domingo, 7 de março de 2010



Até onde vai a Legitimidade do Ministério Público na Ação Civil Pública?
zé geraldo

A Quinta Turma do STJ decidiu que o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública com objetivo de declarar nulidade de cláusulas abusivas constantes de contratos de locação realizados apenas com uma administradora do ramo imobiliário. A relatora foi a ministra Laurita Vaz(foto). O TJ de Minas Gerais extinguiu o processo, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa do Ministério Público, mas o parquet apelou contra a sentença. O Ministério Público ajuizara ação civil pública pedindo a declaração de nulidade de cláusulas abusivas em contrato de locação de uma empresa imobiliária. Atenta aos arts.82, I, do Código de Defesa do Consumidor e aos arts.1º, II e IV, e 5º da L.n. 7.347/85, a ministra concordou que o MP tem legitimidade ativa para a ação civil pública, mas desde que atue na defesa de direitos individuais homogêneos que tenham repercussão no interesse público.Uma coisa é admitir a presença do Ministério Público em ação civil pública onde peça a declaração de nulidade da exigência de taxas imobiliárias para inquilinos, praxe no setor imobiliário, outra é pedir nulidade,por meio desse tipo de ação, em relação a apenas uma sociedade imobiliária. Melhor ouvir a fonte: “Assim, como bem asseverado pelo tribunal de origem (TJMG), a espécie não versa sobre direitos difusos ou coletivos, mas sobre direitos individuais homogêneos, distintos e próprios, de uma base contratual relacionada a contrato de locação onde, reiteradamente, tem-se entendido que não se trata de uma relação de consumo”. Por fim, a ministra registrou que a jurisprudência do STJ se firma no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos contratos locatícios, pois estes são regulados por legislação própria.

Doutrina

A ação civil pública (coletiva ou de responsabilidade, segundo a doutrina), regulada pela L. nº 7.347, de 24/7/85, serve às ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente (art.1º,I), ao consumidor (art.1º,II), a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art.1º,III) ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo”( art.1º, IV) e por infração da ordem econômica (art.1º, V). Ao Ministério Público incumbe a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis “(CF/88, art. 127), devendo “promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (CF/88, art. 129, III). Interesses sociais e individuais indisponíveis são todos os que, “por sua natureza essencial ao valor e à sobrevivência da pessoa humana ou da coletividade, não poderão ser objeto de renúncia, de troca ou de cessão a terceiros, ou quando a lei lhes conferir essa qualidade. Não basta, portanto, a relevância do interesse individual ou social para caracterizar sua indisponibilidade”. No caso em apreço, o STJ extinguiu a ação, sem resolver o mérito, por entender ter faltado legitimidade ativa do Ministério Público, afirmando que o parquet defendia interesses individuais homogêneos, e não interesses difusos ou coletivos.

