sexta-feira, 5 de março de 2010




Os quintos.
zé geraldo



Você percebe que está ficando velho quando já não se afasta, por mais que tente, de certas conclusões tiradas sabe Deus há quanto tempo, e por mais que pareça uma luta perdida, contra moinhos de vento, continua remando contra a maré. ”Só pra exercitar”, diria Cazuza. É essa a minha relação com o quinto constitucional nos tribunais, começando pelo meu. O sistema está previsto no art.94 da CF/88 e permite que um quinto das vagas dos tribunais seja integrado por membros do Ministério Público com mais de 10 anos de carreira e por advogados com mais de 10 anos de exercício profissional, notório saber jurídico e reputação ilibada. A OAB e o Ministério Público elaboram listas sêxtuplas de seus pares, o tribunal escolhe três e o Executivo nomeia um de cada lista segundo haja vaga destinada à OAB ou ao MP.

Se o sujeito se acha com vocação para a toga, eu conheço um caminho longo, pedregoso, mas muito razoável e democrático: estude muito e se submeta a um rigoroso concurso público. Fora disso, por mais brilhante que seja, vai sempre sobrar na sua honradez a impressão ruim de que encurtou o caminho por incompetência, preguiça ou compadrio. Não ponho em dúvida a capacidade intelectual de nenhum membro dos quintos constitucionais de qualquer tribunal deste país, mas ninguém vai me convencer de que o sujeito que “se faz juiz” da noite para o dia, e sem concurso público, cumpriu a via-crúcis democrática daquele outro juiz que não tem padrinho importante nem recursos para frequentar os gabinetes e salões entesourados em busca de apoio para o seu nome. Todo mundo sabe que só ter notório saber jurídico e reputação ilibada não basta. Isso é o mínimo. Fosse assim, e não haveria vaga nem para os magistrados de carreira, tantos seriam os candidatos credenciados à função, sejam egressos da OAB, sejam do Ministério Público. "Notório saber jurídico" e "reputação ilibada" não deveriam ser sequer critérios objetivos de escolha de pretendente ao cargo de juiz ou desembargador. No estado de direito, numa sociedade minimamente culta, isso deveria ser obrigação moral do candidato, e não um atributo que distinga.

Li por aí, confesso que com uma certa pontada na alma, que o plenário do Conselho Nacional de Justiça(CNJ) confirmou, por unanimidade, uma liminar concedida pelo Conselheiro Felipe Locke ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que suspendera a Resolução nº 1/2010, da E.10ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Essa Resolução exigia que os advogados e membros do Ministério Público, indicados em lista sêxtupla para as vagas de desembargadores daquele Tribunal, passassem por uma espécie de sabatina em conhecimentos jurídicos gerais. Honestamente, não sei o que esses candidatos a desembargador temem. Talvez que ficasse demonstrado, em alguns casos, o óbvio. Todos os que anseiam funções ou cargos públicos se submetem a concursos públicos ou a sabatinas públicas, seja pelas próprias Cortes que pretendem integrar, seja pelo Senado. Muita vez é tudo jogo de cena, para inglês ver, mas pelo menos se sabe que o candidato teve a coragem necessária para enfrentar um plenário e correr riscos. Isso já é um bom começo na carreira de um juiz. Mas nem tudo está perdido. Se bem entendi o voto do Conselheiro Locke, parece-me que S.Exª disse que "não pode uma fração do tribunal se sobrepor ao órgão especial ou ao Pleno para impor regra a todos os membros, sobretudo, quando extrapola os limites da Constituição". Ou seja: se a liminar é — e quase sempre é — a antecipação de um juízo de valor sobre o mérito, o fio condutor do voto final, o Conselheiro disse que a E.10ª Câmara do TJ do Rio não poderia, sponte sua, como órgão fracionário que é, “usurpar” função que seria do E.Órgão Especial ou do E.Tribunal Pleno, ambos órgãos colegiados daquele Tribunal. A menos que a decisão final mude substancialmente de rumo, taí a deixa que a Presidência do TJ não deve ignorar: uma Câmara de um Tribunal, como órgão fracionário, não pode se arvorar em ditar regras gerais no lugar de um órgão colegiado, mas o Órgão Especial ou o Tribunal Pleno do E.TJ do Rio, que são colegiados, podem. Logo...

Até onde li, o Conselheiro Milton Nobre preocupou-se com quem iria aferir o notório conhecimento dos candidatos ao quinto constitucional no caso da aplicação do exame. Teria dito: "Quem vai aferir? Os próprios membros da câmara Cível, promovidos por merecimento na carreira, sem passar por aferição de notório conhecimento?". Exatamente, Excelência. Os próprios integrantes da E.Câmara, que se submeteram a um rigoroso concurso público e têm uma vida pública disponível a quem quiser ver, vasculhar, garimpar, bisbilhotar. Se foram promovidos "por merecimento" é porque já mostraram a que vieram. Ninguém é promovido por merecimento num tribunal apenas porque toma cafezinho com o Presidente. Os critérios são bem mais objetivos. Sei disso porque fui promovido duas vezes por merecimento, a primeira a juiz titular de Vara(no meu tempo ainda se dizia "Junta") e depois para a E.7ª Turma do TRT do Rio. Outro Conselheiro, o Dr. Jorge Hélio, teria lembrado que, no caso dos egressos do Ministério Público, todos já passaram por concurso público de provas e títulos. De fato, passaram. E concurso dificílimo, por sinal.Quem já se submeteu a um deles sabe. Mas isso responde apenas à metade da questão. Ou nem responde coisa alguma, porque, neste caso, teríamos de suprimir a sabatina de ministros, procuradores-gerais, advogados da União, e por aí vai. E ainda deixa no ar a questão dos advogados, que não se submeteram a nenhuma sabatina, exceto para ingresso nos quadros da OAB, lá atrás, quando ainda eram recém-saídos da faculdade.

Não posso concordar com o presidente do Conselho Federal da OAB, Dr. Ophir Cavalcante, quando disse(disse?) que a Resolução da E. 10ª Câmara Civil do TJ/RJ é uma tentativa de enfraquecer o instituto do quinto constitucional. Não é, Dr. Ophir. Não mesmo! É uma tentativa de remediar o irremediável. O certo mesmo seria extinguir de vez o quinto.
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma). Juiz Togado de Carreira. Se Belchior consentir no plágio, "É apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior".
2.Ilustração:http://images.google.com/imgres?imgurl=http://atuleirus.weblog.com.pt/arquivo/juiz.jpg.

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