sexta-feira, 5 de março de 2010




Xixi com hora marcada...
zé geraldo



Ao julgar recurso de revista em que era parte uma empresa de telemarketing, a 7ª Turma do TST decidiu, em acórdão relatado pela juíza convocada Maria Doralice Novaes, que a limitação das saídas dos empregados para irem ao banheiro não configura, por si, dano moral. O empregado provou no primeiro grau que os operadores tinham de pedir autorização à chefia para irem ao banheiro, que isso o constrangia perante os colegas e que era advertido se demorasse a retomar o posto de trabalho. Mesmo assim, a juíza entendeu que essa política interna visava impedir que um grande número de empregados deixasse os postos de trabalho ao mesmo tempo e comprometesse a atividade normal da sociedade empresária. Para a juíza, não havia controle das necessidades fisiológicas, mas simples exigência de que a ida ao banheiro fosse precedida de um pedido de autorização. Essa decisão está na contramão do entendimento de várias Turmas do próprio TST e da maioria dos Tribunais Regionais do Trabalho, especialmente o do Rio de Janeiro. Francesco Carnelutti disse que “quando o Direito se esquece da sociedade, a sociedade se esquece do Direito”. Talvez esse seja um caso clássico em que em nome do formalismo do direito o direito se tenha esquecido de que o corpo humano infelizmente ainda não pode ser reduzido a uma equação matemática nem possa ser estipulado que as necessidades fisiológicas do trabalhador devam ser satisfeitas das sete às quatro, com uma hora de intervalo. Admitir que necessidades fisiológicas possam ser satisfeitas em horas marcadas pela chefia é tão inútil quanto discutir a importância do ar no vácuo ou tão exato quanto admitir que a água ferve a cem graus centígrados, exatamente como um ângulo reto...Isso me lembra uma música do Legião Urbana(Geração Coca-cola), cantada pelo finado Renato Russo, que diz assim:

"Quando nascemos fomos programados
a receber o que vocês
nos empurraram com os enlatados
dos U.S.A., de nove às seis.
Desde pequenos nós comemos lixo
comercial e industrial.
Mas agora chegou nossa vez,
vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês!
Somos os filhos da revolução,
somos burgueses sem religião,
somos o futuro da nação,
geração Coca-Cola.
Depois de 20 anos na escola
não é difícil aprender
todas as manhas do seu jogo sujo,
não é assim que tem que ser!
Vamos fazer nosso dever de casa
e aí então vocês vão ver
suas crianças derrubando reis,
fazer comédia no cinema com as suas leis...
Somos os filhos da revolução.
Somos burgueses sem religião.
Somos o futuro da nação,
geração Coca-Cola
geração Coca-Cola
geração Coca-Cola".

Bem, depois, quando “fizerem comédia no cinema com as nossas leis”, não se esqueçam de que eu, como juiz do trabalho, fui o primeiro a espernear. Li não sei onde que não é a vida que tem de se amoldar ao Direito; é o Direito que tem de se formatar à vida.Pensando bem, acho que li tudo errado...
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1.O autor é Juiz do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ, Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense — UFF — e Escola da Magistratura do Trabalho do Rio de Janeiro — EMATRA—, Membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, Presidente do Conselho Consultivo da Escola de Capacitação de Funcionários do TRT/ RJ — ESACS —, membro do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista de Niterói — ESAT —, professor universitário e de cursos preparatórios para concursos públicos, membro de bancas examinadoras de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, autor de livros jurídicos, autor de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália (www.diritto.it), conferencista, palestrante, redator de propaganda, fotógrafo e poeta.
2.A ilustração do texto está em http://www.escudosonline.com/america_sul/Brasil/rio_janeiro/mascote_botafogo.jpg

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