprego é espécie, assim como seriam suas espécies todas as outras formas de trabalho, como o eventual, o avulso, o de estágio, o de aprendizagem e até mesmo o autônomo. Para esses (eu me incluo nessa classe), relação de trabalho e relação de emprego são expressões sinônimas ,mas é bom entender o que a outra corrente pensa sobre o ponto. Relação de trabalho é uma expressão genérica, ampla, sem conteúdo definido, e que se aplica a toda e qualquer relação jurídica cuja característica principal se funde na exigência de uma obrigação de fazer consistente num trabalho humano. Tanto na relação de trabalho quanto na de emprego, o núcleo da obrigação é um fazer, um prestar humano, físico ou intelectual. Na relação de consumo, pode estar no núcleo da obrigação tanto um dar quanto um fazer, ou a entrega de um produto ou um serviço.Com o advento da EC nº. 45/2004, a expressão relação de trabalho passou a frequentar o cardápio do foro como novidade, mas já constava da CLT desde o seu nascedouro, e do art.114 da CF/88, desde 1995. De fato, ao ampliar a competência material da Justiça do Trabalho, o art.114 da CF/88 já se referia a “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”. À falta de conceito mais preciso, a doutrina definiu-a por exclusão: o que não fosse relação de emprego, que tem seu fundamento na subordinação jurídica, seria relação de trabalho. Fiados nesse sofisma simplista, “ampliou-se” a competência material do juízo especializado para abarcar até mesmo relações de consumo. Sendo espécie do gênero relação de trabalho, a relação de emprego somente se caracteriza quando presentes (1º) o trabalho prestado por uma pessoa física (natural) a outra pessoa física, moral, formal ou jurídica, (2º) quando esse trabalho é prestado intuitu personae, isto é, com pessoalidade, prestado por aquele que se obrigou a prestá-lo,por contrato, verbal, tácito ou escrito, e não por alguém em seu lugar, (3º) esse trabalho deve ser prestado com a ideia de permanência, continuidade, habitualidade ou não eventualidade, e não de modo episódico ou ocasional, (4º) deve ser necessariamente oneroso, isto é, deve ser um trabalho prestado a outrem mediante pagamento em dinheiro ou em dinheiro e utilidades, descaracterizando-se a relação de emprego se entre o que presta e o que toma o trabalho não se combinou pagamento algum, e, por fim, (5º) deve ser prestado sob subordinação jurídica, isto é, aquele que presta o trabalho é devedor do trabalho que aliena a quem o paga e, por conta disso, está no plano da sujeição às ordens do credor do trabalho, da mesma forma como o tomador do trabalho, aquele que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços, está na posição jurídica de poder exigir a contraprestação do trabalho pago do modo e no tempo que melhor aprouver ao objeto social da sua empresa, vale dizer, da sua atividade. Subordinar provém de sub, “baixo”, e ordinare, “ordenar”, donde a noção etimológico-jurídica de que subordinação é um estado de dependência ficta, imposta por lei, em obediência a uma relação de hierarquia que submete validamente o empregado ao empregador em todas as suas ordens lícitas. Numa palavra, subordinação jurídica é uma “situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços”.Para entender direito o que é relação de trabalho e relação de emprego, o melhor que se tem a fazer é pensar na seguinte hipótese: sempre que um empregado, pessoa física, prestar serviços a outra pessoa física, ou a uma pessoa jurídica, ou a um condomínio (que não é considerado pelo direito nem pessoa física nem pessoa jurídica, mas uma “pessoa formal”), ou prestar serviços a uma massa falida ou a uma herança jacente ou vacante, sob subordinação jurídica, com habitualidade, mediante salário, e não puder se fazer substituir por outra pessoa nesse serviço, estaremos diante de uma relação de emprego. Se uma determinada pessoa contrata os serviços de outra pessoa, para uso próprio, estaremos diante de uma relação de consumo. Se uma pessoa contrata os