domingo, 7 de março de 2010



Ufa!
zé geraldo


Até que enfim alguém resolveu revelar o óbvio, porque, segundo Nelson Rodrigues, “o óbvio é difícil de enxergar”. Na Justiça do Trabalho, especialmente entre as Turmas do TRT do Rio de Janeiro, há uma cultura generalizada de dizer que o depósito que o executado faz para a garantia da execução não tem a natureza jurídica de pagamento da dívida, por isso os juros da mora continuam a fluir até o efetivo levantamento do dinheiro, pelo credor, por meio de alvará judicial. Nunca pensei assim porque essa tese afronta a minha inteligência. Que nem é tanta, reconheço. Em todas as sessões em que essa engenhosa tese foi defendida por algum colega, eu o coloquei diante da seguinte situação hipotética: imagine que no curso de uma execução trabalhista, logo após a citação, o devedor efetue o depósito do valor da dívida, mas, por má fortuna, o credor morra, e antes de saber quem efetivamente representa o espólio, o juiz do trabalho não libere o depósito a ninguém. Inicia-se, na jurisdição comum, uma longa e penosa batalha para decidir quem representa o morto. Dez ou quinze anos depois, decide-se quem deve representar o espólio, e esse sujeito vem ao processo do trabalho e pede o levantamento do dinheiro. Se é verdade que o depósito não faz cessar a mora, seria justo que o representante do morto cobrasse do devedor juros de mora desde o dia do depósito até o dia em que, investido legalmente da representação do espólio, sacasse o dinheiro, por alvará? Ou, então, coloco ao colega o seguinte exemplo prático: se você devesse um empréstimo a um banco, acharia justo que o banco cobrasse juros de mora após o depósito da obrigação ou residiria em juízo para provar que com o depósito cessou sua obrigação de purgar a mora? Encurralados na própria esparrela, e diante da fragilidade das suas teses, os colegas saem sempre pela tangente: riem de mim, mas não me desautorizam com argumentos sérios, ou dizem que o meu exemplo é “absurdo”. O que eles certamente desconhecem é que a expressão “absurdo”, do latim “absurdu”, significa “contrário ao bom senso”, “contrário à razão”. Segundo Deonísio da Silva(A Vida íntima das Palavras, São Paulo:ARX,2002,p.12) , a etimologia da palavra “absurdo” é curiosa. Segundo diz, “uma coisa é absurda porque se torna desagradável ao ouvido, em dissonância. Veio daí a designação de absurdo também para o louco e, frequentemente, para rotular uma condenação geral aos discordantes, que proferem juízos desagradáveis, sem contar que certos absurdos de uma época são perfeitamente aceitos em outra. Surdos e absurdos, foram muitos os poderosos que se deram mal com toda a razão”. Pois bem. Além de não me contraporem nenhum argumento sério,ainda me rotulam de louco. Agora, pelo menos, estou em boa companhia. A Primeira Turma do STJ acabou com a ilação de que o depósito judicial tem, apenas, natureza jurídica de pressuposto da intenção de embargar, e não de pagar, por isso não interrompe a mora. O relator, ministro Luiz Fux(foto), disse que o depósito integral para garantia do juízo, como pressuposto da interposição de embargos à execução, purga a mora, isto é, impede a incidência de juros da mora a partir dali. Bom, pelo menos, a partir de agora, quem disser que a minha tese é “absurda”, sabendo ou não o significado da expressão, estará chamando de louco o próprio ministro Luiz Fux. Não conheço pessoalmente o ministro, mas penso que ele pode não gostar. E, como se diz na minha roça, se não gostar, o chumbo é grosso...


