sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010


Tiro no pé!
zé geraldo


O ministro Castro Meira, do STJ, disse no MS nº 29.719/GO, julgado em 18/2/2010, que o presidente de um Tribunal de Justiça não é parte legítima para figurar no polo passivo da relação processual em mandado de segurança, se se limita a cumprir determinação do Conselho Nacional de Justiça(CNJ). No caso, o presidente de um Tribunal de Justiça, cumprindo determinação do CNJ, exonerou o serventuário titular de um cartório extrajudicial, por falta de concurso público. O serventuário impetrou a ação mandamental em face do presidente do Tribunal de Justiça, mas o STJ entendeu que o interessado devia se insurgir contra a decisão do CNJ, parte passiva legítima para figurar na lide, já que o presidente do TJ se limitara a cumprir determinação superior. O ministro apoiou-se nos seguintes precedentes: RMS 29.171-GO, DJe 10/9/2009; RMS 29.310-GO, DJe 19/6/2009, e RMS 29.700-GO, DJe 16/9/2009.

Natureza jurídica do Mandado de Segurança


O mandado de segurança é uma ação civil de cognição sumaríssima, de caráter constitutivo e documental, concedido para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas-data, ameaçado ou violado, por ato comissivo ou omissivo de agente ou de autoridade pública, ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição de poder público, praticado com ilegalidade ou abuso de poder. Não corrige injustiça. É meio de defesa do direito por coerção direta e pressupõe a existência de um direito líquido e certo, violado ou ameaçado de violação.Tanto quanto as outras, a ação mandamental exige a satisfação das condições da ação e dos pressupostos processuais. Condições da ação (CPC,art. 267,VI) são requisitos do exercício legítimo da ação por aquele que se afirma titular da pretensão de direito material e em face daquele de quem reclama a satisfação de sua pretensão no processo. Pressupostos processuais (CPC,art.267,IV) são requisitos necessários ao desenvolvimento regular do processo, de modo a permitir uma decisão sobre o mérito.

Pressupostos e Condições da Ação no Mandado de Segurança


No mandado de segurança, são condições da ação o interesse de agir e a legitimação para a causa, e pressupostos processuais, o direito líquido e certo e a ilegalidade ou o abuso de poder. Diz-se presente o interesse de agir quando a prestação jurisdicional é útil (MORTARA) ou necessária(CHIOVENDA)ao demandante. Haverá interesse de agir quando a parte não puder solver o conflito por outro modo (necessidade) ou quando o provimento estatal lhe for eficaz para a solução do litígio (utilidade). Tem legitimação passiva para a causa todo aquele que seja titular da obrigação relativa ao direito invocado pelo adverso, e ativa, aquele que se diz titular da pretensão de direito material, suficiente para exigir do réu uma sujeição à situação jurídica invocada. Em sede de segurança,”...tem legitimação para a causa o titular do direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato ilegal ou abusivo de poder praticado por autoridade pública...”. Segundo ALFREDO BUZAID, direito líquido e certo se traduz pela ideia de sua incontestabilidade, isto é, ”... uma afirmação jurídica que não pode ser séria e validamente impugnada pelo poder público que praticou ato ilegal ou de abuso de poder. Ele tem, na realidade, dois polos: um positivo, porque se funda na lei; outro negativo, porque nasce da violação da lei. Ora, a lei há de ser certa em atribuir ao interessado o direito subjetivo, tornando-o insuscetível de dúvida. Se surge a seu respeito qualquer controvérsia, quer de interpretação, quer de aplicação, já não pode constituir fundamento para a impetração de mandado de segurança”.É o que “...se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se a sua existência for duvidosa; se a sua extensão ainda não estiver delimitada; se o seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais” .É, enfim,”...o que nenhum jurista de mediana cultura contestaria de boa-fé e desinteressadamente” ,o “...que não desperta qualquer dúvida”.Por último, como ninguém se obriga a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei(CF/88,art.5º,II), é ilegal todo ato de autoridade que fira esse postulado. O abuso de poder consiste em um “...agir dentro da lei mas contra ela no sentido subjetivo, o que evidencia tratar-se de um gênero em que se abrigam espécies, como o excesso de poder e o desvio de poder. Consequentemente, é de dizer também que todo excesso ou desvio é abuso de poder, mas nem sempre este se manifesta na forma de excesso ou desvio de poder. A locução integrante do texto constitucional abrange, pois, quaisquer situações nas quais um delegado do Poder público extralimite sua função de agir, ora com excesso, ora com desvio, e sempre com abuso”. O administrador público detém poderes vinculados(regrados) e discricionários. Os vinculados decorrem da lei(competência, finalidade)e não permitem interpretação; os discricionários, embora também constem de lei, permitem o exercício da discrição administrativa,”...realizada no interesse superior da preservação da ordem, da segurança geral, da higiene, da salubridade pública, do conforto ou do bem-estar das populações”. Segundo J.M.OTHON SIDOU ”...a ilegalidade e o abuso de poder integram, no campo do direito público, os atos antinormativos, aqueles cometidos por qualquer agente do Poder Público, desvirtuando, sem motivo legítimo, a finalidade econômica ou social da instituição jurídica de que dimana sua faculdade subjetiva, potestade discricional ou regulamentar não importa, em detrimento do direito de outrem, ente individual ou coletivo”.... “...quando a autoridade competente excede aos limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas...”. "Autoridade coatora", se é que se pode usar o jargão quando se desapossa legitimamente de um cargo público agente que ali se instala sem consurso público, era mesmo o CNJ, e não o Tribunal de Justiça, mero executor da ordem.Como se diz na roça, foi "um tiro no pé".
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1.O autor é Juiz Federal do Trabalho(7ª Turma)no Rio de Janeiro.

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