sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010






Dano Moral da Pessoal Jurídica
Zé Geraldo



Aos poucos, a Justiça do Trabalho vem quebrando o tabu de que “aqui só empregado tem razão”. Em dois casos recentes, os juízes do trabalho condenaram os empregados por danos morais causados à imagem corporativa da empresa. Num deles, um mecânico de manutenção exigiu do patrão Servtec Instalações Ltda. horas extras e danos morais por suposta humilhação que lhe fora imposta por ter sido chamado de preguiçoso e acusado de dormir em serviço. Na outra, o sujeito se disse dispensado sem justa causa na constância do mandato de cipeiro e se descobriu, na instrução, por confissão do próprio empregado, que ele se demitira da empresa para ocupar função mais bem remunerada. Nos dois casos as sociedades empresárias provaram a farsa das acusações dos empregados e mostraram o estrago que as ações causaram na sua imagem comercial perante a clientela. Os queixosos tiveram de pagar dano moral aos patrões. Isso, que parece novidade, é para mim coisa antiga. Há mais de quinze anos, quando eu presidia a 4ª Vara do Trabalho de Niterói(naquele tempo se dizia "Junta de Conciliação e Julgamento"), condenei um caseiro a pagar aos patrões R$1.500,00 gastos em telefonemas de telesexo cujas companhias eram sediadas em Macau, Calcutá, Austrália, Ilhas Virgens, entre outras. Os patrões, um casal de velhinhos, passaram a ser hostilizados e alvos de pilhéria no condomínio por culpa do empregado, que se aproveitara da sua ausência em viagem a São Paulo para implante de ponte-de-safena.A honra daquelas pessoas foi de tal modo atingida que as mães passaram a impedir as crianças de tomarem o mesmo elevador com o casal, supondo que se tratasse de pessoas devassas, ele pedófilo e ela uma mulher promíscua e sem nenhum valor moral. Recentemente, publiquei na Revista LTr, de São Paulo, na Revista Justiça & Cidadania, do Rio de Janeiro, e na Rivista Diritto & Diritti, na Itália, a monografia abaixo, tratando exaustivamente o tema:

Introdução

A locução “dano moral” conduz, necessariamente, à conclusão de que se trata de lesão a um direito da personalidade. “Personalidade” refere-se a pessoa, do latim persona, máscara. O étimo foi introduzido na linguagem filosófica pelo estoicismo popular para designar os papéis representados pelos homens na vida. Em sentido estrito, pessoa significa o “homem em suas relações com o mundo ou consigo mesmo”. Na acepção mais lata, significa “o homem como sujeito de certas relações”. A partir de Descartes, acentua-se o sentido de “pessoa como a sua natureza de relação ou de autorrelação, isto é, do homem consigo mesmo”. Nesse sentido, pessoa identifica-se com o “eu”. A afirmação de que “dano moral” implica lesão a um “direito da personalidade” é em si um complicador. Ainda que a Súmula n. 227 do STJ diga, com sobrada clareza, que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”, a questão está longe do consenso. Os que se opõem ao enunciado da súmula argumentam que o elemento característico do dano moral é a dor, em sentido amplo, abrangendo os sofrimentos físicos e morais, impossível de verificar-se, por óbvio, nas pessoas jurídicas. Os que comungam do entendimento do verbete contrapõem o argumento de que a dor, como fundamento da lesão moral, diz respeito à honra subjetiva, que se funda na dignidade, no decoro e na autoestima. No juízo de valor, enfim, que se faz de si mesmo, ao passo que o dano moral que se admite em prol da pessoa jurídica diz com a lesão à honra objetiva, isto é, o malferimento, por ato antijurídico, do seu bom nome empresarial, do crédito, da sua reputação ou da sua imagem corporativa. Naquela, a dor de que se cuida é a dor física, sensorial, a dor da alma; nesta, a dor que reclama reparação é metafórica: é a “dor jurídica”, dor de supor que, por conta da lesão injusta, um patrimônio moral que é valor agregado à pessoa jurídica também foi afetado, e precisa ser recomposto. As expressões “dano moral” e “pessoa jurídica” soam a alguns francamente antinômicas. Se o dano é “moral”, diz respeito a uma dor íntima, à lesão a um direito da personalidade que deflui da ofensa à honra, e honra é bem interior de que somente a pessoa natural ou física pode ser titular. A dificuldade a superar é justamente esta: se dano moral é ofensa à honra, e pessoa jurídica não tem honra, como é possível falar-se em “dano moral da pessoa jurídica”? Não seria, talvez, uma discussão bizantina, assim como debater a “importância do ar no vácuo”?