Doutrina


Confunde-se, frequentemente, retardamento com mora, o que é um equívoco. Retardamento é a mais banal das formas de mora, mas com ela não se confunde. Retardamento é atraso. Mora, retardamento culposo. Se a culpa não é elemento essencial na mora accipiendi (mora do credor), é elementar na do devedor como seu elemento subjetivo,tanto que está no Código que em não havendo fato ou omissão imputável ao devedor não incorre este em mora. O retardamento é o elemento objetivo da mora. Para haver juros por mora nas dívidas de dinheiro o credor não precisa provar prejuízo, que isso deflui da retenção do capital pelo devedor. Serve ao fundamento dessa presunção o ditado qui tardius solvit minus solvit (aquele que paga tarde, paga menos) a que PLANIOL se referiu nos comentários ao art.1.153 do Código Civil francês . No nosso, está no art.407, deste modo: “Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes”. Está em Giorgi , que mora é o retardamento culposo no pagamento daquilo que se deve ou no recebimento do que nos é devido (mora est dilatio culpa non carens debiti solvendi, vel credito accipiendi). A essa ilação tantas vezes lida — de que mora é todo inadimplemento culposo — opõe-se Agostinho Alvim afirmando que tal conceito não corresponde ao que em nosso direito se trata por mora porque somente leva em conta o retardamento (dilatio), e definir mora apenas pelo lado do retardamento é inexato porque o Código Civil põe em mora tanto o devedor que não paga quanto o credor que não recebe no tempo, lugar e forma combinados e, depois, porque supõe culpa (culpa non carens) seja na mora do devedor ou na do credor, quando é certo que a culpa só é imprescindível na mora debitoris (do devedor), mas não o é na accipiendi (do credor) . O erro do conceito residiria não só no definir mora apenas pelo ângulo do devedor (mora solvendi), já que também o credor cai em mora conquanto seja certo que dificilmente este dificulte o recebimento, senão em pressupor que só está em mora o que retarda o cumprimento da obrigação (dilatio), quando é vero que mora, reduzida à sua essência, é a imperfeição no cumprimento da obrigação, e tanto cai em mora quem retarda o pagamento quanto quem paga fora do tempo, lugar e modo convencionados, ou quem não quer receber pelo modo apalavrado, ou no tempo e no lugar em que consentiu que o pagamento pudesse ser feito. Por isso, propõe que se defina mora mais acertadamente como “o não pagamento culposo, bem como a recusa de receber, no tempo, lugar e forma devidos”. Esse conceito teria a vantagem de por aos olhos que “o elemento subjetivo culpa só dirá respeito à mora do devedor e não à do credor; as circunstâncias de tempo, lugar e forma, a uma e outra se referirão; e o termo devidos, que empregamos em lugar de convencionados, de que usa o Código, nos parece mais preciso, visto como nem sempre a mora se prende a uma convenção, bastando atentar na que se origina de responsabilidade delitual”. A mora é culpável ou não é imputável, diz a doutrina. O credor trabalhista não precisa alegar nem provar prejuízo para cobrar ao devedor por sua mora. A lei presume o prejuízo pela demora culposa do patrão ao conservar em seu poder a prestação devida ao empregado. Se a culpa é essencial na mora do devedor, mas se presume no retardamento nas dívidas de dinheiro, e cai em mora não apenas o que retarda o pagamento da obrigação, mas o que quita o débito de modo imperfeito ou incompleto, ou fora do lugar, tempo e modo ajustados, o devedor trabalhista estará em mora sempre que fizer o depósito fora da época própria em que a obrigação era devida e não foi paga, ou sempre que, tendo cumprido a obrigação pelo depósito, não a tiver acrescido da correção monetária entre o vencimento e o depósito e dos juros contados desde o ajuizamento da ação. Diz-se, usualmente, que tal e qual crédito trabalhista pago a destempo tem de ser corrigido porque o devedor não quitou o débito na sua “época própria”. Como visto, o credor não precisa alegar nem provar prejuízo porque o retardamento nas dívidas de dinheiro produz efeitos jurídicos independentemente de culpa do devedor, ou — para dizê-lo em melhor técnica —, independentemente de prova da culpa porque o retardamento imotivado é a culpa em si nas dívidas de dinheiro. A obrigação do devedor de repor ao patrimônio do credor o dinheiro indevidamente retido traz implícita a necessidade de que a quantia devolvida de modo tardinheiro corresponda tanto quanto possível ao total que originariamente era devido ao credor e os frutos decorrentes do seu rendimento natural. Isso é do senso comum. O pagamento temporão deve devolver ao credor os frutos do dinheiro de que aquele se privou por culpa atribuível ao devedor. O conceito de “época própria” estava desta forma no Decreto-lei nº 75, de 21/11/66 :

“Art 1º — Os débitos de salários, indenizações e outras quantias devidas a qualquer título, pelas empresas abrangidas pela Consolidação das Leis do Trabalho e pelo Estatuto do Trabalhador Rural, aos seus empregados, quando não liquidados no prazo de 90 (noventa) dias contados das épocas próprias, ficam sujeitos à correção monetária, segundo os índices fixados trimestralmente pelo Conselho Nacional de Economia.

