sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010



Sobre a responsabilidade pessoal dos notários.
zé geraldo



Em 2/2/2010, o STJ decidiu no REsp. nº 1.087.862/AM, relatado pelo ministro Herman Benjamin, que a responsabilidade do Estado é subsidiária em relação aos danos materiais causados por titular de serventia extrajudicial. A noção de danos materiais é amplíssima. É qualquer dano. E me parece, até, que menos arriscado seria dizer apenas "danos", para aí incluir os morais, e não apenas os materiais. Noutras palavras, o ministro disse que a responsabilidade do notário é pessoal, desenvolvida por sua conta e risco, como aliás está expresso na L.nº 8.987/95 e no art.22 da L.nº 8.935/94. O ministro afirma no voto que a responsabilidade dos notários se equipara às das pessoas jurídicas de Direito Privado, prestadoras de serviços públicos, já que também os serviços notariais e de registros públicos são exercidos por delegação na forma do arts.236, §1º, da CF/1988. Está certíssimo.Apenas subsidiariamente o Estado delegante responde pelos danos causados pelo delegatário de uma função pública. Neste blog já postei há algum tempo um artigo extenso onde digo isso, com todas as tintas, mas em outras palavras, quando trato da inexistência de sucessão nos cartórios. O fundamento é o mesmo. Se o notário anterior, investido de uma função pública, por delegação, contrata pessoal e não paga, o juiz do trabalho não pode declarar a responsabilidade do notário que assume no lugar do antigo pelas mesmas razões a que o ministro se refere, e por outra, ainda mais relevante: se a função delegada é pública, é vista pelo direito como coisa fora do comércio. E coisa fora do comércio não se tradita entre particulares. Toda função pública é originária do Estado. Em princípio, cabe a ele, Estado, ente federativo, cumpri-la direta e pessoalmente. Como nem sempre isso é possível, ou viável, faz-se a delegação, que não é dação nem investidura permanente. A qualquer momento o agente delegante pode retomar a função delegada porque ela é pública, originariamente sua. Retoma, investe outro delegatário no seu exercício e assim cumpre a sua função pública por intermédio de terceiros. Se a função notarial ou registral nunca pertencerá em definitivo ao delegatário, é óbvio que não a pode traditar a outro particular porque a delegação pressupõe uma investidura que o particular não pode fazer. Ninguém pode dar o que não é seu. Nos casos em que a delegação cessa, a função pública delegada retorna automaticamente ao ente público delegante porque é como se do seu domínio nunca tivesse saído. E de fato não saiu. Por isso que não há nem pode haver "sucessão de empregadores" quando se trata de notários ou agentes registrais porque a responsabilidade por todas as despesas é pessoal do notário. Embora em nome do Estado, ou por autorização deste, o notário exerce a função pública por sua conta e risco. Se assim é, os empregados contratados pelo notário que deixa a serventia devem reclamar dele eventuais direitos sonegados, e não do novo, que foi investido na função pública com a premissa que vem da lei de que a sua responsabilidade é pessoal, e se é pessoal, não responde pela dívida do que sai. A tese que os juízes trabalhistas constroem para justificar a "sucessão entre notários" é uma falácia; não resiste a nenhum argumento sério. Até mesmo o mais pobre manual de direito do trabalho ensina que para haver sucessão de empregadores na Justiça do Trabalho é preciso a concomitância de dois requisitos: 1º)- não pode haver solução de continuidade nos contratos de trabalho;2º)-a empresa(leia-se: a "atividade do empresário")deve passar de um empresário a outro. O primeiro pressuposto da sucessão exige que os empregados de uma sociedade empresária têm de ter prestado serviços ao antigo e ao novo empregador, ou seja, não pode ter havido solução de continuidade nos contratos de trabalho(sou mais explícito: os empregados do antigo empregador têm de continuar prestando serviços para o novo) e, vencido que seja este obstáculo(o que até pode ocorrer na prática porque o notário vai, mas a atividade notarial fica), resta o outro, insuperável, que vem da lei: como para haver sucessão de empregadores a empresa, isto é, a atividade empresarial tem de passar de um para outro empresário, jamais haverá "sucessão de notários" porque a atividade registral, que é a atividade organizada da serventia, não se tradita. Ela não pertence ao notário. Pertence ao Estado! Finda, a delegação, a atividade pública retorna à sua origem para nova investidura. Assim, ainda que, na prática, os empregados de uma serventia dirigida por um notário possam ter continuado nos mesmos postos, mas sob direção de outro notário, nem por isso terá havido "sucessão de notários" porque a sucessão trabalhista se dá na empresa, isto é, na "atividade", e não na pessoa do empresário, e no caso das escrivanias essa "empresa" simplesmente não pode passar de mãos sem a necessária interveniência do Estado delegante. Mas a maioria dos juízes do trabalho faz pirotecnias com os princípios básicos do Direito por uma razão simples: pensam conhecer de tudo um pouco, inclusive de direito administrativo. Em direito, quem conhece um pouco de tudo, conhece tudo de nada. Aliás, na vida também é assim. Como disse alguém, cujo nome não me acorre, "a juventude é um defeito que o tempo se encarrega de corrigir".Um dia, aprendem. Ou não.
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1.O autor é Juiz Federal do Trabalho do Rio de Janeiro(7ª Turma).

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