Conceito de dano moral

A construção de uma ordem jurídica justa assenta-se no princípio universal neminem laedere, isto é, não prejudicar a ninguém. O prejuízo imposto ao particular afeta o equilíbrio social. Nem todo dano é indenizável. Apenas o injusto o é. Prejudicar é causar dano. Para que um dano implique reparação é preciso que seja fruto de uma invasão contra ius da esfera jurídica do lesado.São danos justos e, portanto, irreparáveis, os que provêm das forças da natureza ou do acaso (caso fortuito e força maior) e os definidos no direito posto (legítima defesa própria ou de terceiros, devolução da injúria, desforço pessoal, destruição de coisa para remoção de perigo, entre outros) ou aqueles causados pelo próprio lesado (culpa exclusiva da vítima). Dano é qualquer lesão experimentada pela vítima em seu complexo de bens jurídicos, materiais ou morais. Dano é pressuposto da responsabilidade civil. O conceito de responsabilidade civil repousa na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação ao seu autor. Quando se diz que o dano é pressuposto da responsabilidade civil, o que se quer dizer é que pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Culpa e risco são títulos, modos de responsabilidade civil. A culpa tem primazia de fonte da responsabilidade porque é a hipótese mais comum, mas o risco não pode ser desprezado porque nem sempre a culpa é suficiente como causa primária do dever de indenizar. Na esfera penal, não é sempre que se exige um resultado para que a punibilidade aflore, mas, na civil, sem ocorrência de dano poderá haver ato ilícito, mas não haverá dever de indenizar. Tão certo como a extensão do dano define o quantum da indenização, ter ou não havido dano implica dizer se há ou não obrigação de indenizar. A conduta antijurídica, apartada do dano, é irrelevante para atrair a obrigação de indenizar. A clássica divisão dos danos em materiais e morais refere-se unicamente aos seus efeitos. Na origem, todo dano é uno, indivisível, e pode atingir pessoas ou coisas. Não há razão justa para se entender que o termo “pessoas” não abarque, também, as pessoas jurídicas. Nem todo sofrimento, dissabor ou chateação em razão de uma ofensa tipifica dano moral. É necessário que a agressão extrapole os aborrecimentos normais de tantos quantos vivem em coletividade. O que se pode entender por “aborrecimentos normais” é também casuístico e depende de uma avaliação objetiva e subjetiva que somente o juiz pode fazer diante do caso concreto. Danos morais são inquietações graves do espírito, turbações de ânimo, desassossego aviltante e constrangedor que tira a pessoa do eixo de sua rotina, a ponto de lhe impor sofrimento psicofísico cuja seqüela seja facilmente identificável se comparado o comportamento atual e aquele outro, anterior à conduta ofensiva. O dano a pessoas pode ser físico ou corporal, e moral, extrapatrimonial ou anímico. Dano moral é qualquer sofrimento humano que não seja causado por uma perda pecuniária, causado injustamente a outrem e que não atinja ou diminua o seu patrimônio. É qualquer sofrimento íntimo, a “penosa sensação de ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em consequência deste, seja provocada pela recordação do defeito da lesão, quando não tenha deixado resíduo mais concreto, seja pela atitude de repugnância ou de reação ao ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam”. ORLANDO GOMES, antes mesmo do advento da CF/88,já ensinava que “dano moral é o constrangimento que alguém experimenta em consequência de lesão em direito personalíssimo, ilicitamente produzido por outrem”.