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“Art.2º — Considera-se época própria, para os efeitos do art. 1º:

I — quanto aos salários, até o décimo dia do mês subseqüente ao vencido, quando o pagamento for mensal; até o quinto dia subsequente, quando semanal ou quinzenal;

II — quanto às indenizações correspondentes à rescisão do contrato de trabalho, sem justa causa, o dia em que aquela se verificar ou for declarada por sentença;

III — quanto a outras quantias devidas aos empregados, até o décimo dia subsequente à data em se tornarem legalmente exigíveis”.

Dispondo sobre o ponto, o art. 39,§1º da L. nº 8.177, de 1º/3/91, limitou-se a dizer:

“Art.39 — Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador nas épocas próprias assim definidas em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data do vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”.

Segundo a nova dicção da lei, não há mais uma “época própria” para cada tipo de crédito conforme a sua natureza (salários, indenizações e outras quantias devidas ao trabalhador), como estava no art.2º do DL.75/66. A nova regra aplica-se aos débitos trabalhistas de qualquer natureza, e o conceito de época própria passa a ser aquele “definido em lei, acordo ou convenção coletiva, sentença normativa ou cláusula contratual”, podendo ser ou não o do art.2º do DL. nº 75/66 (para salários, até o décimo dia do mês subsequente ao vencido, quando o pagamento for mensal e até o quinto dia subsequente, quando semanal ou quinzenal; para as indenizações correspondentes às rescisões do contrato, sem justa causa, o dia em que aquela se verificar ou for declarada por sentença e, para a outras quantias devidas aos empregados, até o décimo dia subsequente à data em que se tornarem legalmente exigíveis). A “correção monetária” passou a ser o equivalente em juros representado pelo valor da TRD, tanto que o art. 39 da L. nº 8.177/91 não diz que o valor histórico do débito será corrigido de outra forma senão que os débitos de qualquer natureza (e não mais salários, indenizações e outras quantias, tomados um por um, como estava no DL.75/66) “sofrerão juros de mora equivalentes à TRD acumulada no período compreendido entre a data do vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento”. Criada pelo art.1º da L.nº8.177,de 1/3/91, a TR(taxa referencial) é "...calculada a partir da remuneração mensal líqüida de impostos, dos depósitos a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimentos, caixas econômicas,ou dos títulos públicos federais, estaduais e municipais,de acordo com metodologia a ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional". Como, em regra, nem as leis nem os acordos ou convenções coletivos e as sentenças normativas cuidam de definir épocas próprias prevalece o senso comum de que época própria é o dia em que a obrigação era devida e não foi paga, ainda que ninguém se preocupe em saber se nessa obrigação inadimplida há apenas salários ou, além deles, indenizações e outras quantias devidas aos empregados. É esse conceito esotérico de época própria que legitima no processo do trabalho a cobrança de atualização monetária do crédito entre o tempo da obrigação (dia em que a obrigação venceu e não foi paga) e a data da atualização dos cálculos. O §1º do art.39 da L. nº 8.177/91, por sua vez, diz:“Aos débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação”. A cobrança de juros de mora após o depósito tipifica anatocismo. Anatocismo significa cobrança de juros sobre juros. Usura, portanto; vantagem indevida que a lei veda. É isso o que o empregado faz, sem tirar nem por, quando multiplica taxas de juro em vez de somá-las ao principal, ou quando cobra juros de mora sobre crédito convertido em TR, entre a atualização e o depósito se, na atualização, já embutiu taxa de juros no principal corrigido. Pior: quando insiste na cobrança de juros de mora e de correção monetária após o depósito em dinheiro. Juro é o proveito tirado de um capital emprestado, isto é, a prestação devida ao credor como compensação ou indenização pela privação temporária do capital. Numa palavra, “juro é o aluguel do dinheiro” , o fruto jurídico da coisa, e essa coisa é o capital. Pressupondo a existência do capital, juros são acessórios dele, o que leva à evidência de que, extinta a obrigação principal, extingue-se a de pagar juros porque acessória daquela Os juros podem ser compensatórios ou moratórios. Os compensatórios equivalem à recompensa do capital; os moratórios indenizam o credor pelo retardamento no cumprimento da obrigação de pagar. No processo do trabalho, os juros são sempre moratórios e legais, têm disciplina