serviços de outra pessoa e usa esses serviços na sua própria empresa, isto é, “revende” ou “repassa” esses serviços a terceiros, estaremos diante de uma relação de trabalho.Tomemos este exemplo: se você tem um cursinho preparatório para concursos públicos,e me contrata como seu empregado para trabalhar na secretaria da escola fazendo matrículas, recebendo mensalidades, fornecendo apostilas, controlando horários, presença e pagamento dos professores, entre nós dois haverá uma relação de emprego porque eu estarei subordinado às suas ordens, cumprirei horário, você me pagará um salário e somente eu terei de prestar o serviço a você, e não meu irmão ou meu filho ou outra pessoa indicada por mim. Há entre nós dois subordinação jurídica. É isso — subordinação jurídica— que dá a característica de uma relação de emprego. Se não houver salário, não houver intuitu personae, isto é, necessidade que eu preste os serviços pessoalmente, e não houver subordinação jurídica, não haverá relação de emprego nem contrato de trabalho. Não existe contrato de trabalho gratuito. Não importa se o contrato de trabalho foi ou não foi anotado na carteira de trabalho. Não é isso o que conta. O que conta é se há onerosidade (salário), subordinação jurídica e pessoalidade (intuitu personae).Agora, imagine que você é um dentista. Eu contrato os seus serviços para cuidar dos meus dentes. Neste caso, entre nós dois não há subordinação jurídica alguma. Haverá pessoalidade (eu contratei você, e não outra pessoa) e onerosidade (eu vou pagar pelos seus serviços). Mas eu contratei seus serviços para mim. Logo, eu sou o destinatário final dos seus serviços. Entre nós há uma relação de consumo, e não de emprego. Não contratei você como meu empregado.Prossigo.Suponha que você é um dentista e eu tenho um cursinho preparatório para concursos públicos, por exemplo. Tenho lá três empregados. Eu contrato você, como dentista, para cuidar dos dentes dos meus três empregados. Entre você e meus empregados há uma relação de consumo, pois eles são os destinatários finais dos seus serviços especializados de odontologia. Entre mim e você há uma relação de trabalho porque eu contratei os seus serviços não para mim, diretamente. Não o contratei para cuidar dos meus dentes, mas dos dentes dos meus empregados. Entre nós dois há uma relação de trabalho porque eu contratei os seus serviços para meus empregados. Você prestou um trabalho especializado para meus empregados, contratados por minha empresa (minha atividade empresarial). Você não poderá, jamais, pedir vínculo de emprego com o meu cursinho porque eu não o contratei como meu empregado, mas se eu não lhe pagar pelos serviços odontológicos prestados aos meus empregados você poderá me acionar na Justiça do Trabalho, não para pedir relação de emprego, mas para pedir o reconhecimento da existência de uma relação de trabalho. Não poderá ser pedido nenhum direito relativo a uma hipotética relação de emprego, como anotação de contrato em carteira, férias, 13º salário, FGTS, nada disso. Não foi isso o que combinamos. Estipulamos uma relação de trabalho, onde você entra com a sua técnica, com os seus serviços, não para mim, diretamente, mas para meus empregados, embora pagos por mim. Nessa hipótese, você poderá residir em juízo contra mim para exigir o reconhecimento jurídico de que uma relação de trabalho foi contratada e executada, e cobrar o preço do contrato, isto é, deverá pedir e provar que para o tratamento dos meus três empregados nós estipulamos um valor “x”, você executou o serviço e eu não o paguei. A diferença entre relação de emprego, relação de consumo e relação de trabalho reside nisso. Ou seja: tanto barulho por nada...
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2.A doutrina citada entre aspas pode ser lida em Mauricio Godinho Delgado, Curso de Direito do Trabalho, Ed.LTr,São Paulo,4ª edição, 2005.
3.Ilustração:http://www.filosofix.com.br/blogramiro/imagens/einstein.jpg.
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