terça-feira, 9 de março de 2010






Ainda as Comissões de Conciliação Prévia...
zé geraldo

O ministro Aloysio Corrêa da Veiga (foto) decidiu no E-ED-RR nº 823/2005-054-02-00-9 que a falta de submissão da lide a uma comissão de conciliação prévia não impede o empregado de ajuizar ação diretamente na Vara do Trabalho. A decisão original declarara extinto o processo, sem resolução do mérito, exatamente porque a trabalhadora não submetera a lide, previamente, a uma dessas comissões, mas a SDI-1 reverteu a situação pelo voto do relator.Segundo Aloysio Corrêa da Veiga, a submissão do litígio a uma dessas comissões é faculdade do empregado, e não obrigação, e que entender que se trata de uma nova condição da ação “ofende o direito de ação e os princípios da inafastabilidade da jurisdição e mesmo o da separação de poderes, por se tratar de obstáculo ao acesso direto à Justiça”. O próprio ministro reconheceu ter defendido tese oposta à que agora sustenta, porque supunha que o advento das comissões desafogaria o judiciário e estimularia a conciliação entre patrões e empregados, mas evoluiu nos estudos sobre o tema e está agora convicto de que se trata de simples pressuposto processual, e não condição da ação. Com seu novo posicionamento, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga mostra três das suas virtudes mais caras:
a) — que continua estudando, refletindo, questionando-se, pondo à prova as próprias convicções;
b) — que é humilde o suficiente para admitir que o posicionamento anterior não era o melhor; e
c) — que tem entre os seus propósitos se alinhar com o pensamento mais arejado sobre todos os temas, e que busca o ideal de justiça, tanto do empregado quanto doempregador.


Doutrina

No meu livro Como redigir a Petição Inicial da Ação Trabalhista de Rito Sumaríssimo,lançado pela Forense, RJ, em 2000, registrei:

§1º - Pressupostos processuais e condições da ação.

Jurisdição é a função estatal de dizer o direito (juris+dictio).É regrada(não-discricionária)e inerte(atua mediante provocação,que se dá pela instauração do processo).Não há jurisdição sem processo nem processo sem ação.A lide provoca a ação que provoca o processo que provoca a jurisdição que compõe ou elimina a lide.A ação é um direito subjetivo e abstrato de agir.Direito subjetivo é o poder jurídico de ter a faculdade de agir.Pretensão é o direito de exigir.Ação é pretensão+atividade. Exercer a pretensão é exigir a prestação.Propor ação é pedir a tutela do Estado,deduzindo um pedido.Embora a ação seja um direito subjetivo público processual,há condições legalmente exigíveis para que ela nasça e requisitos para que,uma vez nascida,o processo se desenvolva validamente,de modo a permitir uma decisão sobre o mérito.Os requisitos necessários ao exercício legítimo da ação por aquele que se afirma titular da pretensão de direito material e em face daquele de quem reclama a satisfação de sua pretensão no processo se chamam condições da ação(são:o interesse processual,a possibilidade jurídica do pedido e a legitimação para a causa).Os requisitos necessários ao desenvolvimento regular do processo de modo a permitir uma decisão sobre o mérito chamam-se pressupostos processuais.A falta de qualquer deles leva à extinção do processo,sem apreciação do mérito(CPC,art.267,IV e VI). A doutrina costuma dividir os pressupostos processuais em objetivos e subjetivos. Os objetivos dizem respeito à subordinação do processo à sua disciplina legal;os subjetivos,aos sujeitos principais da relação processual(juiz e partes).Os objetivos dividem-se ainda em intrínsecos ou positivos(porque são aptos a provocar a quebra da inércia da jurisdição)e extrínsecos ou negativos(porque impedem o desenvolvimento válido e regular do processo e,em consequência,o exame do mérito).Os intrínsecos ou positivos subdividem-se em de existência(se presentes,o processo existe como tal)e de validade(se presentes,o processo se desenvolve validamente).São pressupostos objetivos intrínsecos(ou positivos)de existência do processo(se presentes,o processo existe)a jurisdição,o pedido e as partes.