A “empresa” como objeto jurígeno

O conceito de empresa parece ser para o direito um desses mistérios de esfinge. Por mais que soe herético aos puristas do direito empresarial, tenho para mim que esse conceito é absolutamente desimportante. Nisso, estou ao abrigo de BRUNETTI e FRANCESCO FERRARA, este professor de Florença. Em boa companhia, portanto. Empresa não tem personalidade jurídica nem é sujeito de direito, mas objeto dele. O conceito de empresa não é jurídico, mas econômico. A ciência jurídica jamais elaborará um conceito jurídico de empresa que seja melhor ou mais exato que o econômico, ou que não se apoie inteiramente nele, e seja, portanto, desnecessário. BRUNETTI dizia que a empresa, como entidade jurídica, é uma abstração, e os “efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita”. Ao que disse, se, do lado político-econômico a empresa é uma realidade, “do jurídico é un’astrazione, porque, reconhecendo-se como organização de trabalho formada das pessoas e dos bens componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata, devendo-se na verdade ligar à pessoa do titular”. Esse sujeito titular é o empresário. A explicação é simples: o empresário reúne capital, matéria prima, tecnologia e trabalho aliciado a outrem. Organiza, pois, sua atividade voltada ao mercado. Até aí, essa organização é um simples complexo de bens e pessoas, mas não tem vida própria. Quando o empresário atua sobre essa organização e inicia a atividade que alcançará a produção desejada, a empresa propriamente dita nasce para o mundo dos fatos e para o mundo jurídico. Disso se conclui que empresa é uma atividade organizada dos meios de produção posta em ação por vontade do empresário. O empresário atua a empresa e empresa é, no frigir dos ovos, exercício de atividade produtiva. Desse exercício mais não se tem senão uma ideia abstrata. Desde o século XIX já se intuía existirem na sociedade organizações econômicas destinadas à produção. À testa dessas organizações existiam pessoas que reuniam e adaptavam recursos sociais às necessidades sociais, remunerando aqueles que emprestavam seu esforço pessoal à consecução daqueles objetivos. A essa organização dos fatores de produção a economia deu o nome de empresa. Àquele que estava no comando dessa empresa, deu-se o nome de empresário. Empresa é, pois, a atividade organizada para produzir alguma coisa para o mercado. Empresário é o sujeito que comanda essa atividade. Como dito, esses conceitos são econômicos, mas jurista algum conseguiu ou conseguirá elaborar um conceito jurídico de atividade organizada ou de empresário que não seja, rigorosamente, o mesmo que a economia já definiu para essas duas entidades. Tudo o que se fizer daí por diante será dizer a mesma coisa com outras palavras. É melhor desistir. Essa é, por sinal, a advertência de Asquini. A primeira ideia de empresa surgiu no art.632 do Código francês de 1807. Ao enumerar atos de comércio, o Código francês incluiu todas as “empresas de manufatura” e as “empresas de fornecimento”. Como o conceito de empresa era fundado na ideia de que empresa era a organização que praticava atos de comércio, o conceito de comerciante passou a ser, por derivação, o daquele que fazia da prática dos atos de comércio sua profissão habitual. Só depois o conceito de comerciante evoluiu para o de empresário, na medida em que se consolidou o entendimento de que empresário é aquele que organiza e toca a empresa, mas a empresa continuou sendo aquilo que os economistas idealizaram no século XIX, isto é, organização econômica destinada à produção para o mercado. A Vivante, pelo menos, se deve a honestidade de semelhar o conceito jurídico de empresa ao econômico. É dele a lição de que empresa é um organismo econômico que, sob risco próprio, põe em atividade os elementos necessários à obtenção de um produto destinado à troca. Numa palavra: empresa é organização econômica destinada à produção. A mesma dificuldade que se abateu no estrangeiro na definição de empresa alcançou os estudos brasileiros de direito comercial. Ao enumerar os atos de comércio, o art. 19 do Regulamento nº 737, de 1850, incluiu as empresas. A partir daí, a doutrina pátria debate-se, sem nenhum êxito, na sua conceituação. Segundo REQUIÃO, ao incluir as empresas entre os atos de comércio, o Regulamento 737 deu ao conceito de empresa a ideia de repetição de atos de comércio, praticados profissionalmente, exatamente como estava no direito francês, como já observado por JEAN ESCARRA e expressamente anotado por INGLEZ DE SOUZA.O sentido que emprestam ao termo “empresa” o direito do trabalho e o empresarial é sabidamente colidente, em especial quando se trata de sucessão de empregadores, falência, recuperação judicial ou extrajudicial ou da desconsideração da pessoa jurídica para fins de responsabilização dos sócios por obrigações civis, trabalhistas, previdenciárias, fiscais ou tributárias,de pagar ou de fazer. Para os civilistas, “empresa” é a atividade econômica organizada, exercida pelo empresário, pessoa física ou jurídica, que, com intuito de lucro, reúne insumos, capital, tecnologia e trabalho para a produção de bens ou serviços para o mercado. Para o direito do trabalho, o “empregador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços”. Bem se vê que, enquanto o direito econômico funda o conceito de empresa na atividade negocial, o trabalhista mistura “atividade” com “tipos de empresário”(“empresa individual ou coletiva”) e, em outros artigos, com estabelecimento, fundo de comércio e outros elementos de empresa. Empresa é uma realidade econômica , centro de decisão capaz de adotar estratégia voltada à produção de bens e serviços , uma combinação de fatores de produção — terra, capital,trabalho — ou unidade de produção que trabalha para o mercado. O fim da empresa resulta da atuação de três fatores: dissociação entre propriedade e controle, interferência sindical e intervencionismo estatal. A dissociação entre a propriedade e controle da empresa moderna gerou o que GALBRAITH chamou de tecnoestrutura, isto é, controle e administração da empresa por técnicos, longe das mãos dos “donos”. A intervenção dos sindicatos também altera a face legal da empresa porque pulveriza o poder do empresário, já que os delegados sindicais, de pessoal, de empresa, as comissões internas e os representantes dos trabalhadores participam, de uma ou de outra forma, dos órgãos de administração, da divisão de lucros, dos desígnios do negócio. Por último, como a atividade econômica é exercida sob a forma de empresa (atividade), é sobre ela que recai a gula intervencionista estatal, seja impondo restrições à própria forma de atividade, à característica dos produtos ou serviços ou às garantias do consumidor, seja estipulando um estatuto mínimo de direitos sociais dos empregados, abaixo do qual não se pode transigir.Para os direitos do trabalho, empresarial, tributário e econômico, empresa é categoria jurídica . O caráter tuitivo do direito do trabalho empresta à noção de empresa outro formato, tanto que a CLT ora se refere a ela como a atividade do empresário, ora como estabelecimento, ora como grupo econômico. Quando o legislador celetista diz que “empregador é a empresa”, empresta ao conceito a funcionalidade que esse ramo especializado do direito reclama, na medida em que acentua a importância do fenômeno da despersonalização da figura do empregador de modo a antecipar que nenhuma modificação da estrutura da empresa ou a alteração do seu titular será relevante para os direitos do empregado e para a sorte do contrato de trabalho, premissas, aliás, ditas, com todas as letras, nos arts.10 e 448 da CLT.Para o direito do trabalho, empresa é sociedade hierarquizada não dotada de personalidade, e que tem por objetivo realizar o bem comum da comunidade em que se insere. É essa ideia de sociedade hierarquizada que legitima, na pessoa do empresário, o direito potestativo sobre o contrato de trabalho e os poderes disciplinar e diretivo. No direito tributário, o sujeito passivo do débito é a pessoa física ou jurídica, mas de costume se desconsidera essa premissa em favor da empresa porque os princípios do direito fiscal visam legitimar o erário na coleta de dinheiro. Para os direitos empresarial e econômico, empresa é a atividade que dela deflui. Sendo uma realidade econômica, é natural que a empresa possa ser vista de vários modos, daí a lição tantas vezes lida de Asquini, para quem a empresa deve ser vista sob os perfis subjetivo, funcional, objetivo(ou patrimonial) e corporativo(ou institucional). Sob o perfil subjetivo, a empresa identifica-se com o empresário. Dizer que a empresa tem perfil subjetivo é fazer uso de metonímia para explicar o fato de que o empresário se insere na empresa. É sua cabeça e alma. A expressão presta-se, também, para explicar a subjetivação do patrimônio do empresário, ou como teoria tendente a superar a dissociação entre empresa e empresário. Sob o perfil funcional, a empresa se identifica à atividade empresarial e representaria um conjunto de atos tendentes a organizar os fatores da produção para a distribuição ou produção de certos bens ou serviços. A empresa seria aquela “particular força em movimento que é a atividade empresarial dirigida a um determinado escopo produtivo”, isto é, a atividade desenvolvida profissionalmente e organizada para a produção de bens e serviços. A empresa não é mero conjunto de atos, mas pressupõe continuidade, duração e orientação destinada à produção para o mercado. Sob o perfil objetivo ou patrimonial, a empresa se identificaria ao conjunto de bens destinado ao exercício da atividade empresarial, isto é, seria um patrimônio afetado a uma finalidade específica. Nessa óptica, o empresário opera um conjunto de bens que lhe serve de instrumento para alcançar o objetivo empresarial (produção de bens ou serviços para o mercado, com intuito de lucro). Esses bens são o objeto de sua atividade, mas não se confundem com os bens que integram seu patrimônio pessoal. Sob a óptica do estabelecimento, a empresa pertence à categoria dos objetos. Por fim, pelo perfil corporativo ou institucional, a empresa seria a instituição que reúne o empresário e seus colaboradores, “...aquela especial organização de pessoas que é formada pelo empresário e por seus prestadores de serviço, seus colaboradores (...) um núcleo social organizado em função de um fim econômico comum”. Isto é: “...o empresário e seus colaboradores dirigentes, empregados e operários não são apenas uma pluralidade de pessoas vinculadas entre elas por uma soma de relações individuais de trabalho, com fins individuais; formam, ao contrário, um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundam os fins individuais do empresário e de cada colaborador considerado individualmente: a consecução do melhor resultado econômico da produção”. A ideia de empresa como instituição não é isenta de críticas. Opõe-se a ela a objeção de que o conceito de empresa como instituição pressupõe unidade de propósito e objetivos comuns, quando a prática mostra que, em regra, há permanente conflito de interesses entre dirigentes e trabalhadores. A essa restrição opõe-se MAGANO, remarcando que posições potencialmente conflitantes das individualidades que compõem a comunidade empresarial não obstam que, num processo dialético de superação, a empresa persiga e alcance objetivos próprios, que não se confundem com os objetivos dos diversos grupos em conflito . Em suma: o fato de existirem na empresa interesses particulares ocasionalmente em conflito não retira a evidência de que a empresa tem interesse unitário, diverso dos interesses fragmentários que compõem o seu universo de diretores, empregados e colaboradores. Qualquer que seja o conceito que se adote, a empresa, como uma realidade econômica, é sujeito de direitos e obrigações, e essa evidência não pode escapar à preocupação do direito. A ideia de que essa realidade econômica pode ser titular de um direito moral é nova, e nisso reside a confusão que fazem em dizer que empresa não tem honra e não pode, portanto, sofrer dano moral. Em sentido estrito, empresa não tem honra, mas tem-na no sentido lato, de nome comercial, crédito, honorabilidade e imagem corporativa perante seus empregados, colaboradores, mercado competitivo e sociedade, todos valores integrantes de um patrimônio moral próprio de uma personalidade fictícia, jurídica, que projeta reflexos jurígenos, isto é, que produz ou cria um direito. Numa palavra: que interessa ao direito.