própria e contam-se, como é correntio, sobre o principal corrigido, desde o ajuizamento da ação. Para o cálculo nos processos distribuídos até 26/2/87(inclusive), os juros são de 0,5% ao mês ou de 6% ao ano, de forma simples. De 27/2/87 a 3/3/91, os juros são de 1% ao mês, capitalizados. De 4/3/91 em diante, contam-se em 1% ao mês, de forma simples, pro rata die. Para os juros simples(6% ao ano), aplica-se a fórmula juros = capital corrigido X nº de dias ÷ 6.000; para os capitalizados, há planilhas próprias, de amplo conhecimento das contadorias das Varas do Trabalho; e para os de 1% ao mês, de forma simples, a fórmula juros = capital corrigido X nº de dias ÷ 3.000. Embora os juros incidam sobre o principal corrigido, não há fundamento legal em se multiplicar as taxas segundo os créditos tenham sido corrigidos quando vigoravam juros simples de 0,5% ao mês, 1% ao mês, capitalizados, ou 1% ao mês, de forma simples. O que ocorre é que o credor soma a primeira taxa de juros (0,5% ao mês) ao principal corrigido e passa a considerar esse capital acrescido de juros como um só capital, e aplica, sobre esse crédito majorado, a segunda taxa de juros (1% ao mês, capitalizados), passando a considerar, ainda aqui, esse segundo valor como um só capital. Por fim, aplica a esse suposto crédito a última taxa de juros (juros simples de 1% ao mês), passando a exigir do devedor uma soma que não corresponde à dívida real. Adotar esse critério implica majorar artificialmente o crédito, descaracterizando a remuneração do capital, que é a essência dos juros moratórios, e oficializando a usura, o enriquecimento sem causa do credor da obrigação trabalhista. Segundo DE PLÁCIDO E SILVA, “A cobrança ou exigência de juros sobre juros acumulados não é admitida, desde que, resultante de contrato, não existe estipulação que a permita. Quer isso dizer que a capitalização de juros, isto é, a incorporação dos juros vencidos ao capital, e cobrança de juros sobre o capital assim capitalizado, somente tem apoio legal quando há estipulação que a autorize. Desde que não haja esta estipulação, os juros não se capitalizam e, em consequência, não renderão para o credor juros contados sobre eles, mesmo vencidos e escriturados na conta do devedor”. Não há tal estipulação na lei trabalhista . A doutrina diz, com razão, que,“...salvo melhor interpretação, conviveremos com formas de cálculos de juros distintas, mas em nenhuma hipótese a incidência desses juros pode ser cumulativa com a parcela do principal atualizado acrescida de uma das parcelas de juros. Esses deverão incidir somente sobre o capital, evitando a indesejável sobreposição de juros sobre juros”. Como dito, a maneira correta de calcular-se o juro da mora é somar ao principal corrigido, e não multiplicar os três quanta de juros apurados segundo as respectivas épocas de vigência das leis específicas. Assim, sobre o principal corrigido, aplicam-se primeiro os quanta de juros de 0,5% ao mês, de forma simples , apurando-se o acessório da dívida por juro da mora no período em que esse critério vigorou. Em seguida, toma-se aquele mesmo principal corrigido, mas sem acréscimo dos juros de mora até então apurados, e sobre ele aplicam-se as taxas dos juros de 1% ao mês, capitalizados, até o dia em que vigorou esse critério , apurando-se nova parcela acessória da dívida. Feito isso, e a partir de 4/3/91,toma-se outra vez aquele mesmo capital corrigido, mas, ainda aqui, sem o acréscimo da primeira e da segunda taxas de juros (0,5% ao mês, de forma simples e 1% ao mês, capitalizados) e, sobre ele, aplica-se a taxa de 1% ao mês, de forma simples, de acordo com o número de meses cuja mora se quer purgar. Por fim, já apurado o principal corrigido, e contados os juros da mora, somam-se ao principal corrigido os quanta de juros encontrados nessas três operações de cálculo(0,5% + 1% capitalizados + 1% simples). O produto é o capital corrigido e acrescido de juros segundo as taxas e critérios vigentes em cada época própria, sem enriquecimento ilícito do credor e sem empobrecimento desnecessário do devedor. Fique claro, até aqui, que concordo com a afirmação de que a TR repõe apenas a inflação do período compreendido entre o vencimento da obrigação e a data da atualização do crédito, seja porque é isso exatamente o que está dito na parte final do art.39 da L. nº 8.177/91, seja porque o §1º desse mesmo art. 39 diz que, além da TR, aos débitos assim atualizados “serão acrescidos, nos juros de mora previstos no caput, juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação”. Se, além da TR, o §1º do art.39 da L. nº 8.177/91 prevê incidência de juros, é claro que os