sábado, 27 de março de 2010




Data venia!
zé geraldo



Toda coisa tem um dono. Verdade é coisa. Valor unitário para o direito. Verdade tem dono. O dono da verdade. A dele morreu com ele. Ninguém nunca vai saber. Nunca nunquinha! Era seu condomínio. Descanse. Deus tenha piedade! Disseram que ficou assim desde que a mulher se foi. Ninguém sabe. Mas também disseram que era droga. Teve um que jurou que andava endividado. Sei lá! Fazer uma coisas dessas...Tinha de ter razão justa. Ou se encheu. Vá saber? Foi tudo muito de repente. Deu pra fazer nada. Quando vi, tinha ido.Vupt! O barulho seco, plaft!, e a gritaria. "Valha-me, Deus, Nosso Senhor!" E aquelas sirenes infernais. Era um dia como os outros. "Sim, senhor!" "Não, senhor!" "Perfeitamente, Excelência!" Me pareceu mais leve, desanuviado. O semblante não era o de sempre. Trouxe até um buquê de flor pra Iraci, a moça da faxina. Tinha feito aniversário na semana passada. Ninguém lembrou. Chegou, deu boas tardes, botou o fone de ouvido e apilhou os processos, um por um. Lançou no livro. Abriu na conclusão e foi espalhando sobre a minha mesa. Não disse ai. Também não perguntei. Não falou, não pergunto. Meu pai que me ensinou. "Bom dia!" "Boa tarde!" "Com licença!" "Muito obrigado!" "Sim, senhor!" "Não precisava se incomodar!" "Deus lhe pague!". Abre porta, dizia. Tomou um café. Três gotinhas, por favor. Pegou um copinho descartável, engoliu uma aspirina. Pingou sorine no nariz. Essa rinite que não passa! O doutor me dá licença?, perguntou. Respondi nada. Completava o despacho. Fingi que não ouvi. Abriu o janelão do gabinete. Olhou a rua. Falou nada. Deu dois passos pra trás. Virou-se pra mim: Data venia! Foi só o que disse. Voou no vazio feito passarinho e foi se estabacar lá embaixo, na Antonio Carlos. Valei-me, Deus, Nosso Senhor!Voei pela escada. A polícia chegou em seguida. Circulando!Circulando! Os peritos vieram depois. O corpo lá, esticado, desconjuntado, um filete de sangue escorrendo da boca, outros dois pelos ouvidos. O perito riscou em volta do corpo com um giz grosso. Fez um desenho. Botou um plástico preto. Gente curiosa! Não tem mais o que fazer? O rabecão entrou de ré. Dá licença!Dá licença! Levaram o corpo. Ficou o giz. Depois caiu a tardinha. Uns pingos de chuva. Coisa pouca. Suficiente pra lavar a rua e apagar o desenho de giz. Cada qual foi pro seu cada qual. Deus tenha piedade. Um sujeito estacionou ali seu carrinho de cachorro-quente.

- Quetichupe, freguês?
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1.O autor é Juiz do Trabalho no Rio de Janeiro(7ª Turma).
2.Ilustração:http://danceando.files.wordpress.com/2009/07/homem-voando.jpg

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