A “honra” da pessoa jurídica como bem tutelável

Todo ser humano é titular de certos bens jurídicos pelo fato de existir como pessoa. Esses são os direitos da personalidade, prerrogativas ou faculdades que permitem a cada um desenvolver aptidões. Por direitos da personalidade deve entender-se as prerrogativas do sujeito em relação às dimensões de sua própria pessoa , o que implica poder dispor do próprio corpo, vivo ou morto, ou de suas partes, separadamente e sobre a saúde física ou mental, sobre a sua aparência estética, entre outros. São direitos absolutos, inatos, intransmissíveis,subjetivos, essenciais, vitalícios, oponíveis erga omnes, irrenunciáveis e imprescritíveis. São direitos naturais, que antecedem à criação de um ordenamento jurídico. Sua existência não depende da afirmação por um sistema positivo de direito, mas da condição humana mesma. Agrupam-se em direitos à integridade física (direito à vida, direito sobre o próprio corpo) e direitos à integridade moral (direito à honra,à liberdade, ao recato, à imagem, ao nome, à autoria intelectual). A doutrina reconhece como direitos da personalidade o direito à vida, ao corpo, à saúde e à liberdade, aos quais foram acrescidos o direito à honra e ao nome e, mais recentemente, os direitos à imagem, à voz e à intimidade. É consenso entre os doutos que dano moral é a lesão a um direito da personalidade. Já foi dito que a honra subjetiva é o autoapreço, o juízo de valor que fazemos de nós mesmos, e que honra objetiva é o valor que os olhos alheios nos emprestam. Honra subjetiva somente podem ter as pessoas naturais, ou físicas. As pessoas jurídicas não têm esse valor anímico. A “honra” da pessoa jurídica deve ser entendida em sentido lato, isto é, como aquele conjunto de atributos comerciais que a tornam respeitada aos olhos da concorrência, do poder público, dos próprios empregados e do mercado consumidor. Nesse sentido, a “honra” da empresa (empresta-se ao termo “empresa” o mesmo sentido de pessoa jurídica) pode ser atingida sempre que alguma ação antijurídica arranhe a sua imagem corporativa, fira o seu nome comercial, abale o seu crédito, ponha sob suspeição a sua empresarialidade (rectius: a sua atividade negocial), a qualidade ou a segurança dos seus produtos ou serviços.