São pressupostos processuais intrínsecos(ou positivos)de validade(se presentes,o processo é válido):

a) - competência do órgão a que o dissídio é submetido.
b) - insuspeição e desimpedimento do juiz.
c) - a capacidade processual dos litigantes.
d) - inexistência de coisa julgada(CPC, arts.301 e 467).
e) - inexistência de continência(CPC,art. 104).
f) - inexistência de litispendência(CPC, art.301,V).
g) - petição inicial apta(CPC,arts.282 e 295 c/c CLT,art.840).
h) - citação regular(CPC,arts.213,214,§§1º e 2º,215 c/c CLT,art.841,§§1º e 2º).
i) - inexistência de compromisso arbitral (CPC,art.1.072).
j) - pagamento de custas em processo anterior(CPC,art.268 c/c CLT,arts.731 e 732).
l) - inocorrência de perempção(CPC,arts. 268,parágrafo único e 301,IV;CLT,arts.731 e 732).

São pressupostos processuais extrínsecos ou negativos:

a) - incompetência do órgão a que o dissídio é submetido(material,funcional ,originária ou derivada).
b) - suspeição e impedimento do juiz.
c) - falta de capacidade processual dos litigantes.
d) - coisa julgada(CPC,arts.301 e 467)
e) - continência(CPC,art.104).
f) - litispendência(CPC,art.301,V).
g) - petição inicial inepta(CPC,arts.282 e 295 c/c CLT,art.840).
h) - citação irregular(CPC,arts.213,214,§§ 1º e 2º,215 c/c CLT,art.841,§§1º e 2º).
i) - compromisso arbitral(CPC,art.1.072).
j) - falta de pagamento de custas em processo anterior(CPC,art.268 c/c CLT,arts,731 e 732).
l) - perempção(CPC,art.268,parágrafo único).

São pressupostos processuais subjetivos:
1º - quanto ao juiz:

a) - que se trate de órgão estatal investido de jurisdição.
b) - que tenha competência originária ou adquirida.
c) - que seja imparcial(desimpedido e insuspeito).

2º - quanto às partes:

a) - que tenham capacidade de ser parte(isto é,que sejam titulares de direitos e obrigações,possuindo capacidade jurídica.Ou seja:que tenham capacidade para figurar num dos pólos da relação processual).Têm capacidade de ser parte as pessoas naturais(inclusive o nascituro),as pessoas jurídicas e as pessoas formais(v.g.,massa falida,herança jacente ou vacante,o condomínio e o espólio).Capacidade de ser parte é a possibilidade de ser parte;coincide com a noção de personalidade.
b) - que tenham capacidade processual(que possuam capacidade de estar em juízo,isto é,possam exercer direitos e deveres processuais pessoalmente e praticar de forma válida os atos processuais).
c) - que tenham capacidade de postular em juízo(ou seja:as partes devem participar da relação processual através de quem tenha direito de postular em juízo).

No procedimento sumaríssimo, tanto quanto nas demais ações, as condições da ação são o interesse processual,a possibilidade jurídica do pedido e a legitimação para a causa.Aos pressupostos processuais negativos(presentes,impedem a quebra da inércia da jurisdição e a formação e o desenvolvimento válido e regular do processo)somam-se,contudo,a incerteza,a indeterminação e a iliquidez dos pedidos,a extrapolação da alçada,a demanda em face da administração pública direta,das autarquias e das fundações,a qualificação e o endereçamento incorretos do réu(CPC,art.282 e 295 c/c CLT,art.840) e a falta de pagamento de custas em processo anterior.Presentes,impõem a extinção do processo(CLT,art.852-B,I e II e §1º).

§2º - Submissão do litígio à Comissão Prévia como pressuposto da jurisdição.