juros não estão embutidos na TR, o que não significa que nisso esteja implícita autorização de que os juros passem a integrar o capital corrigido para futura sobreposição de juros. Admito, também, que se corrija o débito da época própria ao dia da apresentação do cálculo e, sobre o total corrigido, se ajuntem os juros da mora desde o ajuizamento da ação. O que não posso admitir, porque isso é sofisma fácil de desmentir, é que se o credor soma taxa de juro ao principal corrigido e converte ambos em TR, a taxa referencial continua sendo apenas a expressão da correção monetária, e não embuta juros. Não é assim, evidentemente. Se o depósito foi feito em TR, e o crédito depositado já embutia juros de mora convertidos em TR tanto quanto o principal corrigido, o devedor já quitou a obrigação porque respondeu pelos prejuízos a que sua mora deu causa, mais juros e atualização dos valores monetários, segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos. Como dito, na liquidação, o credor atualiza o débito, acrescenta juros de mora e divide o capital composto (capital corrigido + juros de mora) pela TR, passando, a partir daí, a executar um crédito convertido num valor móvel que corresponderá, no dia do depósito, ao equivalente em reais obtido da multiplicação do total de TR em que o crédito foi dividido no dia da atualização, pelo valor da TR no dia do depósito. Por esse critério, o credor dividiu em TR o capital corrigido e, também, a taxa de juros apurada entre a época própria e o data do cálculo, o que é um erro. Os juízes deveriam evitar que isso ocorresse limitando a conversão em TR apenas da parte correspondente à correção do capital, e não a da taxa de juros. É estreme de dúvida que ao somar taxa de juros a um valor corrigido monetariamente e converter o produto (principal + juros) em TR, o credor está convertendo em TR tanto o principal corrigido quanto a própria taxa de juros. Assim, sempre que multiplicar o equivalente do débito, em TR, pelo valor de qualquer TR futura, estará elevando não apenas o capital corrigido, mas multiplicando pelo mesmo valor da TR também os quanta de juros. Em suma: não está apenas repondo ao principal a parte corroída pela inflação, mas “corrigindo juros”, o que repudia a qualquer senso lógico porque correção não é pena, e sim recomposição, e juros o são, porque punem a mora e se submetem a fundamentos distintos dos da atualização monetária. Se, sobre o resultado dessa suspeita operação aritmética, a parte ainda pretender aplicar novas taxas de juros supostamente devidos entre a atualização e o depósito, estará contando juros sobre juros corrigidos, o que traduz rematado equívoco e anatocismo ainda mais perverso. Isso é uma evidência contábil, e não um sofisma jurídico. A afirmação de que a conversão do crédito em TR embute apenas correção, e não juros, apenas em parte é verdadeira. Isso é certo se apenas o principal corrigido é convertido em TR, mas não é o que de hábito se faz na liquidação. O comum é corrigir-se o débito da época própria à atualização, calcular os juros da mora até ali, somá-los ao principal corrigido e dividir ambos, principal corrigido e juros por TR e, no depósito do crédito, já em TR, contar outra vez taxa de juros da atualização ao depósito, exatamente sob esse ardiloso argumento de que a TR somente embute correção. Se a Vara converte em TR apenas o principal corrigido, haverá sempre espaço legal para recontagem de juros de mora porque, nesse caso, somente o principal estaria sendo automaticamente elevado pela multiplicação dos quanta de TR a que corresponde. Se a Vara atualiza o principal em seus valores históricos, aplica as taxas de juro até a data do cálculo e converte o produto (correção + juros) em TR, pelo valor da TR no dia do cálculo, os juros não serão devidos da data do cálculo à do depósito porque, no depósito, o devedor recolheu em TR tanto o principal corrigido quanto os juros que, somados a ele, formam agora um só capital. Não há prejuízo algum para o empregado porque o depósito convertido em TR estará sendo feito pelo valor da TR no dia do pagamento, e a “correção dos juros pela multiplicação em TR” representa, para ele, quantia superior à que receberia se apenas contasse juros da atualização ao depósito, sem os embutir no principal. Normalmente pede-se a contagem de juros e correção sobre o crédito, do depósito ao efetivo recebimento, alegando-se que pagamentos em dinheiro somente purgam a mora do devedor quando estão efetivamente à disposição dos credores, e isso se dá quando se apossam do dinheiro depois de esgotados todos os recursos ou vencidos os obstáculos processuais. Purga-se a mora:

I — por parte do devedor, oferecendo este a prestação mais a importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta;

II — por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora até a mesma data”.

É assim que está no §4º do art.9º da L. nº 6.830, de 22/9/90 , aplicável ao processo do trabalho:

“§4º — Somente o depósito em dinheiro, na forma do art.32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora”.

Vencida e não paga dívida de dinheiro, os juros da mora correm desde logo , mas a mora cessa pelo pagamento em tempo e lugar oportunos. O depósito faz cessar os juros da dívida dali por diante, mas não exonera o devedor dos juros devidos até o momento em que é feito. A culpa é sempre presumível, cabendo ao devedor a prova de que nenhum fato ou omissão a ele pode ser imputado, e sim uma impossibilidade momentânea criada pelo credor, como é o caso da interposição do agravo contra a decisão que rejeitou a impugnação à conta de liquidação”. Não está em lugar nenhum que o devedor responde pelos juros da mora após o depósito em dinheiro, pela simples razão de que o depósito faz cessar a mora e, como mora solvendi supõe culpa, a culpa pelo atraso se esvai com a entrega da quantia em juízo. Se o devedor discorda do quantum debeatur que lhe é exigido depois de liquidada a sentença, oferece bens desembaraçados e embarga a execução no prazo, forma e limites de que trata o art.884, §§1º e 3º da CLT, é evidente que não age com culpa, mas, mesmo assim, deverá responder pelos juros da mora que decorre do retardamento na quitação da obrigação de pagar. Na dívida trabalhista, a mora é ex re, isto é, vige o princípio dies interpellat pro homine, onde o “o transcurso do tempo encarrega-se de interpelar o devedor”. Se o devedor agrava de petição após a garantia da execução em dinheiro, que corresponde, exatamente, ao valor do crédito exequendo já convertido em TR, há simples meio de defesa, e não culpa ou retardamento, porque o depósito foi feito e houve purga da mora. Com muito maior razão, o devedor deve opor-se a qualquer tentativa de cobrança de juros ou de correção após o depósito, se essa quantia correspondeu ao valor homologado pelo juízo após impugnação de contas pelo empregado e é o próprio empregado quem interpõe agravo de petição. Se — admitamos um absurdo —, nos casos de agravo de petição interposto pelo patrão contra a decisão de embargos do devedor, fosse possível imputar-lhe culpa pelo fato de ter exercido o direito de recorrer, nos casos em que é o exequente quem agrava, inconformado com a decisão que lhe foi contrária, o depósito pode ser soerguido a qualquer tempo porque o que se discute é a procedência ou não de pedido de quantia superior àquela reconhecida pela empresa, mas, se somente o for após o trânsito em julgado do acórdão que decidir esse recurso, haverá mora accipiendi e, como visto, na mora do credor o devedor não pode ser inculpado. Por óbvio, se o depósito foi feito em TR e o crédito depositado já embutia juros de mora convertidos em TR tanto quanto o principal corrigido, o devedor já quitou a obrigação porque respondeu pelos prejuízos a que sua mora deu causa, além dos juros e da atualização dos valores monetários segundo os índices oficiais regularmente estabelecidos. Em suma, se não há base legal para a contagem dos juros da mora da atualização ao depósito do crédito já corrigido em TR, há menos ainda em contá-lo após o depósito porque, com ele, cessam os juros da dívida. Se as partes não o fazem, sponte sua, cabe ao juiz zelar pelo conteúdo ético do processo. Por conteúdo ético deve entender-se todo aquele rol de regras morais escritas ou esperadas que disciplinam a conduta das partes, do juiz, dos peritos, dos auxiliares de justiça, das testemunhas, dos intérpretes e dos advogados na busca de um ideal de justiça, de tal modo que se possa, de fato, apaziguar a lide. Isso inclui lealdade na produção das provas, nas petições, impugnações e recursos e, fundamentalmente, no pedir apenas o que é seu. Nem mais, nem menos. Logo, com o depósito em TR cessou a mora do devedor e, daí por diante, não correm juros, porque satisfeita a obrigação. Nada agride mais a ética desejável no processo do que a constatação de que uma das partes se locupleta à custa da outra, quebrando o suum cuique tribuere e fazendo do juiz refém de artimanhas.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma), autor de livros e artigos publicados no Brasil e na Itália(Rivista Diritto & Diritti), presidente do Conselho Consultivo da ESACS, membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, Especialista em Processo Civil pela PUC/SP.

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