Imagem Corporativa

A doutrina costuma demorar-se em saber se existe um direito à própria imagem e, se existe, qual a sua natureza? De modo geral, admite-se que existe um direito à própria imagem e esse direito é autônomo, inato, inviolável, intransferível, personalíssimo e irrenunciável, isto é, como bem jurídico essencial, o titular do direito de imagem pode exercer sobre ela qualquer ato de disposição, exceto o de privar-se dela. É atécnico falar-se em “direito de imagem”, como se a imagem pertencesse a um ramo específico da ciência jurídica. Não é isso. A imagem é que se constitui, ela própria, em um direito autônomo da personalidade e, como tal, reclama tutela específica. Quando se diz “direito de imagem”, bem depressa se entende que se está a referir sobre um direito exclusivo de exploração de um bem da personalidade que pertence a cada indivíduo em si mesmo considerado. O termo imagem, para o Direito, tem duas acepções distintas. Na primeira, entendida em concreto, imagem é res(coisa), bem de natureza material pertencente ao seu autor e obtida ou captada por qualquer meio físico, técnico ou artístico (corpus mechanicum), aí entendida não apenas a imagem captada por meio da pintura, da holografia, da fotografia, da escultura, do desenho, dos processos ópticos ou digitalizados, da figuração caricata ou estilizada,mas também “a imagem sonora da fonografia, da radiodifusão, dos gestos e expressões dinâmicas da personalidade” cuja proteção ou violação interessa ao direito autoral. Na segunda, é abstrata, extrapatrimonial, subjetiva, e integra a esfera íntima da personalidade humana como direito moral que somente o dono pode usar, fruir e dispor como lhe aprouver, e esta, como pressuposto do jus imaginis, interessa à responsabilidade civil e, mais notadamente, à parte dela que se ocupa do dano moral pelo seu uso indevido ou desautorizado, porque é um dos direitos civis da personalidade. Isso não é diferente com a pessoa jurídica.Para o direito, imagem é toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem.É, em suma, a figura, a representação, a semelhança ou aparência de pessoa ou coisa, “a projeção dos elementos visíveis que integram a personalidade humana, é a emanação da própria pessoa”.O direito à própria imagem é inato: constitui um direito autônomo.A afirmação da existência de um direito de imagem não é isenta de críticas, já que gente muito lida ensina que na lesão ao direito de imagem o que se fere é a honra, ou a sua privacidade. Imagem é toda sorte de representação de uma pessoa, ainda que se trate do semblante ou de parte do corpo, como cabelo, boca, mãos, pés, seios, nádegas. Segundo Francesco Degni, “imagem é o sinal característico de nossa individualidade, é a expressão externa do nosso eu. É por ela que provocamos nas pessoas, com as quais entramos em contato, os sentimentos diversos de simpatia. É ela que determina a causa principal de nosso sucesso ou de nosso insucesso”. A reprodução da efígie do retratado depende de sua autorização, e não cabe, nesses casos, indagar se da publicação adveio ou não dano moral ao retratado ou propiciado àquele que a veicula algum proveito ilícito. O dano é re in ipsa. A ação danosa contra a imagem da pessoa jurídica nem sempre parte de terceiros. É comum que tenha como autor o seu próprio pessoal interno, diretores ou colaboradores diretos. Nas lesões à honra empresarial, quase sempre o primeiro bem jurídico a ser atingido é a imagem corporativa da pessoa jurídica, isto é, não o que a empresa verdadeiramente é, mas o que pensam dela. “Imagem corporativa” é, portanto, o alter ego da sociedade empresária, aquele plus de confiabilidade que se agrega à sua imagem real e que a distingue da concorrência. Em trabalho monográfico ainda inédito, esbocei algumas linhas sobre as seqüelas psíquicas, físicas e corporativas deixadas na pessoa dos empregados pelo assédio moral, também chamado mobbing, bullyng, bossing ou psicoterror. Embora o empregado seja diretamente atingido por esse tipo de lesão, a imagem corporativa da pessoa jurídica é alcançada por ricochete. O assédio moral é um tipo de comportamento predatório, doentio e perverso, no ambiente de trabalho, que tem por finalidade segregar a vítima e destruí-la, para que saia do caminho. Segundo alguns, a expressão mobbing provém do verbo to mob, enganar, atacar, maltratar, assediar. Para outros, deriva de mob, horda, plebe, gentalha, turba. Mobbing é expressão pinçada da Etologia, e proposta, pela primeira vez, por Niko Tinbergen e Konrad Lorenz, em estudos com gaivotas e gansos, para descrever o ataque coletivo das aves a um alvo identificado como perigoso — um predador, por exemplo —, onde vários indivíduos da mesma espécie ou de espécies diferentes revezavam-se em sucessivas investidas para confundir o intruso, emitindo sons, grunhidos e ameaças à distância, chegando, às vezes, a defecar e a vomitar no agressor, ou naqueles casos em que o próprio grupo hostilizava indivíduos mais débeis para expulsá-los do bando.Na acepção sociológica, a expressão foi utilizada em 1972 pelo médico sueco Peter Heinemann para descrever o comportamento destrutivo de crianças, isoladamente ou em grupos, fora das salas de aulas, e dirigido, a mais das vezes, contra uma única criança. Na linguagem jurídica, o termo vem sendo disseminado em sentido oposto ao que tinha na origem: enquanto Tinbergen e Lorenz lhe emprestaram sentido de agressão da vítima ao predador, na linguagem do foro a expressão traduz o processo inverso, isto é, de agressão do predador contra a vítima. No mobbing, o sequestro psíquico rouba à vítima a sua escritura de pessoa, o seu estatuto original. O objetivo do agressor é aniquilá-la para expulsá-la do caminho. É uma invasão progressiva do território psíquico do outro, um tipo de violência subterrânea qualificado por uma sucessão nefasta de atos voltados à silenciosa destruição psicológica da vítima a fim de encurralá-la num gueto, desconstruir a sua identidade e forçá-la a abandonar o emprego. A vítima do mobbing precisa urgentemente de um resgate. Abandonada à própria sorte, o fim da linha é a apatia, a frustração, a depressão, a demência mental, o desinteresse pelo emprego, pela vida social e familiar, o apego às drogas, à bebida, ao desregramento social e, por fim, o suicídio. O mobbing, ou assédio moral, é um abuso do direito, e, como tal, um ato ilícito e antijurídico. A falsa compreensão do mobbing apouca sua importância como um quadro grave de deterioração do ambiente de trabalho e banaliza uma patologia que não é debatida publicamente porque a vítima, por vergonha ou medo de perder o emprego, se omite ou se acovarda, e não figura nas estatísticas oficiais das empresas porque respinga de modo negativo nas políticas de governança corporativa, valor agregado cada dia mais determinante na liquidez dos negócios. Sempre que um caso de mobbing escapa ao controle interno da empresa e vem à tona, por meio de um processo judicial, onde se busca reparação, ou através da mídia, como simples enfoque informativo e jornalístico, o efeito deletério dessa sociopatia atinge em cheio a pessoa jurídica como realidade econômica, já que, potencialmente, atinge a coletividade de empregados. O que se nota é que o assédio moral, além de fulminar a vítima, esparge seus reflexos maléficos sobre os demais empregados, criando a apatia, o desencanto, a prostração e a frustração daqueles que são por ele afetados indiretamente. No fim das contas, deterioram-se as relações interpessoais, o ambiente de trabalho e a imagem corporativa da empresa, com reflexos notórios no crédito, na credibilidade e no seu nome comercial. O mobbing impõe ao assediado, individual ou coletivamente, um “custo psíquico”. Cada um, homem ou mulher, reage de uma forma ao assédio moral. A essa forma se diz coping. Cada coping impõe ao agredido um “custo psíquico”, uma cota de desgaste físico e emocional. Assim como, no plano biológico, as defesas do corpo humano organizam-se para resistir ao ataque de um vírus letal, mas enfraquecem-se pelo calor da luta, e deixam buracos na barricada, a arquitetura moral da vítima vai sendo dizimada a cada processo de mobbing, até o ponto em que não oferece qualquer resistência. Essa falência moral, esse não ânimo que paralisa a vítima e a reduz à condição de refém do agressor é consequência direta das sucessivas investidas do assediador. É como se o seu estoque de defesas caísse a um nível crítico, abaixo do qual o assediado perde o equilíbrio emocional e parte para a agressão física, ou se mata. Há outro desdobramento igualmente perverso: fragilizada, a vítima passa a reagir de modo desproporcional à agressão, superestimando palavras ou gestos do assediador, que, fosse outro o contexto, provavelmente não tivesse sobre ela tamanho impacto. Essa susceptibilidade aflorada é tudo o que o mobber precisa para reforçar o discurso de que a vítima era, mesmo, pessoa desequilibrada, de trato difícil ou emocionalmente instável. Sem que se deem conta, os colegas da vítima aceitam a versão do assediador e multiplicam a agressão. Dessa pressão contínua do assediador sobre a vítima surge o burn out , isto é, a exaustão emocional, ou o estresse. A vítima não se vê como pessoa útil nem crê na humanidade do outro, passa a considerar o trabalho simples mercadoria de subsistência, desinteressa-se por manter ou criar relações interpessoais, sociais e familiares, desespera-se, deprime-se pela fadiga e pela sensação de derrota e, ao fim, desiste do trabalho ou da própria vida. Essa apatia destrói o meio ambiente de trabalho e repercute na imagem externa da pessoa jurídica, causando-lhe um dano moral que precisa ser reparado com a punição do autor da lesão. Além disso, no plano psíquico, a vítima responde de modo inadequado à tensão do ambiente de trabalho, descompensa-se, perde o eixo, tem dificuldade de aprendizagem, insônia, pesadelos, impotência, amenorreia, bulimia, insegurança, apatia, transtornos de humor, angústia e depressão crônicas, destrói, voluntariamente, os poucos laços afetivos que lhe restam e evita restabelecer novos vínculos, isolando-se num gueto do qual dificilmente sairá sem ajuda terapêutica. Amigos e familiares se afastam, casamentos se abalam ou se desfazem, as vítimas se oneram com tratamentos psicológicos, exames especializados, perda de bens e desinteresse pelo emprego. Esse estado de catatonia impõe à pessoa jurídica um custo adicional e é, também, uma forma de dano moral, um dano moral reflexo, consequência inegável daquela primeira lesão moral. Afora a degradação do meio ambiente de trabalho, cuja preservação é de responsabilidade da empresa, as lesões causadas à pessoa jurídica pelos próprios empregados ou diretores, ou terceiros, como o mobbing, v.g.,atingem a sociedade empresária na sua política de governança corporativa, impondo-lhe custos tangíveis e intangíveis. O custo corporativo imediato é a elevação do turn over, com acréscimo de despesas com recrutamento, seleção e treinamento de novos empregados, aumento do passivo trabalhista com indenizações e elevação do índice de acidentes fatais. Aumenta o absenteísmo físico e psicológico. Decrescem a produção e a qualidade do trabalho, o que implica retrabalho. Dentre os custos intangíveis, a doutrina refere ao passivo patológico, isto é, ao abalo na reputação e na sua imagem,com deterioração da qualidade do diálogo com o público externo, retração da criatividade e da motivação do grupo de trabalho e danos em maquinário ou equipamentos por despreparo ou tensão latente.

