Questão bizantina.
zé geraldo.
A SDI-1 do TST está às voltas com mais uma questão bizantina. “
Discussão bizantina”, para quem não sabe, é uma expressão cunhada com clara intenção pejorativa para definir aqueles concílios estéreis realizados em Bizâncio, atual Istambul, na Turquia, onde reis, imperadores e papas se reuniam para discutir frivolidades, que, para a época, provavelmente por falta do que fazer, pareciam relevantes, como por exemplo se os anjos tinham sexo e se índio tinha alma. No caso, a SDI-1 discute se o gerente de agência bancária tem direito a horas extras pelo trabalho executado além das oito horas normais de qualquer trabalhador. Interpretam, a seu modo, a Súmula nº 287, da própria Corte, e que diz que o gerente bancário não faz jus a horas extras. A questão é tão simplória que chega a entristecer o fato de uma Corte Superior composta por juízes de tão larga experiência ainda perder tempo com ela, quando há tantas e tão mais complexas questões ainda pendentes de solução.Deixem-me expor meu ponto de vista, na vã esperança de que algum Ministro,
zapeando nas horas mortas pela
web, se depare, por acaso, com o meu pobre
blog, e decida ler o que eu escrevo, com aquela isenção que se espera dos homens de alma desarmada: a questão do horário do trabalhador bancário está dividida em dois flancos, facílimos de entender: se o bancário não ocupa nenhuma função de confiança, isto é, se é desses trabalhadores que compõem a massa de manobra do banco, úteis, como todos, mas sem nenhuma expressão dentro da hierarquia do sistema, o seu módulo diário de trabalho será de seis(6) horas. É assim que está no art.224 da CLT. Até aí, nenhum problema. Mas o §2º do mesmo art.224 da CLT diz que essa jornada de seis horas
não se aplica ao trabalhador bancário que exerça função de
direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhe
outros cargos de confiança, desde que o valor da
gratificação (de confiança)não seja
inferior a um terço do salário do cargo efetivo.A coisa,
aparentemente, começa a se complicar: se, para todos os bancários, a jornada é de seis horas, menos para esses descritos no §2º do art.224 da CLT, então qual é a jornada desses bancários que estão fora da regra geral do art. 224 da CLT? O art.224 da CLT não diz.Bem, aí, normalmente, os intérpretes pulam para o art.62, II da CLT, que diz que
não estão abrangidos por ela —
a CLT—, os
gerentes, assim considerados os
exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os
diretores e
chefes de departamento ou
filial. O parágrafo único do art.62, II da CLT diz que o regime previsto nesse Capítulo(que é o Capítulo II, que trata da Duração do Trabalho)será aplicável aos empregados descritos no inciso II(os tais gerentes) quando o
salário do cargo de confiança, compreendendo a
gratificação de função, se houver,
for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%. Ou seja: a) — se o bancário não tiver qualquer função de confiança, sua jornada será de seis horas; b) — se tiver função de confiança e a gratificação for inferior a 40%, aplica-se o Capítulo II e a sua jornada também será de seis horas; c) — se exercer qualquer daquelas funções descritas no inciso II do art.62 da CLT
e a gratificação de função for igual ou superior a 40% do salário efetivo, sua jornada não será mais de seis horas, mas não está dito em lugar nenhum qual será então a sua efetiva duração. É aqui que começa a bagunça! Os patrões entendem que como esses empregados não estão sujeitos a seis horas diárias, podem trabalhar 8, 10, 12, 14, 16, 18, 20, 22, 24 horas por dia, podem passar semanas e meses inteiros trabalhando sem parar porque tudo já está regiamente pago por aqueles caraminguás equivalentes a 40% do valor do salário do cargo efetivo. Cristo crucificado! É óbvio que não é assim! Para quem sabe ler, eu recomendo a leitura do art.7º,XIII da Constituição Federal, onde está dito que se assegura a
todo trabalhador, “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. A questão bancária deve ser interpretada assim: se o trabalhador bancário não detém função de confiança, sua jornada de trabalho será de seis horas, e tudo o que trabalhar além disso,por dia, deverá ser considerado hora extraordinária e remunerado com acréscimo mínimo de 50%, como está no art.7º,XVI da Constituição Federal, se outro percentual mais benéfico não constar do contrato individual de trabalho ou das normas coletivas da categoria; se o empregado ocupar função de confiança, dentro daqueles limites traçados no inciso II, parágrafo único do art.62 e no §2º do art.224 da CLT, seu módulo de trabalho será de oito horas por dia, e quarenta e quatro semanais, e serão consideradas extraordinárias todas as horas excedentes desses limites, e deverão ser pagas com o adicional mínimo de 50%, ou outro maior, se previsto em contrato ou norma coletiva. Pouco importa se o gerente marca cartão, se tem procuração, se negocia pelo banco, se pode contratar, punir, advertir ou dispensar empregados sem consultar ninguém, se tem a chave da agência ou se tem a chave do cofre. Nada disso vem ao caso! O que importa saber é que somente se lhe pode exigir trabalho por oito horas por dia. Fora disso, ou é escravatura ou é hipocrisia. Mas que o trabalho extraordinário tem de ser pago com acréscimo, ah, isso tem!
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, de bancas de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, Presidente do Conselho Consultivo da Esacs, professor universitário, autor de livros jurídicos e de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália (www.diritto.it).
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