A L. nº 9.998, de 12/1/2000 facultou aos sindicatos e às empresas a instituição de comissões de conciliação prévia, de composição paritária(empregados e empregadores), como forma de filtrar os conflitos individuais do trabalho,evitando,com isso,o estrangulamento dos serviços judiciários.Essas comissões são,como se disse,facultativas.O §2º do art.625-D da CLT,com a redação da L.nº9.598/2000 diz que,não tendo havido acordo,será fornecida às partes declaração da tentativa de conciliação,”...que deverá ser juntada a eventual reclamação trabalhista”.O §3º desse artigo diz que em caso relevante que impossibilite o cumprimento dessas providências preliminares ao ajuizamento da ação,essa circunstância deverá ser declarada na petição inicial.Dando aos §§2º e 3º do art.625-D da CLT a interpretação que mais lhes convém (mas contra a sua mens legis),alguns juízes têm entendido que a parte somente terá direito de ação depois de esgotada a via administrativa.Equiparam o esgotamento dessa via extrajudicial a uma esquisita modalidade de perempção de instância.O equívoco é manifesto.Essa exigência não está na lei e,se estivesse,esbarraria no princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição(CF/88,art.5º, XXXV) e no próprio art.5º,II da CF/88.Embora o art.652-D da CLT, com a redação da L.nº 9.958/2000 estabeleça que qualquer demanda trabalhista seja submetida à comissão criada no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria no foro da prestação dos serviços,nenhuma exegese honesta dessa lei pode conduzir à conclusão de que a parte somente possa residir em juízo depois de submeter o seu litígio ao crivo dessas comissões.A autocomposição desejada pela L.nº 9.958/2000 é mera potestade de patrões e de empregados e não um foro compulsório.Também não está nos limites da autonomia dos sindicatos exigir das empresas que se submetam às comissões por eles criadas nem estipular qualquer tipo de astreinte contra o patrão que ignore o chamamento ou que,comparecendo,se recuse a negociar.Ninguém está obrigado a pagar qualquer taxa pela recusa à tentativa de negociação prévia ou pela negociação inexitosa.Expedientes desse tipo devem ser coibidos com energia e rapidez,de sorte a evitar que a L.nº9.958/2000 sirva de caça-níquel para forrar a burra dos sindicatos.Caso as partes compareçam frente a uma dessas comissões e a conciliação não vingue, o §2º do art.625-D prevê o fornecimento de uma declaração com a descrição do seu objeto e o insucesso das tratativas. O fato de a parte final do artigo dizer que essa declaração “deverá ser juntada a eventual reclamação trabalhista” não implica reconhecer que se trate de documento essencial à petição inicial (CPC,art.283)ou que a parte não tenha direito de ação caso não tenha submetido previamente o litígio a essa dita comissão.O direito de ação é uma garantia constitucional e não pode ser condicionado ao esgotamento da via conciliatória extrajudicial.Sem razão, portanto,aqueles que intuem que a juntada dessa declaração à inicial tem a finalidade de permitir ao juiz a dispensa do esgotamento da via conciliatória extrajudicial e que se deva indeferir a inicial se não esgotada previamente essa conciliação,ou se,tentada,a parte não declare essa circunstância no libelo,juntando certidão. Caso a parte decida residir em juízo sem se submeter à ditadura sindical que fatalmente se instaurará por conta da criação dessas tais comissões prévias de conciliação, poderá pedir, já na inicial,que o juiz declare,incidenter tantum(CPC,arts.5º e 325),e nos limites do seu poder difuso de controle da constitucionalidade das leis ,a flagrante inconstitucionalidade do atual art.625-D da CLT.Em matéria de controle de constitucionalidade de leis, o sistema de direito constitucional positivo brasileiro é misto(nem inteiramente difuso nem inteiramente concentrado).No sistema concentrado,apenas o Supremo Tribunal Federal tem competência para declarar inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo.No sistema difuso,o exercício do controle da constitucionalidade das leis se faz por via de exceção,isto é, “qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade,em qualquer processo,seja de que natureza for,qualquer que seja o juízo”.A declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade (CPC, arts.5º e 325)faz coisa julgada entre as partes,no processo,e tem efeitos ex tunc,isto é”fulmina a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde o seu nascimento” .Trata-se,pois,de sentença de conteúdo meramente declaratório.Busca-se,nessa declaração,“a verificação da existência ou não do vício que se alega”.Tal declaração não faz coisa julgada em relação à lei declarada inconstitucional,já que outro juiz ou tribunal poderá aplicá-la,se julgá-la constitucional .Declarando-a,o juiz poderá receber a petição inicial e submetê-la ao rito sumaríssimo ou ao ordinário,conforme o caso,sem qualquer das formalidades de que trata a L.nº 9.958/2000”. A decisão do ministro Aloysio Veiga me dá o alento de que eu estava no caminho certo.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.O livro acima referido está esgotado e não será reeditado, mas quem se interessar pode pedi-lo, gratuitamente,ao autor, pelo e-mail ze@predialnet.com.br






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