Nome comercial

Outro bem jurídico empresarial frequentemente atingido pela lesão à sua imagem corporativa é o nome comercial. Quando se fala, aqui, em “nome comercial”, deve-se afastar desde logo qualquer confusão com o significado jurídico de “nome empresarial” ou “nome de empresa”, segundo a leitura dos arts.1.155 e seguintes do Código Civil. A expressão “nome comercial” é aqui tomada como o conceito que a concorrência, o poder público, o mercado e os colaboradores da empresa fazem dessa pessoa jurídica, e não, propriamente, do nome empresarial como elemento dessa empresa. Na acepção técnica, bem ao gosto dos comercialistas, nome empresarial ou nome de empresa é um dos elementos de empresa, ou um dos elementos de identificação de empresa. Coisa distinta, portanto. A empresa,viu-se, é uma entidade jurídica, uma abstração, uma junção de capital, trabalho, insumos e tecnologia voltada para um fim especifico que é a produção de bens ou serviços para o mercado, com finalidade lucrativa. Essa atividade organizada dos meios de produção, posta em ação por vontade do empresário, constitui o exercício da atividade produtiva. Sendo a empresa uma abstração, alguns elementos extrínsecos a identificam para o mundo dos fatos e para o mundo jurídico, daí dizer-se que esses elementos são elementos de empresa ou elementos de identificação de empresa. Esses elementos que particularizam a empresa no mundo dos fatos são o nome comercial (ou nome de empresa ou nome empresarial), as marcas de produto ou serviço e as expressões ou sinais de propaganda. A L.nº 9.279, de 14/5/96, que disciplina a propriedade industrial, excluiu do âmbito de sua aplicação a proteção do “nome comercial”, deixando essa tarefa para o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, segundo a disciplina da Lei de Registros Públicos. Essa lei adota, exclusivamente, a expressão nome empresarial como designativa de firma individual, firma ou razão social, isto é, a denominação por meio das quais se identificam as empresas mercantis para o mercado nacional. Para o Código Civil, nome empresarial, firma ou denominação é o nome com que as empresas se identificam no mercado. O dizer que a ação antijurídica fere a “honra” da pessoa jurídica quando atinge o seu “nome comercial” significa que a lesão se dá no conceito que o público externo tem dessa pessoa jurídica, isto é, essa lesão malfere o patrimônio moral da sociedade empresária porque afeta “o que pensam dela”.