Conceitos

Interesses transindividuais são como um feixe de interesses individuais, com pontos em comum. Não se trata de mera soma de interesses individuais independentes, pois supõem uma conexão entre eles, já que, embora indivisíveis, são compartilhados em igual medida pelos integrantes do grupo; além disso, o sistema processual de legitimação ordinária não confere meios adequados para sua defesa em juízo. A expressão transindividual está na regra do art. 81 da L.nº 8.078/90 no sentido de algo que trespassa a figura do indivíduo, que vai além da singularidade da pessoa para alcançar a todos os que se identifiquem com essa pessoa particularizada. Por sua vez, a expressão de natureza indivisível, está no texto “no sentido de que basta uma única ofensa para que todos ...sejam atingidos e também no sentido de que a satisfação de um deles ... beneficia contemporaneamente todos eles“. A indivisibilidade “...diz respeito ao objeto do interesse: a pretensão ao meio ambiente hígido, posto compartilhada por um número indeterminado de pessoas, não pode ser dividida entre os membros da coletividade“. Na conceituação de “interesses ou direitos difusos”, o legislador optou “pelo critério da indeterminação dos titulares e da inexistência entre eles de relação jurídica-base, no aspecto subjetivo, e pela indivisibilidade do bem jurídico, no aspecto objetivo“ .Ou seja: interesses ou direitos difusos são aqueles pertencentes a uma coletividade indeterminada de pessoas, ligadas entre si não por uma relação jurídica-base, mas por uma situação de fato. Por serem indivisíveis, “os interesses difusos distinguem-se dos interesses individuais homogêneos, que são divisíveis; porque se originaram de uma situação de fato comum, os interesses difusos não se confundem com os interesses coletivos, dos que compartilham a mesma relação jurídica básica“ .Por hipótese, têm interesses ou direitos difusos todos os consumidores potencialmente prejudicados por uma propaganda enganosa ou abusiva, ou expostos ao perigo por um produto de alto grau de nocividade ou de periculosidade à saúde, posto no mercado. Se a propaganda enganosa ou a perigosidade do produto repercutirem na esfera jurídica de consumidores determinados, a ofensa deixa de ser aos interesses difusos, mas aos interesses individuais. Se repercutirem na esfera jurídica de várias vítimas, e não apenas de um, os interesses serão individuais homogêneos. Interesses ou direitos difusos são os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato“. Interesses ou direitos coletivos, “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base“. Por fim, “interesses ou direitos individuais homogêneos, os decorrentes de origem comum“. Os interesses difusos são transindividuais porque “dizem respeito a titulares indetermináveis, dispersos na coletividade; são indivisíveis, porque não se pode determinar ou quantificar o prejuízo de cada um dos lesados“. Difusos, “são interesses indivisíveis, de grupos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático muito preciso. São como um feixe de interesses individuais, com pontos em comum. Não se trata de mera soma de interesses individuais independentes, pois supõem uma conexão entre eles, já que, embora indivisíveis, são compartilhados em igual medida pelos integrantes do grupo; além disso, o sistema processual de legitimação ordinária não confere meios adequados para sua defesa em juízo“.

O Ministério Público nas Relações de Trabalho

Na esfera das relações de trabalho, o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública para a defesa dos interesses individuais disponíveis, ainda que homogêneos, mas tão-só para a salvaguarda de interesses difusos e coletivos. Da mesma forma, não tem legitimação ativa para propor ação civil pública para a defesa ou proteção de interesses individuais homogêneos, ainda que tratados coletivamente, segundo a sua origem comum. Nesses casos, os membros de classe ou grupo são titulares de direitos subjetivos, divisíveis por natureza. Trata-se de um feixe de interesses individuais que podem ser tratados coletivamente, o que não impede que cada um dos potencialmente atingidos possa ingressar em juízo autonomamente. Nos interesses ou direitos individuais homogêneos, “os titulares são determinados ou determináveis, sendo que o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável“. Os interesses “só serão verdadeiramente difusos se impossível identificar as pessoas ligadas pelo mesmo laço fático ou jurídico, decorrente da relação de consumo (como os destinatários de propaganda enganosa, veiculada em painéis publicitários, pelos jornais, revistas, ou pela televisão”. Segundo a regra dos arts.81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor, e art.25,IV da L.nº 8.625/93, o Ministério Público é parte legítima para propor ação coletiva para a defesa de interesses individuais homogêneos, ainda que disponíveis, nas relações de consumo e, mesmo assim, se esses direitos tiverem suficiente abrangência ou repercussão social. A defesa de interesses de “meros grupos determinados ou determináveis de pessoas só se pode fazer pelo Ministério Público quando isso convenha à coletividade como um todo, respeitada a destinação institucional do Ministério Público”.
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1.O autor é juiz do trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ.
2.Os fundamentos jurídicos constantes da "Doutrina" leem-se em:


  • MIGUEL REALE, “Consulta sobre o Decreto n.430/92 e o cabimento de ação civil pública para assegurar , aos aposentados e pensionistas da Previdência Social , reajuste em seus proventos”, in Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública, coordenação de ARNOLDO WALD, Ed.Saraiva,2003.
  • KAZUO WATANABE, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor , Ed. Forense, 6ª ed.,1999.
  • L.nº 8.078/90.
  • HUGO NIGRO MAZZILI, A defesa dos interesses difusos em juízo, Ed.Saraiva, 1996,3ª ed.
  • HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Ação Civil Pública, in Aspectos Polêmicos da Ação Civil Pública, coordenação de ARNOLDO WALD , Ed. Saraiva,2003.

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