domingo, 7 de março de 2010



Questão bizantina.
zé geraldo.

A SDI-1 do TST está às voltas com mais uma questão bizantina. “Discussão bizantina”, para quem não sabe, é uma expressão cunhada com clara intenção pejorativa para definir aqueles concílios estéreis realizados em Bizâncio, atual Istambul, na Turquia, onde reis, imperadores e papas se reuniam para discutir frivolidades, que, para a época, provavelmente por falta do que fazer, pareciam relevantes, como por exemplo se os anjos tinham sexo e se índio tinha alma. No caso, a SDI-1 discute se o gerente de agência bancária tem direito a horas extras pelo trabalho executado além das oito horas normais de qualquer trabalhador. Interpretam, a seu modo, a Súmula nº 287, da própria Corte, e que diz que o gerente bancário não faz jus a horas extras. A questão é tão simplória que chega a entristecer o fato de uma Corte Superior composta por juízes de tão larga experiência ainda perder tempo com ela, quando há tantas e tão mais complexas questões ainda pendentes de solução.Deixem-me expor meu ponto de vista, na vã esperança de que algum Ministro, zapeando nas horas mortas pela web, se depare, por acaso, com o meu pobre blog, e decida ler o que eu escrevo, com aquela isenção que se espera dos homens de alma desarmada: a questão do horário do trabalhador bancário está dividida em dois flancos, facílimos de entender: se o bancário não ocupa nenhuma função de confiança, isto é, se é desses trabalhadores que compõem a massa de manobra do banco, úteis, como todos, mas sem nenhuma expressão dentro da hierarquia do sistema, o seu módulo diário de trabalho será de seis(6) horas. É assim que está no art.224 da CLT. Até aí, nenhum problema. Mas o §2º do mesmo art.224 da CLT diz que essa jornada de seis horas não se aplica ao trabalhador bancário que exerça função de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhe outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação (de confiança)não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.A coisa, aparentemente, começa a se complicar: se, para todos os bancários, a jornada é de seis horas, menos para esses descritos no §2º do art.224 da CLT, então qual é a jornada desses bancários que estão fora da regra geral do art. 224 da CLT? O art.224 da CLT não diz.Bem, aí, normalmente, os intérpretes pulam para o art.62, II da CLT, que diz que não estão abrangidos por ela —a CLT—, os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. O parágrafo único do art.62, II da CLT diz que o regime previsto nesse Capítulo(que é o Capítulo II, que trata da Duração do Trabalho)será aplicável aos empregados descritos no inciso II(os tais gerentes) quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%. Ou seja: a) — se o bancário não tiver qualquer função de confiança, sua jornada será de seis horas; b) — se tiver função de confiança e a gratificação for inferior a 40%, aplica-se o Capítulo II e a sua jornada também será de seis horas; c) — se exercer qualquer daquelas funções descritas no inciso II do art.62 da CLT e a gratificação de função for igual ou superior a 40% do salário efetivo, sua jornada não será mais de seis horas, mas não está dito em lugar nenhum qual será então a sua efetiva duração. É aqui que começa a bagunça! Os patrões entendem que como esses empregados não estão sujeitos a seis horas diárias, podem trabalhar 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24 horas por dia, podem passar semanas e meses inteiros trabalhando sem parar porque tudo já está regiamente pago por aqueles caraminguás equivalentes a 40% do valor do salário do cargo efetivo. Cristo crucificado! É óbvio que não é assim! Para quem sabe ler, eu recomendo a leitura do art.7º,XIII da Constituição Federal, onde está dito que se assegura a todo trabalhador, “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. A questão bancária deve ser interpretada assim: se o trabalhador bancário não detém função de confiança, sua jornada de trabalho será de seis horas, e tudo o que trabalhar além disso,por dia, deverá ser considerado hora extraordinária e remunerado com acréscimo mínimo de 50%, como está no art.7º,XVI da Constituição Federal, se outro percentual mais benéfico não constar do contrato individual de trabalho ou das normas coletivas da categoria; se o empregado ocupar função de confiança, dentro daqueles limites traçados no inciso II, parágrafo único do art.62 e no §2º do art.224 da CLT, seu módulo de trabalho será de oito horas por dia, e quarenta e quatro semanais, e serão consideradas extraordinárias todas as horas excedentes desses limites, e deverão ser pagas com o adicional mínimo de 50%, ou outro maior, se previsto em contrato ou norma coletiva. Pouco importa se o gerente marca cartão, se tem procuração, se negocia pelo banco, se pode contratar, punir, advertir ou dispensar empregados sem consultar ninguém, se tem a chave da agência ou se tem a chave do cofre. Nada disso vem ao caso! O que importa saber é que somente se lhe pode exigir trabalho por oito horas por dia. Fora disso, ou é escravatura ou é hipocrisia. Mas que o trabalho extraordinário tem de ser pago com acréscimo, ah, isso tem!
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, de bancas de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, Presidente do Conselho Consultivo da Esacs, professor universitário, autor de livros jurídicos e de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália (www.diritto.it).

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