Abalo de crédito

A expressão “crédito” é tomada aqui em sentido amplo para significar não apenas o aporte financeiro de que o organismo empresarial pode precisar numa ou noutra etapa da produção ou de sua vida econômica, mas da confiança que lhe devota o mercado para o qual se dirige e destina sua produção de bens ou serviços. Quando se diz que a lesão moral “abala o crédito” da pessoa jurídica, quer-se dizer que essa invasão ilícita do seu território moral pode afetar tanto a confiança (capacidade de tomar empréstimos que reforcem o lastro do capital social) que inspira naqueles que com ela entabulam negócios quanto a sua credibilidade (confiabilidade que desfruta perante seus consumidores potenciais quanto à qualidade e segurança dos seus produtos ou serviços). O étimo “crédito” provém do latim creditum, credere e significa ato de fé, disposição de confiança de um credor. Popularmente,quando se diz que tal e qual sujeito “merece crédito”, significa dizer que costuma honrar a palavra empenhada e é, portanto, merecedor de confiança. O crédito de uma pessoa jurídica pode ser afetado por vários modos por uma ação antijurídica dos empregados, sócios ou diretores, de fornecedores, consumidores ou concorrentes. De modo geral, a falta de uma boa governança corporativa, os sistemáticos eventos ligados à notícia de pirataria de software, tecnologia ou produtos, as notícias falsas de falência ou de autofalência, os desmandos dos dirigentes, os casos rumorosos de clonagem de cartões corporativos ou de documentos imprescindíveis aos negócios, os recorrentes casos de assédio moral ou sexual, o protesto indevido de títulos, o dissenso entre diretores, a denunciação caluniosa, a exclusão de processos licitatórios, as dívidas sociais com a seguridade social e com o imposto de renda, o gigantismo dos passivos fiscal, tributário ou trabalhista, a degradação do meio ambiente de trabalho com práticas deletérias de gestão, os acidentes de trabalho, em pequenas ou grandes proporções, os escândalos financeiros envolvendo os negócios ou seus diretores, os danos ecológicos de responsabilidade da empresa, o trabalho escravo ou infantil, a falta de observação das leis previdenciárias, trabalhistas e de saúde pública dos empregados e o mau atendimento ao público, diretamente ou por meio de um inadequado serviço de atendimento ao consumidor, a par dos reiterados casos de recall de peças ou serviços são os eventos mais comuns que abalam o crédito da pessoa jurídica. Se empresa é a atividade econômica organizada para o mercado, com finalidade lucrativa, obter lucro significa alcançar o sucesso desse empreendimento mercantil, isto é, atingir seu objetivo social. É claro que outros propósitos mais nobres além da simples obtenção de lucro informam a empresa, mas, para os empregados e para aqueles que lhe emprestam capital, o lucro satisfaz, em princípio, a seus anseios mais imediatos. Não há empresa autossuficiente. Como organismo que interage com o mercado, a empresa se sujeita às suas vicissitudes e está, constantemente, necessitada de crédito. O que releva dizer é que qualquer ação injurídica praticada contra a pessoa jurídica pode ferir a sua “honra” empresarial, isto é, o seu bom nome, a sua reputação comercial, a sua higidez econômica e a estabilidade dos negócios e afetar o tráfico comercial com a clientela e o nível do seu diálogo com o seu público compulsório.

O “preço da dor”

A doutrina recomenda que, na avaliação de situações de fato onde se pede reparação moral, o juiz siga a lógica do razoável, isto é, que tome por paradigma o meio-termo entre o homem frio e insensível e o homem extremamente sensível. Já se disse que os danos morais causados à “honra” da pessoa jurídica não são os mesmos que se podem causar à honra das pessoas físicas que as integram, sejam sócios, diretores, empregados, prepostos, fornecedores, clientela. A questão é simples: na pessoa física, natural, a lesão atinge a honra em sentido estrito, isto é, a autoestima, o juízo de valor que cada um tem de si, de si em relação aos outros e dos outros em relação a si mesmos. É, pois, uma lesão a um direito da personalidade. Já a lesão à “honra” da pessoa jurídica não tem essa conotação porque atinge a empresa como uma ficção jurídica, um organismo vivo enfiado num contexto social com o qual interage constantemente, trocando bens e serviços por lucro. É possível que um mesmo ato antijurídico possa causar danos morais tanto às pessoas físicas que integram a sociedade empresária como a ela própria, mas o que se chama aqui “dano moral da pessoa jurídica” são apenas aqueles prejuízos que a ação danosa causa à empresa (atividade) como realidade econômica, e que afetam não a honra subjetiva, mas a “honra objetiva”, entendido, o termo, como a imagem corporativa, o nome comercial, o crédito, a credibilidade, o meio ambiente de trabalho e a segurança jurídica dos que com ela entabulam relações contratuais de diversificada espécie. O art.944 do Código Civil diz que a indenização se mede pela extensão do dano. O objeto da indenização não está na lesão em si, mas no dano produzido. O que se repara com a fixação de certa soma em dinheiro evidentemente não é a lesão, abstratamente considerada — que essa, sendo subjetiva, não pode ser medida eficazmente nem mesmo pela própria vítima —, mas a dor moral, o sofrimento (ainda que físico), a humilhação, a quebra do decoro, da autoestima, a diminuição social, o afeamento da pessoa, considerado do seu ponto de vista, isto é, do conceito que faz de si mesma (honra subjetiva), e do ponto de vista das pessoas com quem se relaciona habitualmente (honra objetiva). Trata-se de uma regra de conteúdo normativo aberto. Foram e serão sempre infrutíferas todas as tentativas de quantificação dos danos morais. É impossível quantificar lesão do que não pode ser medido, contado, pesado. Pode-se, se tanto, compensar. Indenizar, nunca, pois indenizar provém de in + damnum, isto é, “sem dano”, tornar as coisas ao ponto em que estavam se a lesão não tivesse ocorrido. Tudo deve ficar ao prudente arbítrio do juiz em cada caso concreto, segundo contornos genéricos que apenas delimitam essa “jurisdição discricionária” . A lei não fixa valores. Estima-se por equidade. Na lesão moral, seja de pessoas físicas ou jurídicas, o juiz arbitra quantia que possa, ao mesmo tempo, compensar a dor moral da vítima e desestimular o autor da agressão. Essa quantia tem caráter punitivo. Não se trata de reparação como restitutio in integrum, pois não se pode conhecer exatamente a extensão do dano, nem é pretium doloris porque dor não se paga por dinheiro. É um conforto material que não pode ser exorbitante a ponto de constituir lucro capiendo nem minguado de modo a deixar a sensação de impunidade. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano o juiz pode reduzir, equitativamente, o valor da indenização. Como essa adequação equitativa refere-se a graus de culpa, a regra do parágrafo único do art.944 do Código Civil somente se aplica aos casos de responsabilidade subjetiva, porque, nos demais, a responsabilidade é objetiva e prescinde da culpa. A doutrina faz crítica severa a essa possibilidade de diminuição, pelo juiz, porque, se indenizar é repor a vítima ao statu quo ante, indenizar pela metade é responsabilizá-la pelo resto. A natureza jurídica da quantia em dinheiro que se pede por lesão moral é compensatória, e não indenizatória. O juiz arbitra uma quantia que possa, ao mesmo tempo, compensar a dor moral da vítima e desestimular o agressor de reincidir na conduta lesiva. Ao fixá-la, o juiz deve ater-se ao princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. Como não se trata de indenização, mas reparação da lesão moral, na fixação do quantum reparatório o juiz deve valer-se dos seguintes parâmetros:

“a) — evitar indenização simbólica e enriquecimento sem justa causa, ilícito ou injusto da vítima. A indenização não poderá ter valor superior ao dano, nem deverá subordinar-se à situação de penúria do lesado; nem poderá conceder a uma vítima rica uma indenização inferior ao prejuízo sofrido, alegando que sua fortuna permitiria suportar o excedente do menoscabo;
b) — não aceitar tarifação, porque esta requer despersonalização e desumanização, e evitar porcentagem do dano patrimonial;
c) — diferenciar o montante indenizatório segundo a gravidade, a extensão e a natureza da lesão;
d) — verificar a repercussão pública provocada pelo fato lesivo e as circunstâncias fáticas;
e) — atentar às peculiaridades do caso e ao caráter antissocial da conduta lesiva;
f) — averiguar não só os benefícios obtidos pelo lesante com o ilícito, mas também a sua ulterior situação econômica;
g) — apurar o real valor do prejuízo sofrido pela vítima;
h) — levar em conta o contexto econômico do país, No Brasil não haverá lugar para fixação de indenização de grande porte, como as vistas nos Estados Unidos;
i) — verificar a intensidade do dolo ou o grau de culpa do lesante;
j) — basear-se em prova firme e convincente do dano;
j) — analisar a pessoa do lesado, considerando a intensidade de seu sofrimento, seus princípios religiosos, sua posição social ou política, sua condição profissional e seu grau de educação e cultura;
m) — aplicar o critério de justum ante as circunstâncias particulares do caso sub judice,buscando sempre, com cautela e prudência objetiva, a equidade”.

Conclusão

Empresa é uma realidade econômica, centro de decisão capaz de adotar estratégia voltada à produção de bens e serviços, combinação de fatores de produção — terra, capital,trabalho — ou unidade de produção que trabalha para o mercado e, como tal, pode, também, sofrer lesão moral, bastando que, objetivamente, seja ferida no seu crédito, na sua reputação, credibilidade, imagem corporativa ou nome comercial (toma-se a expressão “nome comercial” como o conceito que a concorrência, o poder público, o mercado e os colaboradores têm dessa pessoa jurídica, e não, propriamente, do nome empresarial como elemento dessa empresa). Na honra subjetiva, fere-se a autoestima, o amor próprio, o decoro; na objetiva, o bom nome empresarial, o crédito, a reputação ou a imagem corporativa da pessoa jurídica. Naquela, a dor de que se cuida é a dor física, sensorial, a dor da alma. Nesta, a dor que reclama reparação é metafórica: é a “dor jurídica”, dor de supor que por conta da lesão injusta um patrimônio moral que é valor agregado à pessoa jurídica também foi afetado, e precisa ser recomposto. Todo dano moral traduz lesão a um direito da personalidade e gera dor em sentido subjetivo, que não pode ser estimada em dinheiro exato. O valor que, por equidade, se fixa a esse título, tem natureza compensatória, reparatória e punitiva . A falta de uma boa governança corporativa, os sistemáticos eventos ligados à pirataria de software, tecnologia ou produtos, às notícias falsas de falência ou de autofalência, clonagem de cartões corporativos ou de documentos imprescindíveis aos negócios, os recorrentes casos de assédio moral ou sexual, o protesto indevido de títulos, o dissenso entre diretores, a denunciação caluniosa, a exclusão de processos licitatórios, as dívidas sociais com a seguridade social e com o imposto de renda, o gigantismo dos passivos fiscal, tributário ou trabalhista, a degradação do meio ambiente de trabalho com práticas deletérias de gestão, os acidentes de trabalho, em pequenas ou grandes proporções, os escândalos financeiros envolvendo os negócios ou seus diretores, os danos ecológicos de responsabilidade da empresa, o trabalho escravo ou infantil, a negligência na aplicação das leis previdenciárias, trabalhistas e de saúde pública dos empregados, o mau atendimento ao público e os reiterados casos de recall de peças ou serviços são os eventos mais comuns que abalam o crédito da pessoa jurídica. Tanto quanto nas lesões subjetivas das pessoas naturais, mede-se o prejuízo moral da pessoa jurídica pela extensão do dano.
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1.O autor é Juiz do Trabalho, membro efetivo da 7ª Turma do TRT/RJ, Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP, mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense — UFF — e Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, Membro da Comissão de Jurisprudência do TRT/RJ, Presidente do Conselho Consultivo da Escola de Capacitação de Funcionários do TRT/ RJ — ESACS —, membro do Conselho Pedagógico da Escola Superior de Advocacia Trabalhista de Niterói — ESAT —, professor universitário e de cursos preparatórios para concursos públicos, membro de bancas examinadoras de concurso de ingresso na Magistratura do Trabalho, autor de livros jurídicos, autor de artigos jurídicos publicados no Brasil e na Itália( http://www.diritto.it/), palestrante,conferencista, redator de propaganda, fotógrafo e poeta.
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